Lusa | António Pedro Santos

Opinião: O cronista não está doente, mas…

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Começo finalmente a sentir os efeitos da pandemia. Assusta-me pensar que fui, provavelmente, assintomático durante o ano inteiro que este mês quase se cumpre; e, agora, que sinto os primeiros sintomas da doença, acordo cada manhã com um peso enorme na minha consciência, cívica e moral. Penso poder ser responsável por dezenas de casos contágio: tantas as pessoas que contactei nestes meses de confinamento, semi-confinamento, semi-desconfinamento, desconfinamento, novo confinamento, etc…

Não sendo a minha constituição física extraordinária, não fazendo desporto nem seguindo uma alimentação regrada, sofrendo até de alguns males respiratórios, atribuo o ter atravessado esta montanha russa de efeitos e contra-efeitos ao reforço das imunidades a que sempre prestei grande atenção. E sendo a cultura o natural do Homem, as imunidades a que atribuo a minha boa saúde foram certamente culturais: muitas leituras (em casa, nos jardins, na rua) e de todo o género (romance, ensaio, poesia, BD, livros de viagem,…), corridas até aos museus, teatros e cinemas (quando abertos), tardes inteiras de exercício nas esplanadas (quando abertas), longa exposição a filmes, documentários e séries na televisão (quando tudo o resto falha), muito pouca internet (apenas a essencial para não ser despedido por falta de comparência ao tele-trabalho).

Fui dizendo isso aos meus amigos, aos meus colegas e a todos vós, leitores, mas a verdade é que agora temo que a simples passagem de informação, o emprestar de um livro, o aconselhar um espetáculo, um aceno ao longe no cinema com duas filas de distância, possam ter tido efeitos devastadores de contaminação.

E percebo que as defesas oferecidas pelas minhas imunidades culturais se revelaram, afinal, insuficientes. As variantes do vírus são certamente a causa destes recentes sintomas. A verdade é que estou exposto agora (estamos todos!) a este novo (semi, quase total, ainda assim não tanto) confinamento francês e que fui exposto ao recente e total confinamento português (de que experimentei os primeiros dias); estou exposto aos números mundiais sempre crescentes; estou exposto à história das vacinas que pagámos e talvez não se revelem tão lucrativas assim para serem disponibilizadas em doses suficientes nos prazos acordados pelas Big Pharma (será que Dr. Durão Barroso nos vem explicar este falhanço quanto nos explicou já tão bem o êxito da operação?); e fui exposto ainda ao Dr. Ventura e aos seus êxitos eleitorais (mais ao altar kitsch que revelou no seu Gabinete de Deputado da República, altar onde pontua a família, a Nossa Senhora de Fátima, o Benfica e o Dr. Passos Coelho).

Dificilmente um ser, mesmo saudável, resiste a tanta carga viral e de tantas origens. Tenho a garganta seca, dificuldade em falar dessa gente, mas também perdi o paladar em relação aos pratos requentados servidos pelos governantes; acho que a minha audição sofre também, incapaz de os ouvir enunciar os ingredientes e explicar a confeção das suas justificações e desculpas, finalmente, cada vez me custa mais respirar este ar viciado. É evidente que estou num grupo de risco e deveria ser prioritário em qualquer plano de vacinação oficial – até porque tenho febre alta e sinto que a minha cabeça rebenta de impaciência (como uma poderosa bomba que um anarquista se dispusesse a fazer explodir).

Boas escolhas culturais e até para a semana.

 

Esta crónica é difundida todas as semanas, à segunda-feira, na rádio Alfa, com difusão antes das 7h00, 9h00, 11h00, 15h00, 17h00 e 19h00.

 

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