Reitor Nuno Aurélio Fatima

Opinião: Os políticos de que precisamos – II: A Paixão de Cristo, o Poder e a democracia

Aproxima-se celebração anual da Páscoa com os dias da Paixão de Jesus e da Sua ressurreição. E de novo somos confrontados com o exercício do Poder, as Autoridades e a(s) voz(es) do Povo. Para já ponho-as em maiúsculas. Veremos como facilmente se diminuem para se escreverem e viverem em minúscula.

“A política é um meio fundamental para construir a cidadania e as obras do homem, mas, quando aqueles que a exercem não a vivem como serviço à coletividade humana, pode tornar-se instrumento de opressão, marginalização e até destruição. ‘Se alguém quiser ser o primeiro, diz Jesus, há de ser o último de todos e o servo de todos’ (Mc 9, 35)” (Papa Francisco, Mensagem para o Dia Mundial da Paz, 1 de janeiro de 2019).

Sabemos hoje como o “processo de Jesus” que O levou à sua prisão, julgamento, condenação à morte e execução na cruz, foi todo ele ferido de verdade e de justiça, embora aparentemente legal. Ele revela-nos, porém, a atualidade das ações e intenções daqueles que nele intervieram. Vejamos:

A inveja e dureza de coração das autoridades do Povo de Israel que não reconheceram, em Jesus de Nazaré, o Messias anunciado pelos profetas e prometido por Deus. Quiseram e procuraram acima de tudo a sua sobrevivência política e social e não o bem verdadeiro e duradouro do povo. Humilhados pelo império romano pagão, que detestavam, e pela realeza de Herodes (usurpador do trono de David e rei-fantoche), que desprezavam, as autoridades judaicas construíram com eles uma geringonça política de ilusões e faz-de-conta que lhes garantia perpetuarem-se no poder.

Antes como hoje, no Médio Oriente como no Ocidente, assim vamos nós.

Embora o sistema político vigente não fosse uma democracia, os procedimentos políticos foram respeitados: o Sinédrio, enquanto órgão colegial legislativo e governativo político-religioso (em Israel tudo estava ligado), deliberou e decidiu a morte de Cristo; o rei foi consultado e desinteressou-se; o Povo foi formalmente auscultado e devidamente manipulado para exigir aos gritos a crucifixão de Jesus; e Pilatos, enquanto representante do Imperador ou César, teve a última palavra. Também ele foi “orientado politicamente”: “Pilatos procurava libertar Jesus, mas os judeus clamavam: ‘Se libertas este homem, não és amigo de César! Todo aquele que se faz rei declara-se contra César’” (Jo 19, 12). Embora agindo contra aquilo que pensava, sentia e acreditava no seu coração – Jesus era inocente – entregou-O para ser brutalmente flagelado e crucificado. Importou mais manter o seu poder e salvar a sua face.

“A função e a responsabilidade política constituem um desafio permanente para todos aqueles que recebem o mandato de servir o seu país, proteger as pessoas que habitam nele e trabalhar para criar as condições dum futuro digno e justo. Se for implementada no respeito fundamental pela vida, a liberdade e a dignidade das pessoas, a política pode tornar-se verdadeiramente uma forma eminente de caridade” (Papa Francisco, idem).

A ação política dos governantes e povo de Israel não teve em mente proteger e servir as pessoas que nele habitavam. Todos, sem exceção, com graus de responsabilidade diferentes e de forma diversa, contribuíram para a sua autodestruição: no ano 70, Jerusalém, cidade-santa capital, foi arrasada pelos Romanos e as suas instituições político-religiosas e cultuais, destruídas e até hoje. Naquele dia, e ainda sem o saberem, a geringonça enganadora instalada aniquilou o futuro de todo um povo e da sua esperança. E em 476, o último imperador romano do Ocidente era deposto e Roma devastada. Estávamos no ano 33.

“Quando se aproximou, ao ver a cidade [Jerusalém], Jesus chorou sobre ela e disse: ‘Se neste dia também tu tivesses conhecido o que te pode trazer a paz! Mas agora isto está oculto aos teus olhos. Virão dias para ti, em que os teus inimigos te hão de cercar de trincheiras, te sitiarão e te apertarão de todos os lados; hão de esmagar-te contra o solo, assim como aos teus filhos que estiverem dentro de ti, e não deixarão em ti pedra sobre pedra, por não teres reconhecido o tempo em que foste visitada” (Lc 19, 41-43).

Ontem como hoje, no mundo Antigo como nas democracias ocidentais.

A Páscoa está próxima. Deus vem visitar o seu povo de novo. Quem O irá acolher?

LusoJornal