Home Opinião Opinião: Português para quê, português para quemTeresa Soares·31 Janeiro, 2019Opinião Recentemente foi noticiado no LusoJornal que a Associação Herança Brasileira irá iniciar a criação de cursos de língua portuguesa em França, fundamentando-se na importância do domínio da língua e cultura de origem para o desenvolvimento da identidade de crianças que nascem ou crescem num país estrangeiro, o que inclusive é também visto como fator positivo para o sucesso escolar destas nos países de acolhimento. Estes princípios, comprovados e fundamentados em várias investigações e anos de observação da citada problemática por psicólogos, sociólogos, linguistas, etc., são fatores que levaram países como a Alemanha, Suécia e Áustria a proporcionar, aos filhos dos trabalhadores estrangeiros nesses países, cursos da língua e cultura de origem. Dentro deste âmbito, o Instituto Camões, que em 2011 passou a tutelar, em vários países da Europa e África do Sul, os cursos de Língua e Cultura Portuguesas, anteriormente a cargo do Ministério da Educação, constitui uma exceção notória. A ação do citado Instituto assumiu caráter destruidor, pois em cerca de sete anos reduziram o sistema do Ensino do Português no Estrangeiro a cerca de 50% da sua dimensão original, tanto no número de professores como no de alunos. Será que alguém ainda se recorda do que se passou em dezembro de 2011, quando 49 professores foram abruptamente despedidos, vinte em França, vinte na Suíça e os restantes distribuídos pela Espanha, Bélgica e Reino Unido? E têm consciência de que mais de 15 mil alunos ficaram sem aulas de Português nessa altura? Infelizmente a memória da maioria das pessoas é muito curta… Mas, como se tal não bastasse, em 2013 mais trinta professores do EPE ficaram desempregados devido à aplicação da “Propina”, que levou também à perca de quase nove mil alunos, devido ao encerramento de inúmeros cursos, pois muitos encarregados de educação recusaram inscrever os filhos, por serem contra o pagamento obrigatório exigido. Interessantemente, em todos os países onde houvesse alunos estrangeiros a frequentar os cursos a cargo do Estado português, foram esses isentados de qualquer pagamento, com realce para a França e Espanha, onde muitos professores colocados e pagos pelo Instituto Camões não têm já um único aluno português nas suas turmas. O único país do EPE a escapar a esta destruição organizada foi a África do Sul, por motivos desconhecidos. Não houve despedimento de professores, nem a Propina foi aplicada, apesar de aí existirem também cursos de ensino paralelo, extra-horário, que na Europa foram os principais atingidos pela vergonhosa taxa, que, como já dito anteriormente, levou à extinção de quase metade dos cursos existentes. Seguidamente, o Camões I. P. iniciou também uma campanha de destruição do Português como língua materna ou de origem, alegando que a nossa língua só seria reconhecida pelas entidades escolares dos vários países se fosse lecionada como língua estrangeira, obrigando os professores ao uso de manuais de fraca qualidade, tanto pedagógica como linguística, feitos à pressa, supostamente segundo as regras do Quadro de Referência das Línguas Europeias que, como é de conhecimento geral, só é aplicado ao ensino das línguas estrangeiras em Universidades e Institutos de Línguas. Certamente haverá no EPE professores que se lembram da série “Salpicos”, manuais catastróficos a todos os níveis, mas de uso obrigatório. Felizmente desapareceram da circulação, mas todos deveríamos questionar as vastas verbas despendidas na elaboração e publicação dos mesmos, verbas que deveriam ter sido aplicadas num ensino de qualidade, mas que o citado Instituto optou por desperdiçar. O mesmo se pode dizer do tão apregoado Certificado, inútil para frequência de escolas e universidades em Portugal, inútil para o progresso escolar dos alunos nos países de acolhimento, porém apresentado com enorme aparato como se fosse algo de extremo valor, muito publicitado pelos Coordenadores de ensino que, seguindo instruções emanadas de Lisboa, não mostram qualquer pejo em enganar alunos e pais com uma certificação sem utilidade, que atualmente nem se sabe o que certifica, pois em setembro passado o Exmo Sr. Presidente do Camões veio declarar num programa televisivo que os cursos do EPE são de língua de herança, embora sem apresentar definição do termo. Possivelmente trata-se de uma declaração de fundo político, pois estamos em ano de eleições legislativas e dizer aos Portugueses no estrangeiro que é melhor falarem e aprenderem português como língua estrangeira poderá ser contraprodutivo, porque quem é que vai ter vontade de votar em políticos que não mostram respeito pela sua língua e cultura além-fronteiras? Desde 1980 até 2011, o ensino era de Língua Materna. De 2011 a 2018 foi de língua estrangeira ou língua segunda, por imposição da tutela. Agora, em 2019, vêm dizer que é de língua de herança. Seria bom que os responsáveis da atual tutela decidissem, definitivamente, o que é que se ensina e o que é que se aprende no EPE, sob o perigo de se tornar patente que afinal, nada de construtivo fizeram no sistema. Interessante também verificar que, em França, ao contrário do que sucede na Alemanha e na Suíça, onde os cursos de Língua e Cultura Portuguesas são também frequentados por alunos brasileiros, houve agora a iniciativa de criar cursos apenas para alunos dessa nacionalidade. Será porque é exatamente em França que o Instituto Camões levou mais longe a destruição da língua portuguesa como língua de origem, abrindo cursos gratuitos a alunos franceses, mas obrigando mil alunos portugueses ao pagamento da indecente Propina, sendo também o país onde a responsável pela Coordenação de Ensino declara abertamente que o Português como língua materna ou de origem não tem valor, pois fica assim ligado à emigração, o que lhe dá um estatuto inferior? E onde a citada responsável dá ao inútil Certificado o título descabido, para não dizer ridículo, de “Diploma”? Será por essas razões que a Associação brasileira em França resolveu organizar cursos de Português da vertente língua materna, vendo que Portugal cada vez se afasta mais desse dever constitucional? Seja qual for o fundamento, a verdade é que têm carradas de razão.