Opinião: Que Europa no século XXI?

Como demora o inverno no coração desta Europa já envelhecida onde residimos! Tantos invernos a aceitar compromissos ou talvez comprometimentos evitando debater e discutir a sério grandes ideias. O conceito ajuizado dos “petits pas” de um dos pais fundadores da Europa, Robert Schuman, já não dá impulso nenhum para defender o que importa mais, em vésperas de uma nova eleição para o Parlamento europeu: um projeto de amor para com a Europa inteira. Cabe, doravante, acelerar e dar passos maiores. Porquê? Porque as instituições europeias e seus líderes, mandatados por ninguém (exceto pelo Parlamento), esqueceram-se de ouvir a voz do povo durante anos, desde uma eleição até à seguinte, ou seja, obrigando de facto a anos de silêncio democráticos… Como demora então a esperança do progresso para os europeus!

A nossa Europa está cheia de neuroses feias, dúvidas insensatas, receios agudos, ataques de nervos tanto como de decretos-leis europeus ilegíveis e de importância secundária que não arriscam despertar paixão alguma junto dos seus cidadãos. Por exemplo, o tamanho dos cotonetes e dos discos desmaquilhantes como muitos outros assuntos técnicos de género idêntico constituem centenas de milhares de páginas e horas da vida do Parlamento europeu. No que diz respeito ao debate acerca da possibilidade de harmonização fiscal e social, de mais direitos, considerando o real para se aproximar do ideal de igualdade de oportunidades, garantia de mais-valia democrática: népia ou quase népia.

Em França, há três meses que os Coletes Amarelos desesperam, gritam, se manifestam, alguns até morreram ou ficaram mutilados para denunciar injustiças crónicas nascidas há séculos, sem despertar emoção alguma junto do Governo francês, gestor apático mais do que político visionário. Optaram por “tiros” de impostos em alvos bem determinados: os rendimentos da classe média-baixa, isto é, famílias monoparentais, reformados, entre outros. Constam-se aumentos de taxas discretas mas várias, IVAs diretos em cima dos ombros de quem nada tem ou pouco vence, decretado sob tom fidalgo e oriundo de vozes mimadas pela vida de uma dita elite cujas heranças confortáveis não preveem qualquer perigo, em qualquer altura da vida, nomeadamente o perigo de desclassificação social quando outros tudo sofrem para conseguir uma vida melhor. A renúncia ao ISF (1) dos bolsos mais acetinados é uma prova óbvia da renúncia à redistribuição das riquezas e de mais justiça social.

Acabámos com as fronteiras físicas. Existem quatro liberdades fundamentais, entre as quais a liberdade de circulação de mercadorias e de pessoas, assim como da sua instalação. Qualquer cidadão europeu pode escolher qualquer outro país de residência na Europa sem se assujeitar a solicitar visto de estadia. Existe paz. Existem Tratados que organizaram a vida económica e impuseram algumas regras de solidariedade entre os Estados membros. Não existe é liderança política que lute pelo sentimento de pertença e a certeza de um destino comum consciente e capacitado para colocar em movimento toda a sociedade, em nome de novas ideais para o século XXI. A nossa Europa ficou parada no século XX, enquanto forças violentas radicadas no século passado podem acabar com ela: as extremas-direitas já não ameaçam governos, são governos!

Procura-se: uma Europa dos direitos humanos que não desiste de nenhuma vida humana que atravessa mares e terras longínquas como os do Salto. Procura-se: uma Europa digna da mais bela promessa para a humanidade, a promessa da própria e máxima emancipação individual, respeitando a Declaração Universal dos Direitos Humanos: “naître et demeurer libres et égaux en droits”!

São escritores, poetas, artistas, jovens, militantes, empresários, intelectuais, simples cidadãos, sem quaisquer dúvidas ou medos, que apelam sinceramente a todos os seus concidadãos, como cada um de nós, a proteger o que foi alcançado em lutas históricas prévias para realizar um Estado de bem-estar que respeite plenamente a vida de cada indivíduo. Apelam sobretudo a mais coragem para “nos mudar a sorte e mexer com o destino”, se já ninguém o sabe fazer por nós. Porquê? Porque bem e melhor conhecem a Europa que atravessaram outrora, a Europa onde habitam (em dois ou mais países) os seus defeitos e as suas faltas, sem precisar competir com intelectuais, comentadores ou estatísticos de toda a ordem para definir a Europa que querem no porvir.

Há uma bela primavera à espreita, com flores que já ninguém espera. Um delas é uma rosa, no meio das doze estrelas do céu azul europeu, contra a podridão das neo-ordo-ideologias que muitas vidas calcaram. Felizmente, no meio dos povos europeus, existe ainda quem muito ama sinceramente a ideia de Europa e o seu projeto de felicidade. Vale a pena lembrar este pensamento de Mário Soares, “Eu sou um europeísta federalista e acho que deve haver um Governo europeu e que devem haver símbolos europeus. Não há por timidez, por cobardia, por falta de coragem”. Vamos a isso para formar uma Europa nova, a Europa do século XXI?

 

(1) Impôt sur la fortune est un impôt individuel appliqué non pas sur un revenu ou une transaction, mais sur le patrimoine (il est ainsi calculé en fonction de la valeur de tous les biens d’un individu).

 

LusoJornal