Poesia : Lévi dos Santos acaba de editar “Où vont les trains le dimanche?”Carlos Pereira·Cultura·19 Junho, 2025 Lévi dos Santos acaba de lançar, nas edições Unicité, mais um livro de poesia intitulado “Où vont les trains le dimanche?”. Este é o quarto livro do autor que mora em Pau, no sudoeste francês, depois do romance “Lusitaniennes” (édições Vagamundo, 2018), uma participação na antologia “Ecrit(s) du Nord” (éditions Henry, 2019) e “Je me lèverai de bonheur” (éditions Maïa, 2022). Embora tenha nascido nos Alpes, em 1968, Lévi dos Santos mudou-se para Pau, junto aos Pyrenés, mas tem origens em Águeda, onde nasceram os pais e onde ainda costuma ir matar saudades. Diz cultivar mais do que uma dupla nacionalidade, uma dupla cultura, acompanhando “tanto quanto possível” as atualidades portuguesas. “Mais do que uma parte da minha família, tenho em Águeda as minhas memórias, coisas vividas” explica ao LusoJornal. Mas quando vai a Portugal não fica sempre em Águeda, tenta percorrer e descobrir o país. “Para mim, Portugal é um todo e viajo quando possível. Também tenho muito interesse em outras zonas, com outras memórias. Gosto de percorrer, visitar e conviver”. Profissionalmente, Lévi dos Santos é “escritor-público”, mas já passou pelo jornalismo, pela ação social… “agora escrevo para os outros, para quem não tem tempo, para quem não pode, para quem não sabe…” detalha ao LusoJornal. Também dá explicações a alunos que necessitam de um apoio para os deveres de casa. Mas a formação inicial foi económica, em gestão de empresas. Por isso, também criou em Pau, um clube de empresários franco-portugueses. “Eu sempre me interessei por literatura. Desde sempre. Não lhe sei dizer uma data ou um momento em particular. Desde sempre que tenho uma sensação muito forte, ter uma caneta na mão, mexer em papéis e sobretudo ler” detalha Lévi dos Santos. Também já escreve há muito tempo, mas o passo para a publicação foi lento e difícil. Demorou alguns anos. “Nunca tive isso na cabeça, não pensava nisso, estava muito bem como estava. Eu leio muito, imenso, gosto muito de livros, mas escrever e publicar, nunca foi assunto que me passou pela cabeça”. Hoje, a escrita ocupa uma parte importante na vida de Lévi dos Santos. “Tudo muda a partir do momento em que se edita um livro. É uma sensação… uma pessoa vive com um livro cá dentro, escreve e isso ainda demora, é todo um percurso, com dúvidas… não é assim tão fácil escrever, mas quando chega o momento, o livro sai à rua, deixa de ser meu, já não me pertence, pertence potencialmente a todos. É uma sensação estranha, à qual eu nunca me habituei”. Para cada livro que edita, Lévi dos Santos diz ter a mesma sensação, “é sempre como se fosse o primeiro. Mas não é. É sempre uma grande emoção, é uma coisa muito estranha e até uma espécie de milagre que acontece. É como um filho que acabamos de ter”. Mas o autor não se deixa perturbar. Fala de “orgulho”, sim, “mas é preciso ver as coisas também com simplicidade e com distanciamento. Eu não sou o primeiro e não serei o último. Há muitos que escrevem e eu ponho-me nessa fila, apesar de, às vezes, ser difícil”. Em todos os livros fala de Portugal. Nem podia deixar de ser! No primeiro romance, conta a história de três gerações – a avó, a mãe e a filha – vista pelos olhos da neta. “Tem a ver com Portugal, curiosamente ou não. Os meus livros, afinal, de uma forma ou de outra, podem decorrer em vários sítios do mundo, mas tudo vai ter a Portugal”. Também nos poemas que escreve, Portugal surge regularmente, “de forma inequívoca”. Lévi dos Santos gosta da contemplação. Pode estar uma tarde inteira na praia, em novembro, onde nada se passa, sem ninguém, sem fazer nada, apenas a contemplar. A situação inspira-o. “Inspiram-me as memórias, o ser humano, as ruas das aldeias desertas, o tempo que passou e que já não volta, a infância… e talvez sobretudo, a esperança”. Gosta de conversar com pessoas que não conhece, diferentes dele, mas também da natureza, das coisas lentas que vão acontecendo, que não se despacham, gosta de descobrir uma bicicleta velha numa adega, esquecida, cheia de pó, que pertenceu a um tio que já se foi há muito tempo, e então desenterrar recordações. Tudo isto inspira o poeta. Mudar-se para Portugal, viver lá, não faz parte dos projetos de Lévi dos Santos. Mas gostava de ver, um dia, pelo menos um dos seus livros traduzido e publicado em Portugal. “Eu nasci cá, percebo muito bem o português e falo-o, mas não dá para escrever. A poesia sai-me em francês e vai continuar a sair em francês. Estou assim formatado e não posso alterar isto” confessa ao LusoJornal. Mas gostava também de encontrar escritores, poetas portugueses, que já conhece dos livros que lê, mas gostava de trocar impressões, nomeadamente sobre processos de escrita. Não são projetos “extraordinários”, mas são “altamente simbólicos” para quem gosta muito, “mas mesmo muito”, de Portugal. “Cada vez mais me sindo de lá” diz com naturalidade. Não se trata tanto de viver em Portugal, mas sim de conviver… Também não considera que Portugal seja um “Paraíso”. Nada disso, tem os pés bem assentes na terra, sabe que há coisas boas e há coisas más. Mas considera, isso sim, que “para mim seria uma tragédia se cortasse as ligações com Portugal”. Para além da literatura, Lévi dos Santos interessa-se por outras formas de expressão artística, da fotografia à pintura. Não nos devemos admirar, se um dia nos convidar para uma exposição ou editar um livro de fotografias.