LusoJornal | Carlos Pereira Home Política Presidenciais’26: Gouveia e Melo veio a Paris dizer que “não há cidadãos de primeira e cidadãos de segunda”Carlos Pereira·1 Dezembro, 2025Política O candidato a Presidente da República Henrique Gouveia e Melo esteve em Paris este fim de semana, depois de já ter estado na Suíça e no Brasil. O programa dos dois dias na capital francesa foi coordenado pelo empresário Armindo Gameiro. O candidato visitou a fábrica de Pasteis de Nata da Canelas, em Pierrefitte-sur-Seine, visitou as instalações do supermercado Primland em Romainville e foi à missa ao Santuário de Nossa Senhora de Fátima de Paris. Henrique Gouveia e Melo participou ainda em três refeições com elementos da Comunidade portuguesa de França, em Claye-Souilly, em Pontault-Combault e em Limeil-Brévannes. Entretanto, deu também uma entrevista ao LusoJornal onde abordou questões relacionadas com cidadania, ensino da língua portuguesa e Europa. . Se um eleitor na Guadalupe quiser votar em si, ele vai ter de apanhar o avião e nem vai poder ir votar a Portugal, vai ter de votar aqui ao Consulado de Paris. Acha que isto é aceitável? Acha esta situação democrática? Não, não acho. Eu tenho já referido diversas vezes isso. Acho que todos os portugueses têm os mesmos deveres e os mesmos direitos. Um dos direitos tem a ver com a nossa cidadania, é o direito de votar e participar na vida política do país. E nós não devemos dificultar, nós não podemos garantir esse direito em termos formais, mas depois, em termos práticos, dificultar de tal forma esse direito, até estarmos a subtrair o direito de votar! E é isso que está a acontecer. Eu não concordo. Para as eleições legislativas vota-se pelo correio e para presidenciais vota-se presencialmente. Em geral, por aqui defende-se a uniformização das metodologias de voto. Qual é a sua opinião sobre esta questão? Estou de acordo. Não faz sentido. Estou de acordo que nós temos de ter uma metodologia única para todas as eleições e que essa metodologia permita a votação. Então qual é a solução para esta situação? A solução mais tradicional é o voto por correspondência, porque já existe em Portugal. Mesmo para o Presidente da República. A solução mais tecnológica é a do voto eletrónico, que ainda não foi adotado em Portugal. Sobre o voto eletrónico, há sempre algumas dúvidas, por causa da possibilidade de poder ser interferida. Mas o voto por correspondência, que é um voto físico, com registo físico, acho que é bastante seguro. É usado para as eleições legislativas, então não faz sentido que não seja usado para as eleições presidenciais. A França utiliza o voto eletrónico, só para quem mora no estrangeiro porque quem mora em França não necessita, porque tem mesas de voto próximas dos eleitores… Há países que consideram que é inseguro o voto eletrónico e evitam o voto eletrónico. E há outros países que consideram que é perfeitamente seguro e usam o voto eletrónico. Eu comandei basicamente uma grande unidade, que era a Ciberdefesa Portuguesa e tenho sempre algumas dúvidas, porque a parte eletrónica é sempre possível de ser interferida. A parte física é mais difícil, também é possível, mas é mais difícil. Enquanto a tecnologia não estiver suficientemente madura, e depois de algumas experiências positivas e negativas, e dos erros que se vão corrigindo com essas experiências, acho que nós devemos manter o voto tradicional. O voto por correspondência satisfaz todas as necessidades. Nem sempre, ainda recentemente as eleições legislativas tiveram de ser repetidas neste círculo eleitoral, há milhares de votos que vão para o lixo… é porque há um problema, de facto, não é? Há um problema na execução, não há um problema na segurança. Ou seja, o método não é mau, porque alguém executou mal o método. O que se deve responsabilizar é quem executou mal o método, porque a correspondência vai para todos os sítios, é correspondência registada e, portanto, há certamente maneira de o fazer. Mas no futuro, sim, estou convencido que, mais ano, menos ano, vamos todos reverter ao voto eletrónico, porque é o mais cómodo e, hoje em dia, nós fazemos transações eletrónicas com os nossos bancos, com as finanças, e, portanto, também é natural que, mais cedo ou mais tarde se vote eletronicamente. Mas se houver algum receio, no mínimo, o voto por correspondência devia ser facilitado. E o voto por correspondência tem de ser universal, as pessoas têm de ter acesso a esse meio de voto, não é perderem-se os boletins, a correspondência não chegar a tempo, ou chegar já fora de fora de prazo… Mas, no fim, nós vamos ter que reverter: o voto eletrónico, é uma questão de tempo. Ainda não estamos é preparados para isso. Nós elegemos quatro Deputados pela emigração. Ainda há poucos anos tínhamos 250 mil eleitores e tínhamos quatro Deputados, agora temos 1 milhão e 600 mil eleitores e continuamos com quatro Deputados. Gostava de conhecer a sua posição sobre esta representação dos portugueses residentes no estrangeiro na Assembleia da República. Se a nossa nacionalidade é dada ao cidadão que vive fora – ele não a perde por sair de Portugal – o cidadão que mora no estrangeiro tem de estar nas mesmas condições que qualquer cidadão nacional. Porque, de acordo com o artigo 3 da Constituição, somos todos iguais perante a lei. O que é que isso significa? Que todos os direitos e todos os deveres são iguais, não há um cidadão de primeira, e um cidadão de segunda. Portanto, com este princípio, o voto deve contar em termos proporcionais. O que nós temos de garantir é que essa proporcionalidade se mantém. Portanto, se há uma região qualquer que tem um milhão e meio de votantes e elege X Deputados, uma outra região, fora de Portugal, nas comunidades, tem um milhão e meio de votantes, também tem de ter proporcionalmente, o mesmo número de Deputados. A emigração passaria a ser o terceiro círculo eleitoral do país. Isso não lhe cria problemas? Não. O que nos cria problemas é o contrário, é uma falta de representatividade. Isto é verdadeiramente um problema nosso, um problema fundamental no que é o conceito de nacionalidade e cidadania. Ou temos diferentes tipos de nacionalidade, os nacionais de primeira, os nacionais de segunda e os nacionais de terceira… ou somos todos nacionais e só há nacionais de primeira. Quando nos é garantida a nacionalidade, é garantido o direito de participar ativamente na política do país, sem restrições. Se esse direito existe, ele tem de valer igual aos outros direitos. Isto é uma questão de princípio. Alguns candidatos que já entrevistei dizem-me que um português que mora em Portugal não pode sofrer as consequências do voto de quem não mora lá… Eu acho que isso é uma visão curta do que é o mundo. Hoje, o mundo não tem fronteiras e nós até poderíamos pôr em sentido contrário: então os portugueses que estão fora, também sofrem das leis que são feitas no país e que isso os pode afetar. Então, nesse caso, faríamos na Assembleia da República, para determinados assuntos, só votavam os eleitos pelos círculos nacionais. Para outros assuntos, só votavam os eleitos pelos círculos exteriores… Esse tipo de lógica são falácias puras. Na base, na essência, está verdadeiramente o conceito de nacionalidade. A nossa nacionalidade é o português que vive no território ou é um português que tem cidadania portuguesa conferida pela lei portuguesa? E nós temos de pensar seriamente o que é que queremos. Portugal é muito superior à sua dimensão física, tem uma dimensão cultural, tem uma dimensão identitária, tem uma dimensão genética, e nós ainda andamos a discutir o resultado sem ter definido a base. Para mim, a base deve ser um Portugal maior. Porque um Portugal maior é um Portugal mais robusto, com mais capacidade de se afirmar no mundo, mais seguro, porque as nossas Comunidades também conferem segurança em sentido contrário, porque estão noutras sociedades, ajudam muitas vezes a amenizar os choques entre sociedades. Portanto, eu vejo um Portugal maior do que um Portugal que é puramente um Portugal territorial. Nós votamos com o Cartão do cidadão e não com o Cartão de residência… Claro. Há um outro assunto relacionado com este e ainda agora evocou a Constituição, ora o artigo 74, sobre a obrigatoriedade do ensino da língua portuguesa aos filhos dos portugueses que moram no estrangeiro não é aplicado. A questão da língua é o outro assunto que nos interessa mais. Qual é a sua posição sobre esta questão da língua portuguesa? A minha posição é muito simples. Eu sou um indivíduo que tem uma forte ambição coletiva. Sempre, no meu passado, na Marinha, achava que podia fazer muito mais coisas e estive sempre a puxar, a puxar, a puxar, para sairmos do reduto do dia. Vamos lá ver: eu tenho um cidadão, filho de portugueses, que pode ser português e pode expandir a nossa nacionalidade e a nossa penetração até noutras culturas. O que é que eu devo fazer? Devo abandoná-lo e ele passa a ser um elemento da outra cultura? Ou devo usar esse potencial, dando-lhe a nossa cultura para ele continuar, de alguma forma, a servir o interesse coletivo português? Eu sou pela segunda hipótese. Por isso acho que a língua é um instrumento essencial. A língua e a cultura portuguesas são as tais coisas que nos dão identidade. Então o que é ser português? Ser português é esta identidade mais alargada, que tem um território de base, mas vive para além desse território de base. Foi o que sempre fizemos, pelo menos nos últimos 500 anos da nossa existência coletiva. E isso deu-nos muita força. Portugal é muito maior que os portugueses que vivem no país e do que o território português. Só quem não perceber isso, é que, de forma taquenha ou de forma provinciana, acha que Portugal se pode reduzir ao nosso retângulo. Na minha perspetiva, nós devemos investir em todos os portugueses que são, no mínimo, filhos de portugueses. Isso é o mínimo. E depois, opcionalmente, outros, os netos… até porque nós podemos precisar que alguns portugueses retornem, que tragam tecnologia de fora, e podem beneficiar o nosso território. São pontos de ligação e de negócios a outros territórios. Isso é que é o grande Portugal. Eu vejo Portugal como um grande Portugal. Nós não somos um país pequeno. Nós, com portugueses que vivem fora e descendentes desses portugueses, acrescentamos a Portugal, no mínimo, 2 a 3 milhões de pessoas. 2 a 3 milhões de pessoas que expandem a influência portuguesa para a Europa, América do Norte, América do Sul, África e até, de alguma forma, para a Ásia. Portanto, eu vejo Portugal como uma comunidade vibrante de gente que vive em Portugal – que é a base – mas que opera muito para lá da base. E é isso que eu acho que é verdadeiramente Portugal. E por isso é que nós temos uma influência muito maior, do que a influência do tamanho do nosso território e do tamanho do povo que vive dentro do território. E por que razão estamos aqui, ainda hoje, a falar destes assuntos? Porque não nos consideramos todos como uma Nação Global, utilizando um termo de Cabo Verde? Porque depois das independências das ex-colónias, nós retornámos ao retângulo inicial e não percebemos que seríamos muito mais fortes e superiores se utilizássemos o retângulo das Comunidades. Mas como é que se avança neste sentido? Com políticos diferentes, que é o meu caso. Eu agora sou político, desde que me candidatei, mas como não faço parte desse núcleo político-partidário que defende ideias que andam a estagnar Portugal há pelo menos 20 anos, eu quero fazer diferente. E, por isso, me ofereci para fazer diferente. Se os portugueses querem que se faça diferente ou não, vamos saber nas próximas eleições. Mas, pelo menos, se eu for o Presidente, se for eleito, podem ter a certeza que eu vou puxar por um Portugal diferente. Qual é a sua posição sobre a Europa? Sei que é um europeísta, mas, por exemplo é federalista? Como é que vê a Europa? Federalista, não. Eu acredito que a nossa independência é importante. Lutámos muitos anos por termos uma identidade própria, por podermos decidir sobre as nossas vidas. E uma federação, basicamente, seria reduzir imenso a capacidade que nós temos de decisão sobre as nossas vidas. No entanto, dito isto, eu acho que a Europa, o conceito de uma Europa grande, uma Europa economicamente forte, unida por traços civilizacionais – não são raças, são civilizacionais – que é a democracia, uma Europa basicamente cristã – mas a religião não é a coisa mais importante, porque nós somos estados laicos – acho que essa Europa é fundamental até para a preservação de todos, para evitar guerras na Europa. Portanto, temos de construir essa identidade, em vez de dividir, e as piores guerras que aconteceram a nível mundial tiveram como palco a Europa e agora temos outra vez uma guerra na Europa. Por outro lado, Portugal, há mais de 500 anos, criou uma alternativa à Europa. Não é uma alternativa total, é uma alternativa complementar. Qual é essa alternativa? Eu sou atlantista, mas também europeísta. Não sou só europeísta ou só atlantista. Eu acho que é a conjugação de um pé na Europa, forte, com outro pé, forte, fora da Europa, é que nos dá a maior segurança e a maior prosperidade. Prosperidade significa riqueza da nação. E eu quero uma nação rica e com coesão social para todos nós podermos viver, não com uma classe média empobrecida, mas uma classe média empoderada, porque isso ajuda a democracia, torna as pessoas mais felizes, dá oportunidades às pessoas. Com um pé na Europa e no Atlântico, a nossa segurança é mais garantida que se tivéssemos os dois pés na Europa ou os dois pés no Atlântico. E tendo segurança e tendo prosperidade, nós temos as condições todas para sermos um país feliz e do primeiro mundo. É isso que eu pretendo. Eu quero estar, não na cauda da Europa, quero estar no primeiro terço dos países europeus, mais desenvolvidos, mas sem perder a parte atlântica. Nós temos conexões fantásticas à África, à América do Sul, sem esquecer as oportunidades de negócio. As oportunidades de negócio aparecem onde há pessoas, e a Europa está a envelhecer, mas a África, nos próximos 20 anos, vai duplicar a sua população. E qual é o país que está mais bem posicionado? É um país que está no Norte da Europa ou um país que está, como nós, no cantinho do Sudoeste, logo ali junto à África? E com ligações facilitadas, não só transporte marítimo, transporte aéreo, mas também, agora, com uma nova coisa que é o transporte de dados, de cabos de fibra ótica. Portugal, neste momento, está-se a tornar um grande centro de amarração de cabos de fibra ótica, o que nos permite estar no centro de uma nova economia, que é a economia digital. De que é que nós temos medo? Os franceses dizem-nos que Portugal é um país extraordinário, na imprensa francesa fala-se no exemplo da economia portuguesa, mas quando chegamos a Portugal, toda a gente nos diz que tudo está mal, mesmo no discurso mais pessoal, as pessoas queixam-se das costas, das pernas… É o nosso Fado (risos). Eu tenho dificuldade de explicar porque eu nunca fui esse tipo de português. Nós, portugueses, temos tipicamente dois comportamentos – isso está na nossa literatura – tipificados pelo Velho do Restelo e pelo Vasco da Gama. Temos indivíduos capazes de fazer feitos extraordinários e, depois, também temos gente que gosta da rotinazinha e do quentinho e de não sair dessa rotina e desse quentinho. Esse é o Velho do Restelo, tem receio da vida. Eu acho que nós, na nossa cultura, conjugamos as duas coisas. Por isso, muitas vezes andamos deprimidos e contentes com o pouco, e outras vezes temos rasgos fantásticos e fazemos coisas fantásticas. O que é que eu acho que nós temos de fazer? Uma mudança gradual para um estado mais de Vasco da Gama e um estado menos do Velho do Restelo. Não é abandonar tudo porque o Velho do Restelo era precaução e um país pequeno também precisa de alguma precaução. Temos de ser mais ativos, acreditar mais em nós. Nisso, o Presidente pode ajudar muito. Não é só dizer que somos maiores, tem de ser com atos, com coisas a acontecer, a demonstrar aos portugueses que nós realmente temos capacidade. Eu, às vezes, volto a falar da pandemia. Não gosto de falar da pandemia, principalmente durante estas eleições, porque não gosto de me pôr em bicos de pés. Mas, de facto, na pandemia nós unimo-nos, tivemos um desígnio e fomos o primeiro país do mundo a chegar a 85% da vacinação. Portanto, nada nos impede de, em outras áreas, com o desígnio unido, fazermos o processo idêntico. E, para si, o Presidente da República pode contribuir para este processo? Desculpe trazer aqui assuntos que têm a ver com a minha candidatura, mas eu acho que a política partidária tem todo o sentido para as Legislativas e para a Governação, mas não tem sentido nas Presidenciais. Porque, enquanto a Assembleia deve refletir as diferentes correntes de opinião e é dessas correntes de opinião que deve sair a Governação, a Presidência é o sentido contrário, é o sentido de união, é de encontrar o máximo denominador comum que nos pode propulsionar para a frente. Esse é verdadeiramente o papel da Presidência, mas não é o papel da Assembleia da República. Eu quando falo muito de independência, não é só a independência dos interesses, das pequenas trincas, não, é verdadeiramente a independência de uma lógica. Nós não podemos levar para a Presidência a lógica partidária. Porque no nosso sistema de pesos e contrapesos, que é o sistema seguro de governança, tem de haver alguém no sistema que une os portugueses. E, aliás, a maior parte dos Presidentes, a partir de Mário Soares, depois de eleitos, dizem que são o Presidente de todos os Portugueses. Essa necessidade nasceu do entendimento que aquele lugar era o lugar da união e não da divisão. Por isso, gente muito ligada a ideologias partidárias ou muito ligada a interesses partidários ou lógicas divisivas partidárias, prejudica a Presidência porque a Presidência deve ser o contrário, deve ser união.