Saúde: Acidente Vascular Cerebral


O que é um AVC?

Um Acidente Vascular Cerebral (AVC) consiste num evento súbito, caracterizado pela perda rápida de funções neurológicas, fruto da interrupção do fornecimento de sangue ao cérebro. O bloqueio à normal irrigação sanguínea cerebral pode ser devido a um evento isquémico (obstrução de uma artéria) ou a um evento hemorrágico (rompimento de uma artéria).

Dentro dos AVC isquémicos, estes podem ocorrer por trombose, ou seja, quando um trombo (coágulo) se forma no interior de uma das artérias cerebrais, ou por embolização, isto é, um coágulo migra através da corrente sanguínea até ao cérebro. Em muitos casos, esse êmbolo tem origem no coração. Em ambos os mecanismos acima referidos para o AVC isquémico, estes culminam sempre num bloqueio ao fluxo de sangue num vaso sanguíneo, condicionando a chegada do sangue às células cerebrais.

Já relativamente aos AVC hemorrágicos, estes são causados por uma hemorragia, ou seja, pelo “rompimento” de um vaso sanguíneo dentro do cérebro. Neste tipo de eventos, as lesões cerebrais podem surgir como resultado da irrigação sanguínea insuficiente, mas também da compressão das estruturas nervosas adjacentes causada pelo derrame.

Qual o panorama desta doença em Portugal?

A cada hora, três portugueses sofrem um AVC, dos quais um não vai sobreviver e metade dos sobreviventes ficarão com sequelas incapacitantes. Esta entidade é responsável por cerca de 25.000 internamentos/ano.

Os dados mais recentes do Instituto Nacional de Estatística (relativos a 2021) reportam que as doenças do aparelho circulatório continuaram a estar na origem do maior número de óbitos em Portugal (32.452), apesar da descida em relação ao ano transato. Neste conjunto de doenças, continuaram a destacar-se as 9.613 mortes por AVC (ainda que este valor tenha representado uma descida de 16,0% em relação ao ano anterior). Além disso, e de forma também expressiva, o AVC mantem-se a principal causa de incapacidade permanente em Portugal.

Dentro dos AVC, os isquémicos são mais frequentes, sendo responsáveis por 85% dos casos.

Quais os fatores de risco para a ocorrência de um AVC?

Existem fatores de risco (FR) para a ocorrência de AVC que não podemos modificar, tal como a idade: existe um aumento do risco à medida que envelhecemos. Ainda assim, destaca-se que estes tipos de eventos podem ocorrer mesmo em pessoas mais jovens, e não necessariamente por causas mais raras como malformações vasculares, mas porque os FR abaixo elencados tendem a estar presentes cada vez em idades mais jovens. Relativamente aos sexos, o risco de um AVC ao longo da vida é tendencialmente superior em mulheres: a incidência é maior em mulheres (versus homens) em idades jovens, enquanto é mais alta em homens (versus mulheres) durante a meia-idade e, por fim, igual/tendencialmente mais elevada em mulheres após a meia-idade (as mulheres vivem mais tempo do que os homens).

Por outro lado, é muito pertinente sublinhar que existem outros FR muito importantes e frequentes para a ocorrência de AVC (e sobre os quais podemos e devemos atuar): a hipertensão arterial (principal fator de risco; estima-se que 42% da população portuguesa seja hipertensa), dislipidemia (excesso de colesterol), sedentarismo, obesidade, tabagismo, fibrilhação auricular (arritmia), diabetes mellitus, consumo excessivo de bebidas alcoólicas.

Por fim, destaca-se que estes FR estão presentes muito frequentemente em associação no mesmo doente, como por exemplo, cerca de 33% dos doentes hipertensos apresentam também dislipidemia.

Como posso suspeitar de um AVC? Quais são os sintomas?

Os sintomas principais de um AVC poderão ser facilmente memorizados pela “Regra dos 3F”: assimetria da face (boca ao lado) e/ou dificuldade em falar e/ou perda de força num braço ou num dos lados do corpo. Estes são os principais sinais de alerta e basta a presença de apenas uma destas alterações para termos a suspeita de estarmos perante um AVC. Lembre-se que na dúvida, será preferível “pecar por excesso” e acionar o 112!

Perante a suspeita de um AVC o que fazer? Posso ir por meios próprios ao hospital?

Perante a suspeita de um AVC devemos contactar de imediato o 112! A chegada mais rápida ao hospital com capacidade para tratar estes doentes, enquanto resultado da ativação da rede de referenciação extra-hospitalar, faz com que a administração das terapêuticas de fase aguda (ver à frente) seja administrada o mais precocemente possível! Isto permite não só reduzir a mortalidade, mas também minimizar as sequelas e a incapacidade: no AVC o tempo é precioso porque “tempo é cérebro”!

Uma vez no hospital, quais são os tratamentos?

No âmbito do AVC isquémico, que são os mais frequentes, existe um tratamento de fase aguda que permite reverter total ou parcialmente os danos causados por esta doença. Este tratamento só pode ser administrado nas primeiras horas após a instalação dos sintomas e é tanto mais eficaz e seguro, quando mais cedo for iniciado. Este consiste na administração de um fármaco, diretamente na veia, com o fim de desfazer lentamente o trombo que está a obstruir a artéria. Em alguns casos, de forma complementar, poderá ser ainda realizada uma desobstrução por via mecânica (por um cateter) da artéria ocluída.

Depois do tratamento agudo do AVC, inicia-se um processo de reabilitação que tem como objetivo recuperar a funcionalidade do doente, devolvendo-lhe o maior nível de independência possível. Deve ter início ainda no hospital, com uma equipa multidisciplinar constituída por médicos, enfermeiros e terapeutas dedicados.

Por fim, e não menos importante, é essencial atual sobre os FR presentes, corrigindo-os e controlando-os, de forma a minimizarmos a probabilidade de ocorrência de novos eventos.

Como posso evitar um AVC?

O AVC pode ser evitado em cerca de 80% dos casos. Para isso, podemos e devemos atuar nos FR que promovem a sua ocorrência, controlando-os de forma rigorosa, nomeadamente: tratar e controlar a pressão arterial, a diabetes e a dislipidemia; adotar uma alimentação adequada, pobre em gorduras e sal; praticar exercício físico regularmente; não fumar; cessar o consumo de bebidas alcoólica. Em muitos casos, e apesar da alteração dos nossos hábitos de vida ser uma pedra basilar, poderá ser ainda necessário recorrer a medicamentos para a adequada correção dos FR. Assim, é importante que seja acompanhado por um médico de forma a assegurar que todos os seus FR estão devidamente identificados e tratados, pois só assim podemos minimizar o risco de termos um AVC. É importante sublinhar que os próprios doentes são fundamentais neste processo, pois é essencial que adiram às alterações no estilo de vida bem como à toma regular da medicação: lembre-se que estas doenças não tiram férias nem têm fins de semanas!

Dr. Filipe Machado

Especialista em Medicina Interna

Hospital Lusíadas Porto

LusoJornal