Saúde: Alergias de outono


Com a chegada do outono e com o cair da folha sabemos que se aproxima uma estação desafiadora para os doentes alérgicos.

As temperaturas diminuem, a humidade aumenta… arejamos menos as casas e permanecemos mais tempo dentro das habitações. Temos todas as condições para o aumento da concentração dos ácaros do pó e dos fungos, principais responsáveis pelos sintomas alérgicos respiratórios.

A doença alérgica resulta sempre de uma resposta exagerada do nosso organismo a determinadas substâncias, o que desencadeia uma série de sintomas e sinais que levam às diferentes manifestações desta doença.

As reações alérgicas são diferentes de doente para doente, podem afetar diferentes órgãos alvo e apresentar diferentes graus de gravidade. Por exemplo, se o contacto com um ácaro afetar o órgão alvo nariz, então o doente apresenta sintomas como salvas de espirros, comichão no nariz, rinorreia e obstrução nasal – sintomas de rinite alérgica em resposta ao contacto com o alergénio.

Se a causa inicial for um vírus respiratório, então temos uma rinite infeciosa, vulgar constipação, que além dos sintomas referidos, idênticos ao da rinite alérgica, os doentes podem também apresentar sintomas gerais como febre, dor de corpo, dor de cabeça e tosse.

A rinite infeciosa dura entre 3 a 5 dias, o tempo normal da duração da virose e a rinite alérgica aos ácaros, por exemplo, vai durar todo o outono e prolongar-se durante o inverno.

O aumento da exposição aos ácaros e fungos produz no órgão alvo uma resposta inflamatória crónica com um aumento local da reatividade das mucosas respiratórias nasal e brônquica, mas também noutros órgãos como o olho e a pele.

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Os principais sintomas

As manifestações clínicas mais frequentes são:

– Rinite – prurido nasal, espirros, rinorreia e obstrução nasal;

– Conjuntivite – prurido conjuntival, eritema, lacrimejo e fotofobia;

– Asma – opressão torácica, tosse, dispneia e pieira.

Menos frequentemente podem manifestar-se sob a forma de urticária e dermatite atópica.

Todas as pessoas com sintomas compatíveis com alergia devem ser estudadas por um imunoalergologista, para ser realizado um diagnóstico correto dos alergénios responsáveis pelos sintomas. Só o conhecimento destes permite reduzir ou evitar a exposição.

A maior parte dos doentes observados na consulta por um especialista por suspeita de alergia podem ser diagnosticados logo na primeira consulta.

O diagnóstico etiológico é fundamental e não são necessárias provas dolorosas ou caras e baseia-se em:

1. Uma história clínica completa que inclua antecedentes alérgicos nos parentes mais próximos e antecedentes pessoais. É importante questionar o doente sobre os sintomas da doença atual nos diferentes órgãos alvo (nariz, olhos, brônquios), bem como conhecer as circunstâncias temporais do aparecimento dos primeiros sintomas e dos episódios sucessivos.

2. Realização de exames auxiliares de diagnóstico eletivos da especialidade – testes cutâneos por picada “prick” e espirometria se o doente apresenta asma.

Os testes cutâneos “prick” que são de leitura imediata identificam o, ou os alergénios implicados; no estudo da função respiratória é normalmente suficiente a espirometria com prova de broncodilatação.

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As alergias mais comuns

As alergias mais comuns são a rinite alérgica, asma alérgica, conjuntivite alérgica, dermatite atópica, alergia a alimentos, alergia a medicamentos e alergia a picada de abelhas e vespas.

De uma forma geral estima-se que até um quarto da população portuguesa apresente alguma forma de manifestação da doença alérgica. Estudos epidemiológicos estimam uma prevalência global de rinite de 25%, asma de 10%, alergia alimentar e medicamentosa até 5% da população, anafilaxia e a alergia aos venenos de himenópteros (abelhas e vespas) entre 1 e 2%.

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Tratamento

De uma forma geral o tratamento da doença alérgica baseia-se em 4 pontos fundamentais:

– Medidas de evicção

– Medicamentos

– Imunoterapia com alergénios “vacinas da alergia”

– Educação do doente

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A exposição aos ácaros e fungos é muito difícil de evitar.

Os ácaros são artrópodes presentes de uma forma quase constante e universal nas nossas habitações. Necessitam de humidade e temperatura relativamente elevadas para manterem condições de viabilidade. O alimento preferencial é constituído por partículas resultantes da descamação da pele humana, fungos e outros produtos orgânicos. Predominam no colchão e no ambiente do quarto. Embora estejam presentes durante todo o ano, os meses de primavera e outono, pelas condições de humidade e temperatura permitem maior sobrevivência e reprodução dos ácaros o que contribui assim, para o aumento da carga alergénica

Os fungos, também conhecidos por bolores ou mofo, são representados por inúmeras espécies, e tal como os ácaros, estão presentes em todas as habitações e necessitam das mesmas condições de humidade e temperatura ambiente.

Em relação aos medicamentos estes devem reunir condições de segurança, eficácia e quer para a rinite quer para a asma temos boas opções terapêuticas.

Para a rinite devemos indicar as lavagens nasais diárias com a aplicação de corticosteroides intranasais e nas formas com maior impacto na qualidade de vida, devem ser adicionados anti-histamínicos não sedativos.

Para o doente com asma indicamos a utilização de uma ou mais medicações de controlo que impeçam que os sintomas e as crises sejam desencadeados aquando do contacto com os alergénios. Os corticosteroides inalados são as medicações de controlo mais eficazes disponíveis atualmente, libertando os medicamentos diretamente nas vias respiratórias. Se a asma não estiver controlada deve utilizar-se uma associação de corticosteroides e broncodilatadores de longa duração.

A imunoterapia especifica, também conhecida como “vacinas anti-alérgicas” consiste na administração de doses progressivamente crescentes de extratos alergénicos, a intervalos regulares por um período de 3 a 5 anos, sendo o único tratamento que pode alterar o curso natural da doença. É altamente eficaz nos doentes alérgicos, reduzindo os sintomas, reduzindo a necessidade de medicação, assim como a diminuição da hiperreatividade nos diferentes órgãos alvo- nariz, olhos e brônquios.

A educação do doente com alergias sazonais é fundamental, uma vez que se trata de uma doença crónica e deve incluir um grande investimento de tempo do especialista em todos os pontos focados anteriormente.

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Alimentos e fatores ambientais

As recentes alterações climáticas do nosso planeta, sobretudo o aquecimento global, provocam inícios e picos de floração cada vez mais precoces e períodos de polinização mais longos com aumento dos totais anuais de pólenes. Isto traduz-se numa temporada de alergias mais longa e mais difícil com a presença importante de pólenes no outono. Além disso os níveis mais elevados de ozono e dióxido de carbono, bem como outros eventos climáticos, como as tempestades de areia, que recentemente atingem frequentemente o nosso país, libertam partículas finas que levam a um risco acrescido de patologia alérgica e respiratória.

Em relação aos alimentos, recomendamos sempre ter uma alimentação saudável, mas a sua gestão assume maior importância nos doentes com alergia alimentar.

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Predisposição genética

Sabemos que a doença alérgica tem uma elevada carga hereditária e embora a predisposição genética desempenhe um papel no desenvolvimento das alergias, não é o único fator determinante. Estimamos que aproximadamente 70% dos doentes têm história na família de doença alérgica.

Os fatores ambientais, por exemplo, podem funcionar como desencadeantes da doença alérgica. O constante aumento das temperaturas resultante da poluição (combustíveis fósseis e acumulação de gases com efeito de estufa), leva ao aquecimento do planeta, por exemplo julho de 2021 foi registado como o mês mais quente nos últimos 142 anos.

Estas alterações climáticas são complexas, promovem ainda mais a poluição exterior, períodos mais longos de exposição aos pólenes e maior suscetibilidade a infeções, aumentando a expressão, duração e gravidade da doença alérgica.

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Proteção excessiva durante a infância a agentes patogénicos externos pode explicar o aumento das alergias

Este conceito que une higiene e imunidade data da década de 90 em que um cientista inglês David Strachan, apresentou a “Teoria da Higiene”. Este epidemiologista relacionou o aumento da prevalência de doenças alérgicas em indivíduos que não foram previamente expostos a agentes patogénicos externos. Esta teoria defende que o contato precoce com alguns microorganismos é importante, porque ensina o sistema imunológico, ainda em fase de desenvolvimento, a funcionar corretamente. Quando isto não acontece, segundo o autor, o sistema imune não estaria preparado e surgem doenças, como a alergia, que é sempre uma doença de excesso de resposta imunológica.

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Dicas

Para conseguir ultrapassar as alergias do Outono os doentes alérgicos devem dar uma especial atenção ao quarto de dormir.

É fundamental o arejamento, sempre que possível.

O colchão é a principal fonte de ácaros do pó da casa (10 milhões de ácaros vivem no colchão), a sua aspiração frequente, pelo menos uma vez por semana, deve ser uma medida de rotina. Preferir edredões e almofadas de fibras sintéticas que devem ser substituídos periodicamente (3 em 3 anos). Evitar cobertores, mantas e lençóis/ fronhas de flanela ou polares. Lavar a roupa da cama a 60º. As coberturas específicas antialérgicas para colchão e almofada têm-se demonstrado eficazes no controlo ambiental de partículas alergénicas dos ácaros bem como dos epitélios de animais.

No quarto optar por superfícies facilmente laváveis, mobiliário simples e reduzido ao indispensável. Remover objetos em excesso como brinquedos e peluches, livros, televisores entre outros. Paredes lisas e pintadas, evitando o papel de parede e cortinas.

É essencial a aspiração frequente (pelo menos duas vezes/semana) da casa, particularmente do quarto e colchão. Os aspiradores providos de filtro HEPA (High Efficiency Particulate Arrestance) têm demonstrado redução da concentração de ácaros, fungos e alergénios de animais domésticos.

É essencial controlar a humidade relativa em valor inferior a 50% para reduzir o crescimento dos ácaros e fungos. Os aparelhos de ar condicionado são a forma mais eficaz, mas deverá ser efetuada uma limpeza regular dos filtros. Os desumidificadores podem ser úteis em algumas situações.

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Cuidados no exterior

No caso dos doentes com alergias a pólenes, consultar regularmente o calendário polínico é fundamental. A Sociedade Portuguesa de Alergologia e Imunologia clínica disponibiliza semanalmente as concentrações polínicas no site (ver AQUI).

Devem ser evitadas as atividades ao ar livre sobretudo das 5 às 10h00 da manhã (emissão de pólens) e das 19 às 21h00 (descida do pólen desde o alto da atmosfera pelo arrefecimento do ar), manter as janelas de casa fechadas o maior tempo possível, utilizar ar condicionado com filtros adequados que não permitam a passagem dos pólens e evitar deslocar-se de veículos motorizados e caso o façam usar capacetes completamente fechados.

A doença alérgica é transversal a todas as faixas etárias, podendo afetar desde o recém-nascido ao doente idoso.

Dependendo da doença alérgica em questão, a distribuição consoante as faixas etárias é diferente. Por exemplo em Portugal, estima-se uma prevalência de rinite de 21,5% a 24% em crianças, 27% em adolescentes, 26,1% nos adultos e 29,8% no idoso.

Já a alergia alimentar, por exemplo, afeta até 5% das crianças e aproximadamente 2% dos adultos.

Nos doentes alérgicos, o sistema imunológico desenvolve uma resposta exagerada que implica uma atuação em cascata de diferentes mediadores imunológicos como os anticorpos, células de defesa como os linfócitos e uma grande quantidade de substâncias como citocinas, histamina, entre outras. Esta processo conduz á inflamação no órgão/órgãos em que está a decorrer, por isso se o doente mantém o contacto com as substâncias a que é alérgico, necessita de ter uma abordagem terapêutica continuada.

Uma visita médica a um imunoalergologista vai permitir ao doente conhecer a sua alergia e abordá-la. Instituir uma série de medidas preventivas para impedir a natural evolução desta doença crónica, indicar os medicamentos mais adequados, e quando utilizá-los e quando indicado propor ao doente as vacinas antialérgicas.

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Dra. Ana Morête

Imunoalergologista

Presidente da Sociedade Portuguesa de Alergologia e Imunologia Clínica (SPAIC)

LusoJornal