Saúde: Autismo: uma perturbação complexa_LusoJornal·Saúde·31 Outubro, 2025 O autismo é uma perturbação do neurodesenvolvimento complexa e crónica, que se caracteriza por alterações persistentes na comunicação e interação social e pela presença de padrões repetitivos e restritos de comportamentos, interesses ou atividades. Faz parte do grupo das perturbações do neurodesenvolvimento que são um grupo de perturbações que afetam o desenvolvimento e a função cerebral. Enquanto uma doença tem uma causa conhecida, uma perturbação é uma alteração funcional, sem uma causa única definida, em que múltiplos fatores contribuem para a doença. Exemplos: Perturbação do Espetro do Autismo, Perturbação de Hiperatividade e Défice Atenção, Perturbação de Aprendizagem Específica, Perturbação do funcionamento intelectual. Causas do autismo O autismo tem uma natureza multifatorial e multigénica, tal como acontece em outras perturbações do neurodesenvolvimento. Ou seja, estão envolvidos múltiplos genes e mutações génicas e, além disso, também existe a influência de fatores ambientais no fenótipo. Por isso é que as relações genótipo-fenótipo (ou seja, a relação entre a alteração génica encontrada e as manifestações clínicas que o indivíduo apresenta) são muito difíceis de estabelecer. Fatores ambientais também estão envolvidos, nomeadamente fatores pré-natais (teratogéneos químicos, infeção congénita, idade materna e paterna avançada), durante o parto e pós-natais. Existem vários fatores envolvidos na génese do autismo. Sabemos que é uma condição com um componente hereditário muito importante e centenas de genes já foram implicados. No entanto, a etiologia ainda não é completamente entendida. Estudos recentes de imagem cerebral e estudos neurofisiológicos têm tentado entender alterações na estrutura cerebral e na sua função. Esperemos que no futuro, combinados com a análise genética, estas técnicas possam ter o potencial de clarificar os mecanismos neurobiológicos que contribuem para o autismo. Diagnóstico de autismo O diagnóstico das perturbações do espetro do autismo é um diagnóstico clínico. É baseado na entrevista clínica, na avaliação do desenvolvimento e na avaliação do comportamento. Existem alguns instrumentos de avaliação (escalas) que podem ser usados para ajudar no diagnóstico. Não existem marcadores biológicos. Ou seja, não existem quaisquer exames laboratoriais que permitam o diagnóstico de autismo. Na sua grande maioria, não se observam alterações na bioquímica, nem na estrutura cerebral, mas apenas no desempenho funcional. De facto, o diagnóstico é baseado na observação clínica e na informação veiculada pelos pais e pelos educadores. Na perturbação do espetro do autismo (e por isso mesmo, o termo espetro), existe uma grande variabilidade clínica, que pode ir desde perturbações específicas e limitadas de algumas competências funcionais até perturbações cognitivas graves. Por outro lado, é normal existir uma grande variabilidade no comportamento e na idade de aquisição das etapas da aquisição do neurodesenvolvimento. Sendo assim, o limite entre perturbação e normalidade é por vezes difícil e requer uma grande experiência clínica. Fatores de risco O autismo não tem uma causa única. A principal causa é genética, mas não há um gene único que possa ser identificado e vários genes estão envolvidos. Mas além disso, existem outros fatores que podem aumentar o risco de autismo. Existem fatores ambientais que ainda não estão bem definidos, fatores pré-natais (exposição a alguns tóxicos, infeção congénita, idade materna e paterna avançada), durante o parto e pós-natais. A perturbação do espetro do autismo é mais comum no sexo masculino, numa relação de quatro para um. Como em outras perturbações do neurodesenvolvimento, os rapazes são mais frequentemente afetados. Não se sabem bem a razão, mas provavelmente relaciona-se com razões genéticas. Alguns síndromes relacionados com o cromossoma X, manifestam-se essencialmente em rapazes, como por exemplo o X-Frágil que é uma causa de autismo em meninos. Além disso, de uma forma geral, as meninas com autismo têm menos problemas de comportamento e são mais difíceis de diagnosticar. São melhores na comunicação verbal e nas suas capacidades sociais. Estas capacidades sociais e comunicativas que são inerentes ao sexo feminino, ajudam as meninas a adaptarem-se melhor a determinadas situações sociais e mascararem este diagnóstico ou tornarem este diagnóstico mais tardio. Crescimento em termos globais Por motivos ainda não totalmente compreendidos, nas últimas décadas tem-se assistido a um aumento relativo das situações clínicas que se expressam como alterações do comportamento, das emoções, da aprendizagem e da capacidade de adaptação social. E é interessante a constatação de que o aumento no diagnóstico das perturbações do neurodesenvolvimento, das perturbações emocionais e comportamentais, ocorre sobretudo em crianças provenientes de famílias em vantagem social. É importante referir que uma das principais razões para o aumento do diagnóstico do autismo, nomeadamente nos países ocidentais, relaciona-se com o facto de os critérios diagnósticos serem muito mais abrangentes e, portanto, passámos a classificar dentro do espectro casos que antes não eram considerados como tal. Além disso, estamos muito mais preocupados e atentos a sinais e sintomas que antes eram ignorados. Os atuais modelos de saúde e sociais, orientados para uma monitorização apertada da normalidade e promotores de rastreios precoces de doenças, podem promover o diagnóstico de condições clínicas que, no passado, não seriam diagnosticadas. E isto acontece não só com o espectro do autismo como com outras condições, como a hiperatividade e défice de atenção. Há um estudo muito interessante publicado em 2019 pelo Global Burden of Disease Study Group em que é feita uma estimativa da prevalência global de algumas perturbações do desenvolvimento de acordo com o nível do rendimento do país. É curioso verificar que doenças como a perturbação de hiperatividade e défice de atenção e a perturbação do espetro do autismo têm uma maior prevalência em países de alto rendimento (high-income countries). A ligação entre as vacinas e o autismo Não foi encontrada nenhuma correlação entre a perturbação do espetro do autismo e o uso de vacinas. Anteriormente, houve um trabalho polémico sobre a eventual relação da vacina do sarampo com o autismo, publicado em “The Lancet” em 1998, por Andrew Wakefild. A evidência científica negou categoricamente essa relação e, mais tarde, soube-se que houve interesses económicos por trás dessas declarações. Infelizmente, apesar de essas alegações terem sido sistematicamente desmentidas por médicos e cientistas, ainda há esse medo enraizado e, ainda hoje, tenho pais na consulta que não querem que os meninos sejam vacinados por essa razão. Há mesmo movimentos que pedem o fim da vacinação. Se ocorrerem surtos de sarampo, isso sim, seria um problema grave de saúde pública. Esse é o risco que se corre agora relativamente ao paracetamol; que apesar das evidências científicas, haja receio de recorrer a esse medicamento. Também não existe qualquer relação entre o autismo e o paracetamol, nem qualquer evidência científica entre o uso de paracetamol e o diagnóstico de autismo. Há muitos estudos a garantir a segurança do paracetamol durante a gravidez e a aconselhar as grávidas a tomar o paracetamol em caso de febre ou dores. O próprio Infarmed, seguindo as diretrizes da EMA (Agência Europeia do Medicamento) confirma a segurança do paracetamol e que deve ser usado, se clinicamente necessário (dor ou febre). Gravidade variada A natureza e a gravidade dos défices podem ser muito variadas, desde perturbações específicas e limitadas de algumas competências funcionais até perturbações cognitivas graves. Inclui indivíduos com graus variáveis de capacidade cognitiva, de capacidade comunicacional e com diferentes comportamentos associados. Na 5ª edição da DSM-V (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, Fifth Edition) este diagnóstico está incluído no capítulo das perturbações do neurodesenvolvimento. Os diagnósticos antes intitulados de Síndrome de Asperger e autismo atípico, deixam de existir e estão incluídos neste conceito mais lato – um ESPETRO. Por outro lado, muitas vezes o limite entre perturbação e normalidade são imprecisos e dependem do contexto em que a situação é avaliada. Não existem terapêuticas curativas para a perturbação de espetro do autismo, não sendo conhecida nenhuma intervenção terapêutica (farmacológica ou não farmacológica) que trate as manifestações nucleares desta perturbação. Deve ser sempre feita uma abordagem terapêutica individualizada e multidisciplinar, que inclui o treino das competências sociais, comunicação e autonomia. – Terapia Ocupacional de Integração sensorial, Terapia da Fala, Psicologia clínica – Intervenção precoce, Ensino especial e reabilitação, Psicologia educacional, Inclusão educativa em centros de apoio à aprendizagem para a educação de alunos com PEA. A intervenção farmacológica está reservada para o controlo das alterações graves do comportamento, controlo da impulsividade, da labilidade emocional e do número de episódios disruptivos, sintomatologia de ansiedade, depressão, hiperatividade e défice de atenção, nas alterações do sono e na epilepsia. . Dra. Mónica Vasconcellos Neurologista pediátrica Presidente da Sociedade Portuguesa de Neuropediatria