Saúde: Beber água pode evitar a pedra no rim_LusoJornal·Saúde·23 Julho, 2025 A litíase urinária, vulgarmente conhecida como pedra no rim, é uma das patologias urológicas mais frequentes em todo o mundo. Estima-se que cerca de 10% da população terá, pelo menos uma vez na vida, um episódio de cólica renal. Em Portugal, esta prevalência segue a mesma tendência dos países ocidentais e tem vindo a aumentar, refletindo as alterações do estilo de vida e da dieta moderna: maior consumo de proteínas animais, excesso de sal, aumento do sedentarismo e, sobretudo, a baixa ingestão de líquidos. Mas será que beber mais água pode realmente evitar a formação destas pedras? A resposta é clara: SIM. A ingestão adequada de líquidos é, de longe, a medida mais eficaz e comprovada na prevenção da litíase urinária. No entanto, como em quase todas as questões da medicina, a realidade é um pouco mais complexa e merece uma explicação detalhada. . Como se formam as pedras no rim? Os cálculos urinários são formados por cristais de minerais e sais que precipitam na urina. A urina, embora pareça um líquido homogéneo, é uma solução supersaturada com várias substâncias, como cálcio, oxalato, ácido úrico e outros compostos. Quando a concentração destas substâncias atinge um determinado limite, elas podem cristalizar. Se esses cristais não forem eliminados, começam a juntar-se, formando uma pequena pedra que pode crescer progressivamente. Existem vários tipos de cálculos, sendo os mais comuns os de oxalato de cálcio. Outros tipos incluem cálculos de ácido úrico, fosfato de cálcio, estruvite (associados a infeções urinárias) e cistina (em casos hereditários). É importante referir que as pedras podem formar-se no rim e permanecer lá sem provocar sintomas. No entanto, quando migram para o ureter (o tubo que liga o rim à bexiga) e bloqueiam a passagem da urina, causam uma das dores mais intensas conhecidas na prática clínica: a cólica renal. . O papel da água na prevenção A principal razão pela qual a ingestão de água ajuda a prevenir a formação de cálculos é simples: diluição da urina. Quando bebemos mais líquidos, produzimos mais urina e essa urina torna-se mais diluída. Uma urina diluída tem menor concentração de sais e minerais, diminuindo a probabilidade de precipitação e formação de cristais. Estudos clínicos demonstram que indivíduos que ingerem menos de 1 litro de água por dia têm um risco duas vezes maior de desenvolver cálculos urinários do que aqueles que mantêm uma diurese acima de 2 litros por dia. Por isso, o objetivo não é apenas “beber água”, mas assegurar que essa ingestão se traduz numa urina clara e abundante. O ideal é produzir cerca de 2 litros de urina por dia, o que normalmente implica ingerir cerca de 2 a 2,5 litros de líquidos diários, ajustando-se em função do clima, da atividade física e da sudorese. Em dias mais quentes ou em situações de maior transpiração, essa necessidade aumenta. . Que tipo de líquidos devemos beber? Apesar da evidência clara de que aumentar a ingestão de líquidos reduz o risco de cálculos, nem todas as bebidas são iguais. A água é a melhor escolha. Além de ser neutra do ponto de vista metabólico, não contém calorias, não interfere com o pH da urina e promove a diluição adequada dos cristais urinários. Outras bebidas, como sumos naturais de citrinos (por exemplo, limonada ou laranja natural), podem ter um efeito adicional benéfico porque aumentam os níveis de citrato na urina, um inibidor natural da formação de cálculos de cálcio. No entanto, o consumo de bebidas açucaradas, refrigerantes e bebidas alcoólicas não é recomendado como estratégia preventiva, pois podem aumentar o risco de cálculos ou provocar outros problemas de saúde. Deve evitar-se também o consumo excessivo de bebidas com elevado teor de oxalato, como o chá preto e alguns sumos industrializados, já que o oxalato é uma das principais substâncias envolvidas na formação de cálculos. . Fatores adicionais na prevenção Embora a ingestão de líquidos seja a pedra angular da prevenção da litíase urinária, há outros fatores importantes a considerar: Dieta equilibrada: Evitar o consumo excessivo de sal, proteínas animais e alimentos ricos em oxalato. Curiosamente, uma dieta pobre em cálcio também aumenta o risco de cálculo de oxalato de cálcio, porque o cálcio dietético liga-se ao oxalato no intestino e impede a sua absorção. Manter um peso saudável: O excesso de peso e a obesidade estão associados a um maior risco de litíase. Evitar dietas hiperproteicas: O consumo excessivo de proteína animal aumenta a excreção de cálcio e ácido úrico na urina e reduz o citrato, promovendo a formação de cálculos. Controlar o pH urinário: Dependendo do tipo de cálculo, ajustar o pH da urina pode ser uma estratégia útil. Por exemplo, cálculos de ácido úrico formam-se mais facilmente em urinas ácidas, pelo que alcalinizar a urina (com citrato de potássio, por exemplo) pode ajudar. Acompanhamento médico: Em doentes com episódios prévios de cólica renal, é recomendada uma investigação mais detalhada, incluindo análise da urina e do cálculo (se possível), para personalizar as medidas preventivas. . A água sozinha é suficiente? Para a maioria das pessoas, aumentar a ingestão de água será suficiente para reduzir significativamente o risco de formação de cálculos. Contudo, há casos em que esta medida não chega. Pacientes com alterações metabólicas específicas (como hiperparatiroidismo, hipercalciúria ou hiperoxalúria) podem necessitar de terapêutica farmacológica específica além das alterações no estilo de vida. Além disso, há fatores genéticos que podem predispor à litíase urinária, mesmo em pessoas que seguem todas as medidas preventivas. Por isso, é importante que os doentes com antecedentes familiares de litíase urinária ou que tenham episódios repetidos sejam avaliados numa unidade especializada. Na Unidade de Litíase do Hospital Cruz Vermelha dispomos de uma equipa multidisciplinar dedicada a estes casos. . Aumento do número de casos Na nossa prática diária, na Unidade de Litíase, temos assistido a um aumento do número de casos de cólica renal, sobretudo nos meses mais quentes. Isto confirma um dado epidemiológico bem conhecido: o risco de pedra no rim aumenta no verão devido à desidratação. Muitos doentes subestimam a necessidade de reposição hídrica adequada e acabam por recorrer ao hospital com crises dolorosas evitáveis. Quando os cálculos são pequenos (menos de 5 mm), há uma elevada probabilidade de expulsão espontânea, desde que a hidratação seja adequada. Nos cálculos entre 5 e 10 mm, a situação é mais complexa, podendo ser necessária cirurgia. Nos casos complexos dispomos atualmente de um robô específico para tratar os cálculos, o robô ILY, que permite controlar o endoscopia e a fibra de laser que vão desfazer a pedra. . Beber água é, de facto, a forma mais simples, eficaz e económica de prevenir a formação de pedras nos rins. A hidratação adequada promove uma urina mais diluída, reduzindo a concentração de sais e minerais que podem cristalizar. . Recomenda-se: – Beber pelo menos 2,5 litros de líquidos por dia (preferencialmente água); – Distribuir essa ingestão ao longo do dia, sem esquecer a hidratação noturna e matinal; – Monitorizar a cor da urina, mantendo-a clara e límpida; – Associar estas medidas a uma alimentação equilibrada e a um estilo de vida saudável. . A prevenção da litíase urinária é, acima de tudo, um compromisso com a saúde a longo prazo. E, nesse caminho, a água é – e continuará a ser – a nossa melhor aliada. . Prof. Doutor Tiago Rodrigues Coordenador da Clínica de Urologia Hospital Cruz Vermelha