Saúde: O fenómeno “Déjà vu”


O “déjà vu” é um fenómeno curioso – a sensação súbita de que estamos a reviver uma situação que, na realidade, está a acontecer pela primeira vez. É como um “eco falso” da memória: sabemos racionalmente que aquilo nunca aconteceu, mas sentimos aquilo como se fosse uma repetição.

Usamos um nome complicado – Paramnésia – sempre que o cérebro se engana ao reconhecer algo: pode achar que já aconteceu quando não aconteceu (déjà vu), que nunca aconteceu quando na verdade aconteceu (jamais vu), que já ouvimos algo antes (déjà entendu), que já pensámos aquilo (déjà pensé) ou até reconhecer alguém errado – como confundir pessoas, lugares ou identidades.

É simplesmente o cérebro em modo ilusionista a criar uma ilusão de familiaridade. O cérebro aperta o botão da “recordação” sem termos vivido nada previamente para recordar.

Reconhece esta sensação? Quase toda a gente passa por isto pelo menos uma vez na vida – respire fundo, provavelmente está tudo bem consigo.

A explicação mais aceite na neurociência é que o “déjà vu” resulta de uma falha momentânea de sincronização entre os sistemas de perceção (aquilo que vemos, ouvimos, sentimos,…) e os de memória (especialmente umas estruturas do lobo temporal que são responsáveis por armazenar e comparar memórias). Em vez de registar o momento como algo novo, o cérebro ativa a sensação de familiaridade antes de verificar se aquilo já existia no arquivo. É uma espécie de “erro de etiquetagem” (todos nós erramos e o cérebro não é exceção): o cérebro marca o presente como “memória antiga”, quando não passa de experiência recente.

O “déjà vu” é mais comum entre os 15 e os 30 anos e tende a diminuir com a idade, possivelmente porque o cérebro mais jovem tem maior plasticidade e maior processamento de estímulos rápidos. O fenómeno é mais frequente em pessoas que viajam muito, se expõe a novas experiências e são mais curiosos e criativos, mas também em quem dorme pouco ou em quem está sob stress.

Situações novas com pequenos detalhes familiares – como um cheiro conhecido num lugar desconhecido – aumentam a probabilidade disto acontecer. E isto faz sentido: quanto mais o cérebro está a processar novidade, maior o risco de “confundir uma novidade com uma memória”.

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A dificuldade de estudar este fenómeno

Porque o “déjà vu” é um fenómeno espontâneo, rápido e subjetivo. A ciência consegue estudar muito melhor o que pode ser previsto, repetido e medido – mas o “déjà vu” insiste em aparecer sem aviso, durar poucos segundos e ser muito dependente do relato de cada um. Não existe um marcador biológico claro e não há forma de “provocar” um “déjà vu” numa pessoa saudável de forma controlada.

Mesmo quando tentamos estudar em pessoas com epilepsia – onde o “déjà vu” é mais previsível – continuamos sem conseguir generalizar para o fenómeno normal. É como tentar estudar um raio que cai do céu: sabemos que existe, mas ele não cai quando o cientista manda. E mais – aqui é uma experiência interna, impossível de isolar numa máquina de ressonância ou num laboratório.

Para já, temos hipóteses e modelos teóricos.

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A diferença entre o “déjà vu” normal e o “déjà vu” ligado a alguma doença está na forma como ele acontece e no que a pessoa sente durante e depois do episódio. O “déjà vu” normal é raro, dura só alguns segundos, não causa mal-estar e a pessoa sabe que foi “só uma sensação estranha do cérebro”. Já o “déjà vu” patológico é intenso, acontece muitas vezes, pode vir em sequência, pode deixar a pessoa confusa, “desligada” ou estranhamente desconfortável, e aí já não estamos a falar de algo curioso – estamos a falar de um sintoma que pode estar ligado a uma alteração no cérebro. Pode surgir acompanhado de alterações de consciência, sensação de desrealização, perda de memória, movimentos involuntários ou “apagões”.

A doença mais associada a este tipo de “déjà vu” patológicos é a epilepsia do lobo temporal. Nestes casos, o “déjà vu” pode ser um aviso de que vai ocorrer uma crise epilética. Também pode aparecer em alguns tipos de demência, em pessoas com lesões cerebrais ou em perturbações dissociativas (quando a pessoa se sente “desligada” de si própria ou da realidade).

Mas isto leva-nos a um ponto importante para distinguirmos o que é normal e o que não é. No “déjà vu”, mesmo o patológico, a pessoa sente que algo está estranho, mas sabe que aquilo não é real. “Que sensação estranha… isto parece familiar, mas sei que nunca vivi isto”. Já num sintoma psicótico, a pessoa deixa de duvidar e passa a acreditar que aquilo é mesmo verdade. Ou seja, não fica só com a sensação – fica com a certeza. “Eu já vivi isto e isso significa alguma coisa importante. Não é coincidência”.

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Resumindo e baralhando: No “déjà vu” normal, o cérebro faz uma “pequena falha”; no “déjà vu” patológico, isso já pode ser um sinal do cérebro a ter uma alteração neurológica; na psicose, a pessoa já nem estranha – acredita totalmente no que sente.

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Dra. Maria Moreno

Médica psiquiatra

CogniLab