Saúde: Obrigados a sermos felizes_LusoJornal·Saúde·17 Novembro, 2025 Vivemos numa era em que a felicidade se tornou quase uma obrigação social. Há uma pressão constante para demonstrarmos bem-estar e satisfação, especialmente nas redes sociais, onde a vida parece ser uma sucessão de momentos felizes e conquistas. Isto transmite a ilusão de que estar bem é a norma, enquanto qualquer emoção desconfortável se torna algo a esconder. Para os jovens, que estão em fases de construção da identidade e da autoestima, esta pressão pode ser ainda mais intensa. Muitos sentem que precisam de corresponder a padrões irreais de felicidade, beleza e sucesso, reforçando um ciclo de isolamento emocional. A sociedade contemporânea valoriza a produtividade, o sucesso e a positividade, criando um ambiente onde admitir vulnerabilidade pode ser visto como fraqueza. Esta pressão faz com que muitos finjam estar bem, mesmo quando enfrentam desafios emocionais. Contudo, esta procura incessante pela felicidade pode ser contraproducente. Estudos demonstram que a imposição de uma obrigação de estar sempre bem pode gerar ansiedade e sentimentos de insuficiência. A felicidade não deve ser uma imposição externa, mas sim um estado que resulta de um equilíbrio saudável entre momentos positivos e negativos. A resiliência envolve a capacidade de superar desafios e adaptar-se às dificuldades da vida, mas não significa ignorar a dor ou reprimir emoções legítimas. Muitas vezes, a linha entre ser resiliente e negar os próprios sentimentos pode ser difícil de perceber, levando à construção de uma felicidade artificial que não reflete verdadeiramente o estado emocional da pessoa. Alguns sinais podem indicar que estamos a forçar uma felicidade que não é autêntica: – Fuga emocional: Evitar conversas sobre sentimentos ou desviar o foco para evitar lidar com questões internas. – Sorrisos constantes sem profundidade emocional: Um comportamento que parece alegre por fora, mas que não reflete o que a pessoa realmente sente. – Autocobrança excessiva para estar bem: Sentir culpa por experimentar emoções desconfortáveis e tentar suprimi-las a todo custo. – Uso excessivo de frases motivacionais sem espaço para vulnerabilidade: Frases como “tudo acontece por um motivo” ou “poderia ser pior” são utilizadas para afastar sentimentos legítimos sem realmente enfrentá-los. – Evitar momentos de introspeção: Manter-se constantemente ocupado para não refletir sobre emoções difíceis. Quando a felicidade é forçada, o efeito pode ser contrário ao esperado. Em vez de promover bem-estar, pode levar a uma desconexão emocional e a um aumento do stress e da ansiedade. Permitir-se sentir e expressar emoções, mesmo as difíceis, é um passo fundamental para uma resiliência verdadeira e para o desenvolvimento de um bem-estar genuíno e sustentável. . Sorriso pode esconder depressão Muitas pessoas mascaram o seu sofrimento por medo do julgamento, por acreditarem que devem ser fortes ou porque não querem preocupar os outros. A cultura da superação e do “seguir em frente” pode fazer com que indivíduos deprimidos evitem demonstrar sinais de dor. Isto pode resultar num isolamento emocional, tornando mais difícil procurar ajuda. Além disso, a sociedade muitas vezes valoriza a resiliência de forma excessiva, levando as pessoas a acreditarem que admitir vulnerabilidade é um sinal de fraqueza. Este medo de serem vistas como frágeis pode fazer com que reprimam emoções e se afastem do apoio de familiares e amigos. Muitas vezes, a necessidade de corresponder às expectativas sociais faz com que as pessoas desenvolvam um “sorriso social” – uma expressão de felicidade superficial para evitar questionamentos e preocupações alheias. Outro fator relevante é o estigma em torno da saúde mental. Em muitas culturas, falar sobre depressão ou sofrimento emocional ainda é visto como tabu, o que leva muitos indivíduos a lidarem sozinhos com a sua dor. Para além disso, há quem tenha dificuldade em reconhecer os seus próprios sentimentos, ignorando sinais internos de que algo não está bem até que o sofrimento se torne insuportável. O perigo de mascarar a dor está no risco de um agravamento progressivo da condição emocional. Quando o sofrimento não é expresso ou validado, a pessoa pode sentir-se cada vez mais isolada e sem alternativas para lidar com as suas dificuldades. Por isso, é essencial criar um ambiente onde a vulnerabilidade seja aceite e onde seja possível falar sobre emoções sem medo de julgamento. . Dra. Ângela Rodrigues Psicóloga Clínica da Mente, Porto