Saúde: Regresso ao quotidiano: novos hábitos de sono para crianças e adultos


Verão é sinónimo de calor e dias longos, um cocktail que nos convida a adiar a nossa produtividade para o final do dia e atrasar a hora de deitar umas horitas. Chegadas as merecidas férias, sem antecipar o incontornável despertador, permitimo-nos soltar das rotinas estabelecidas e dançar pela noite dentro, usando a manhã para repor o sono. Mas quando é hora de voltar ao trabalho, reencontrar o nosso ritmo nem sempre é fácil e as mudanças bruscas nos horários de sono podem afetar o humor, a concentração e a saúde em geral.

Pensar nisto faz-nos perceber duas coisas: o sono é um pilar da nossa saúde e a rotina é essencial. Com efeito, dormir não é só descansar. É um processo muito complexo fundamental para reparar tecidos, fortalecer o sistema imunitário, regular hormonas, emoções, processar e consolidar memórias; mesmo a sonhar estamos a rever ou inventar cenários para melhor nos adaptarmos e, numa noite boa, arranjar soluções. Parece um paradoxo, mas este estado de aparente inércia e evidente vulnerabilidade, é fundamental para a sobrevivência e evolução das espécies e mesmo para a nossa evolução enquanto indivíduos.

Para orquestrar tantas funções em simultâneo, o organismo dispõe de vários relógios que, além de ditarem o passo de cada sistema, recebem pistas do ambiente para saber que horas são. O principal estímulo ambiental é a luz, que quando se extingue indica ao organismo para produzir hormonas de sono, e quando reaparece induz hormonas para manter a vigília.

Quando voltamos das férias, os nossos relógios internos continuam desalinhados, pelo que se torna muito difícil adormecer mais cedo e de manhã acordar quando o despertador toca. Como a rotina assim o exige, acabamos por encurtar o sono, experimentando ao longo do dia uma sonolência excessiva e má performance física e cognitiva. As crianças fazem mais birras, lutam com os amigos, não prestam atenção às aulas; os adultos chegam atrasados, demoram mais tempo a executar tarefas, cometem mais erros, sentem-se mais frustrados e aumentam o consumo de estimulantes ou aditivos, como café, tabaco e álcool.

A melhor maneira de não sofrer este impacto é reduzir a mudança. Evidentemente, quem consegue manter rotinas mesmo nas férias tem o trabalho facilitado, mas mesmo para quem gosta de vivenciar as noites de verão, uns dias antes de voltar ao trabalho deve começar a aproximar os horários gradualmente para próximo dos que pratica no quotidiano. Antecipar a cada dia 30 minutos a hora de deitar, não compromete muito a agenda social e em 4 dias já conseguimos deitar-nos 2h mais cedo, de uma forma mais progressiva e bem tolerada.

Lembrando que os nossos relógios usam pistas externas para se orientarem, a exposição solar ao acordar deve ser incentivada, para que o organismo perceba que é hora de trabalhar. No extremo inverso, ao final do dia é importante sinalizar quando chega a hora de abrandar. Atividades relaxantes como alongamentos, meditação ou exercícios de respiração profunda, diminuir a intensidade das luzes em casa à noite e estabelecer horas máximas para desligar ecrãs, são medidas simples que podem ajudar a regular o ritmo. Particularmente nas crianças, os ecrãs são muito convidativos e atualmente muito difundidos, mas impactam negativamente a hora de dormir quer pelos conteúdos altamente estimulantes quer pela exposição à luz azul que também inibe a produção de melatonina (principal molécula reguladora do sono estudada). Introduzir em alternativa atividades em família que promovam o diálogo e a leitura, além de contribuir para um sono melhor das crianças, proporciona-lhes maior desenvolvimento emocional e afetivo.

Dormir também exige conforto, pelo que um bom investimento a longo prazo será sempre proporcionar-lhe as condições ideais, desde a qualidade do colchão e da almofada, à climatização do espaço, tão importante nestes dias mais quentes.

Com o início da nova temporada de trabalho ou escola, investir em bons hábitos de sono é preparar o corpo e a mente para os desafios que aí vêm e, no final, uma boa noite de sono é a melhor maneira de começar o dia.

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Dr. Pedro Americano

Médico pneumologista

Comissão de Trabalho de Patologia Respiratória do Sono da Sociedade Portuguesa de Pneumologia