artigo opinião
artigo opinião Cristina Semblano

Será que os professores ainda são “gente”?

Se levarmos em conta que os homens e mulheres que exercem a profissão docente precisam de comer, dormir, comprar vestuário e calçado, pagar renda de casa e muitos outros tipos de contas, e que, no caso de serem casados e com filhos, necessitam de tempo e dinheiro para criar os mesmos, tendo ainda direito a espaços livres para dedicar à família, aos amigos e a eventuais atividades de campo privado, como qualquer indívíduo normal, então a resposta é afirmativa.

Todos temos as necessidades elementares indicadas acima e os professores são, em princípio,seres humanos.

Em princípio apenas, porque, na verdade, para as entidades que os contratam e remuneram e também para boa parte da sociedade os professores já não são indivíduos normais, que precisam e merecem ter a mesma qualidade de vida que qualquer trabalhador.

Um bom exemplo da condição já quase subhumana dos professores é a greve do passado dia 21 de junho, em que o Governo obrigou a que houvesse serviços mínimos porque nesse dia estavam marcadas as provas de aferição do 2 °ano de escolaridade e as provas de duas disciplinas do 12° ano.

Ora se tivermos presente que quando há greve de médicos e pessoal hospitalar as operações são adiadas, quando os tribunais decidem entrar em greve os julgamentos ficam suspensos e quando os pilotos de qualquer linha aérea decidem fazer paralisação os passageiros ficam em terra, foi totalmente ridículo, e ofensivo para os professores, o facto de alguns verem negado o seu legítimo direito à greve porque foram obrigados a vigiar as tais provas, sendo que as primeiras, para os pequenitos do 2° ano, eram totalmente inúteis e aquelas dos jovens em fim de curso poderiam perfeitamente ser transpostas para outra data.

Não haveria nem mortos, nem feridos, nem pessoas obrigadas a passar a noite no aeroporto e muito menos alunos em perigo de não passar de ano por causa disso.

Haveria, sim, uma pequena inconveniência para o Ministério da Educação porque teriam de voltar a planear as provas marcadas para esse dia. Fora isso, nada.

Mas, mesmo assim, surgiram logo os costumeiros comentários na imprensa, vitimizando os alunos e criticando os inconscientes professores por fazerem greve.

Inclusive, num programa televisivo, o entrevistador, com um ar severo e formalizado, tipo “dono da razão”, acusava um dirigente sindical por ter decretado uma greve “contra” crianças e jovens, apresentados como vítimas inocentes da ganância dos professores que afinal só queriam era mais dinheiro ao fim do mês…

Deixando de parte o facto de que esse entrevistador ganha, certamente, apenas num mês aquilo que um professor só tem depois de trabalhar seis meses ou mais, esqueceu-se o dito que os professores também têm filhos e precisam de dinheiro e tempo para os criar, porque, enfim, ser professor não é só ensinar os filhos dos outros, também têm direito a constituir família e precisam das condições para tal. Porque os professores são “gente”!

Infelizmente, tanto em Portugal como no EPE, o Ensino do Português no Estrangeiro, os professores estão progressivamente a perder o direito de serem tratados como indivíduos normais.

Os professores do EPE, na prática, não têm direito nem a ter doenças graves, nem a ter filhos, porque a sua entidade empregadora, o Instituto Camões, lhes recusa o direito a poder ter cursos mais perto de casa, caso sofram de doenças graves, assim como recusa às professoras com filhos o inegável direito, constante na legislação da função pública, a recuperarem as férias suspensas por licença de maternidade ou a requerer redução de horário caso tenham bebés ou crianças pequenas a seu cargo.

Leis muito humanas, as leis de proteção à família, à maternidade e aos trabalhadores com doenças graves, que no estrangeiro podem ser despedidos após 60 dias de faltas.

Se o EPE fosse um país, seria acusado de seguir regras desumanas e pouco civilizadas. Mas, como se trata apenas de um instituto, passa. E passa com o acordo tácito do Ministério dos Negócios Estrangeiros e da Secretaria de Estado das Comunidades, que conhecem perfeitamente essa situação mas nada fazem para a modificar.

Ouve-se muitas vezes dizer que o futuro depende dos nossos jovens, mas os professores que os preparam não são respeitados nem têm o seu valor reconhecido.

As políticas competentes para a Educação deram lugar à arrogância contabilística, tipo “não há dinheiro para vocês e acabou-se”.

E assim os professores, em Portugal e no EPE, continuam a ter de sobreviver com salários inferiores àqueles de 2009, sendo que no estrangeiro ainda se encontram privados das leis de proteção à família e de apoio na doença.

Será que os professsores ainda são “gente”? Ou o que realmente se deseja, no futuro, é que sejam seres assexuados, sem vida própria, que não se reproduzam e que, como as mulas, que também não se reproduzem, passem os dias a puxar à nora, sempre à roda, trabalhando incessantemente, sem se queixar, sem protestar e, obviamente, sem nunca fazer greve?

Possivelmente esta situação não estará tão longe como se pensa. Principalmente se os professores, unidos, nada fizerem para evitar um tão triste futuro.

LusoJornal