“Skakespeare à Rio” de Fernanda Torres – A Fama, a Glória e o seu cortejo de horrores

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Já famosa ainda antes de nascer – não fossem os seus pais os célebres atores Fernando Torres e Fernanda Montenegro – a brasileira Fernanda Torres (1965), atriz (estreou-se na televisão aos 13 anos de idade) e escritora, vê o seu segundo romance “Skakespeare à Rio” publicado pela Gallimard neste início de junho. A editora Gallimard já publicara, em 2015, “Fin”, um estrondoso sucesso no Brasil, com mais de 200 mil exemplares vendidos.

Traduzido por Michel Riaudel – o belíssimo título em português, “A Glória e o seu cortejo de horrores”, não foi aproveitado pela edição francesa – “Shakespeare à Rio” apresenta-nos Mário Cardoso (não confundir com o ator português com o mesmo nome), um ator na fase decadente da carreira que tenta estender o seu prazo de validade (e conquistar a elite intelectual) através de uma adaptação algo megalómana do “Rei Lear” de William Shakespeare, apesar de, diz o protagonista (e narrador) logo na primeira página, “a desgraça do português, que usa três vezes mais palavras do que o inglês para dizer a mesma coisa”. A montagem insana desta peça, a par dos problemas pessoais, acabam por acentuar a crise pela qual passa o protagonista.

Antigo galã de telenovela, celebridade desde os anos 1960, quando todo o Brasil artístico fervilhava, enriquecendo o mundo com os ritmos da Bossa Nova e os retratos intemporais do Cinema Novo, Mário Cardoso, quarenta anos depois, bateu no fundo. Celebridade cruel e até sádica, que gosta de humilhar os demais e falar mal de todos, sejam os cafonas suburbanos, os pobres das favelas ou os colegas com quem foi partilhando as revistas. Mário cai no ridículo, embora tal não impeça uma autoavaliação igualmente corrosiva. Essa característica toma contornos algo cómicos… apesar da tragédia em que se encontra a sua vida. Uma tragicomédia, portanto, esta narração do carioca arrogante da zona sul bem enfiado no fundo do buraco.

Mário Cardoso mergulha no seu passado, que é o passado áureo da televisão brasileira. As novelas de sucesso, as vidas dos famosos que faziam capa de revista. Um mundo que terminou com a invenção da internet. E as dificuldades de Cardoso ligam-se a esse momento de charneira entre dois mundos e duas gerações: aquela, a antiga, que vivia agarrada à televisão à espera da novela das oito e a outra, a nova, que não larga o celular e que trocou as vedetas da TV pelas vedetas das redes sociais. Uma transformação que esmagou Mário Cardoso e que Fernanda Torres, por conhecer como ninguém os backstages do teatro e do cinema, trata de maneira hiper-realista. Um universo totalmente familiar para os leitores brasileiros (que cresceram conhecendo Fernanda Torres), mas que, pelo contrário, pode parecer algo de absolutamente alienígena a um leitor francês.

Tragédias que correm em paralelo e se entrecruzam. As tragédias de Shakespeare e a tragédia de Mário Cardoso. Uma boa leitura.

 

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LusoJornal