“Sonho abril”: Um sonho antigo familiar

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Regresso a Portugal como uma ave migratória regressa ao ninho. Sou daqui?

Mas não foi aqui que nasci, nem é esta língua a das minhas primeiras palavras, mas rapidamente quis aprender o português, esse idioma que ouvia entoar em casa desde o berço, através das conversas familiares, entre a minha mãe e os meus avós. Ouvia esta língua sem perceber na totalidade e era frustrante, sentia que perdia uma parte essencial do espírito familiar. Essa curiosidade de compreender a família e o país que ainda me era estranho, mas que já me parecia um universo mágico, foi crescendo em mim desde muito cedo a curiosidade de aprender o máximo de idiomas, para mim um meio essencial para compreender um povo e integrar a cultura e sobretudo para ter o espírito aberto para o mundo, porque pouco a pouco compreendi a realidade do termo emigrante.

Sinto-me mais português que francês, pelas raízes e vivência familiar, na família não somos desenraizados, somos como as aves que deixam o ninho, mas sem nunca perder o norte de onde vimos, e sem nunca deixar se ser de onde estamos. Somos o resultado de duas culturas, e nesse sentido Portugal é um porto ao qual regresso frequentemente, uma importância vital enraizada em mim.

Perguntam-se, como é possível que uma criança nascida longe de Portugal, possa sentir-se portuguesa? Explica-se talvez o facto de ter crescido numa família onde se fala português e regressa a Portugal como quem regressa à casa materna, cuja história do país se explica através da vivência dos avós, como viveram em Portugal e o que os moveu a deixar o país, o contexto social, político e económico; sem ilusões ou saudosismo do passado, com os pés assentes na realidade e com o olhar projetado para o futuro que sonhamos todos para Portugal.

Por isso, cresci, como um Português em França e um francês com raízes portuguesas. Amo Portugal na totalidade do que isso implica, desde a musicalidade da língua, a literatura através da qual essa língua se expande pelo mundo, da cultura popular em geral, a arte que representa o saber ancestral do povo português, a particularidade da cerâmica, as cores e matérias trabalhadas à mão. Essa realidade da arte e dos artesãos, foi-me dada pelo olhar da minha mãe que me levava tanto ao mercado regional onde podia apreciar texturas e cores que de início não dava importância, mas com o passar dos anos integrei como sendo uma identidade cultural e popular, ao ponto de me sentir comovido pelo aspeto gráfico de um tecido, um bordado regional num lenço, um coração de Viana do Castelo ou um galo de Barcelos, cada imagem remete-me à identidade dos meus, à minha também.

Através da minha mãe, conheci também a literatura portuguesa. Como não cresci nem vivi em Portugal, a introdução na literatura veio de modo brutal, através do universo complexo de Fernando Pessoa. Um dia em Paris, no Club des Poètes, a minha mãe disse-me: “Escuta! É um texto de um poeta português!” Era a tradução de “A Tabacaria” de Fernando Pessoa. Na época, era demasiado jovem para compreender a complexidade das palavras e do texto, mas foi o início da vontade de descobrir esse e outros autores. Em Paris, numa exposição no Grand Palais, também, descobri a pintura de Amadeo de Souza-Cardoso, de Helena de Almeida no Jeu de Paume, para não falar de José Júlio de Sousa Pinto, que seria lamentável não conhecer, por exemplo.

E assim veio o gosto de descobrir a arte portuguesa, a riqueza popular e cultural do país que me leva além do olhar de filho que nasceu longe de casa e que regressa apenas por festas e férias. Permite também compreender o contraste e contradições de um país culturalmente tão rico, mas que faz face a dificuldades económicas que podemos constatar pelo poder de compra que um salário médio português não consegue. Vejo o regresso a Portugal como um sonho, mas além de sonho um objetivo a atingir. Se evoco sonho, é porque visto a realidade económica atual, tenho consciência de que perco em qualidade de vida se me instalo em Portugal, o salário médio português não atrai os jovens que nasceram e vivem em países onde este é bem acima desta média.

É por isso que me parece que a minha geração, aqueles que como eu, sentem um amor sem medida à pátria dos antepassados e consequentemente a minha, tem que pensar desde já em como construir um futuro mais justo para todos. Não considerar este país como uma oportunidade para aproveitar a crise ou um país onde se pode investir na pobreza económica apenas porque temos a sorte de estar em países economicamente mais desenvolvidos. A título de exemplo, em Portugal o acesso à universidade é difícil, devido à dificuldade da família de classe média, em assumir as despesas anexas à escolaridade, tais como alojamento e alimentação e a consequência e que apenas uma pequena parcela da sociedade pode facultar esse direito aos filhos, sem grande dificuldade e os outros sejam obrigados a trabalhar em paralelo aos estudos, o que não é impossível, mas é socialmente injusto.

Há uma tendência natural no final de uma escolaridade sacrificante, a procurar situações económicas viáveis noutros países. Em Portugal há uma “fuga de cérebros” e perde mão de obra qualificada, ao não facultar a estes jovens recém-formados, condições económicas para ficarem no país.

“Sonho abril” todos os dias do ano, sonho com essas portas que o 25 de abril de 1974 entreabriu. Um sonho antigo familiar que, não é de esquerda nem de direita, mas de regressar a um país com uma realidade económica mais justa que a de hoje, para a qual espero contribuir para mudança, fazer parte de uma geração que tome consciência que Portugal não deve ser considerado uma colónia de férias para emigrantes abastados e estrangeiros endinheirados, mas uma terra de futuro para as gerações vindouras.

Sou uma ave que caiu do ninho e quer regressar a casa.

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LusoJornal