Testemunhos vivos das «memórias do salto» no Museu Abade de Baçal de Bragança

A década de 1960 ficou marcada na raia transmontana pela fuga da população, à procura de uma vida melhor em viagens clandestinas por fronteiras fechadas, cujas memórias o Museu Abade de Baçal de Bragança expõe a partir desta sexta-feira.

São as «Memórias do Salto» com testemunhos vivos reunidos em 74 entrevistas a diferentes intervenientes, desde o engajador, ao passador, ao Guarda Fiscal, à PIDE e emigrantes que passaram a fronteira a salto rumo a França, à mercê de todos os perigos, e que permitem contar agora, com um olhar contemporâneo, a história da emigração clandestina.

«E são histórias, muitas vezes, duras, mas que nós queremos contar a partir do protagonista. Somos nós que damos voz ao protagonismo. É inserir não o documento, mas a pessoa no contexto museológico», como resumiu à Lusa Ana Maria Afonso, a Coordenadora científica do projeto e Diretora do Museu Regional do Abade de Baçal.

A responsável desafiou, há dois anos, uma estagiária a apostar neste tema ainda por explorar e a Associação dos Amigos do Museu reuniu os parceiros e promoveu a candidatura a fundos comunitários que assegurou cerca de 100 mil euros para a sua concretização.

Durante um ano, uma equipa de investigadores foi à procura dos protagonistas em seis concelhos do Nordeste Transmontano e recolheu mais de 70 testemunhos em Bragança, Vimioso, Vinhais, Miranda do Douro, Mogadouro e Macedo de Cavaleiros.

As histórias contadas na primeira pessoa vão poder ser ouvidas, com suporte digital, na exposição que abre ao público, na sexta-feira, no Museu Abade de Baçal, e que integra um programa para o fim de semana que contempla também, no sábado, um congresso com especialistas nacionais e estrangeiros, e um ciclo de cinema, no domingo, sobre a temática.

«Não havia outra maneira de fazer uma vida melhor» é uma das frases que ilustra a história daqueles que passaram a fronteira a salto no período entre 1954 e 1974, retratado neste trabalho e que está também a ser divulgado em página da Internet.

O projeto, disse Ana Maria Afonso, «recupera a voz e o corpo destas pessoas que contam a sua história na primeira pessoa» e é «uma forma de salvaguardar um património imaterial e de o inserir em contexto museológico».

«E também é um projeto pioneiro para nós, porque vai dentro da missão do Museu Abade de Baçal, que hoje têm (os museus) de ser instrumentos sociais ao serviço da comunidade e dar voz aos que não são ouvidos», acrescentou.

Todas as histórias recolhidas a surpreenderam: «primeiro pela dureza e depois por saber que muito eram presos, o tempo que passavam muitas vezes sem comida, de noite, levando crianças ao colo, pessoas que adoeciam e que muitas vezes os passadores abandonavam».

«Qualquer uma é dura e é de uma realidade que nos choca, mas também que, depois, muitas vezes, nos leva a histórias felizes», resumiu, indicando que, com a ida ao terreno, também «há muitas histórias que são desconstruídas», nomeadamente alguns mitos que prevalecem sobre a emigração clandestina.

As viagens chegavam a durar 12 dias por caminhos que, muitas vezes, nem aqueles que os fizeram se lembram.

A exposição que abre ao público hoje, proporcionará aos visitantes ouvir histórias de vida, mas também «experimentar as rotas com uns óculos de realidade virtual que lhes permite percecionar o caminho feito clandestinamente com um passador».

A recolha no terreno permitiu ainda reunir fotografias e outros documentos que servirão para dar continuidade a este projeto, que a Diretora do Museu entende se enquadra também na filosofia do Abade de Baçal, figura emblemática de Bragança que se dedicou a recolher as tradições do Nordeste Transmontano.

Com este projeto dedicado à emigração clandestina, os promotores querem que «seja a comunidade a inserir-se neste espaço e a contar as suas histórias», como realçou também Ana Luísa Pereira, Presidente da Associação dos Amigos do Museu.

Neste projeto são parceiros, o município de Macedo de Cavaleiros, a Associação de Municípios da Terra Fria, do Município de Melgaço, as Associações Ao Norte e Nordeste Global e o CITCEM- Centro de Investigação Transdisciplinar da Universidade do Porto.

 

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LusoJornal