Acaba de ser editado o romance “Entre Flandres e Santo António – Uma História de Amor” de José Domingos Ramalho

Acaba de ser publicado o romance “Entre Flandres e Santo António – Uma história de Amor” de José Domingos Ramalho, pela editora “5 Livros”.

Mestre em Sociologia, na variante Recursos Humanos e Desenvolvimento Sustentável, na Escola de Ciências Sociais da Universidade de Évora, onde defendeu a tese “O Modelo de Implementação de Serviços Partilhados na Delegação Regional do IEFP Alentejo”, José Domingos Ramalho foi Diretor do Centro Distrital de Segurança Social de Évora, desde 2018 até agosto de 2024. Exercendo depois desta data como membro do Conselho de Administração do Hospital de São Paulo, em Serpa, unidade hospitalar gerida pela Santa Casa da Misericórdia de Serpa.

Foi Diretor do Centro de Emprego e Formação Profissional de Évora, Coordenador do Centro Qualifica do Centro de Emprego e Formação Profissional de Évora, (2016-2018) e Diretor do Centro de Emprego de Estremoz, 2005-2012. Desempenhou as funções de Delegado Distrital – Serviço Nacional de Proteção Civil (SNPC) – Évora, 1999.

No âmbito da Estratégia Portugal 2030, é Interlocutor do Instituto de Segurança Social, para preparação do Programa Operacional Regional do Alentejo em articulação com a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Alentejo (2021).

Colaborador de várias revistas técnicas e científicas, possui artigos publicados em revistas e jornais da especialidade.

Paralelamente à sua atividade profissional acaba de editar o seu quarto romance : “Entre Flandres e Santo António – Uma História de Amor”, motivo da entrevista que deu ao LusoJornal, ele que é neto do soldado do Corpo Expedicionário Português (CEP), Eusébio Ramalho.

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Por que razão se lançou nesta aventura da escrita? Qual foi o motor que o levou a escrever?

A leitura e a escrita fazem parte do meu quotidiano, desde que me conheço como pessoa, mas nunca imaginei que pudesse publicar as histórias que fui guardando ao longo dos tempos. Em 2017 estreei-me na edição com a obra “Diagnóstico Social. Teoria, Metodologia e Casos Práticos” em coautoria com um grande amigo, o Professor Joaquim Fialho que me desafiou a escrever sobre esta matéria. Mas seria a minha querida mãe a fornecer-me o impulso e a inspiração para colocar à estampa estes livros. E assim, motivado por ela, pelas suas memórias e pela ligação à nossa família, em 2022 foi publicado “O Ameixa tem uma Família”, uma história deliciosa sobre as paisagens humanas do Alentejo, os seus costumes e tradições, as relações humanas e as relações de poder. No ano seguinte foi publicado “O Motorista dos Cortes”, um livro que apresenta a história, entre a primeira e a segunda Guerra mundial, de uma família tradicional alentejana, que trouxe ao mundo sete raparigas e dois rapazes e finalmente em 2025 o “Entre Flandres e Santo António – Uma História de Amor”, completando-se uma trilogia de um determinado contexto histórico, social e familiar.

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Nos seus três romances há, de uma certa forma, o real que se mistura com a ficção, certo? Em geral o Alentejo é a região em que as histórias se passam…

Todos os meus livros têm esse traço comum entre factos reais e acontecimentos fictícios, deixando espaço para a imaginação do leitor. Gosto de viajar e a escrita é como uma viagem. Quando viajamos, por mais que planeemos há sempre lugares de descoberta, um episódio inesperado ou personagens que ficam na nossa memória que nos marcam. Tenho procurado escrever sobre as minhas memórias, fazendo a ligação entre o meu mundo e as experiências que a vida me tem dado a conhecer. Quanto ao Alentejo, é mais do que uma região, é uma paixão. Escrever sobre o Alentejo é escrever sobre a alma lusa e por isso, desta vez, para além das gentes, dos costumes, dos campos e das tradições alentejanas, incluímos uma viagem pelo tempo histórico.

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Como surgiu a ideia do seu último livro «Entre Flandres e Santo António- Uma História de Amor”? Tem algum familiar que participou na I Guerra mundial?

A história deste livro viaja dentro de mim, desde que me conheço. A minha mãe contou-ma vezes sem conta. Os meus tios, os vizinhos e as pessoas mais idosas ainda hoje falam desta história. Ouvi-a relatar tantas vezes, que quase experimento a sensação de ter estado no Palacete do Vale de Ares, a ver os vinte e dois soldados da freguesia rural de Santo António partir para a Flandres e de ter presenciado a promessa do Tomaz, perante a Mariana e o José António que os iria marcar para toda a vida. Por vezes, sem lá ter estado, tenho a certeza de ter conhecido as mulheres que ficaram em Portugal a segurar famílias inteiras quando os homens foram para a guerra. E por isso, continua a ser importante escrever, nem que seja para resgatar e preservar a memória dos nossos antepassados, mas também dar rosto aos que viveram tempos tão duros e, mesmo assim, conseguiram ter esperança e coragem para prosseguirem as suas vidas. A minha família viveu esses tempos, porque o meu avô Eusébio Ramalho esteve na Flandres e felizmente regressou com vida, embora com traços evidentes do esforço de guerra que os militares ali viveram.

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De Santo António partiram soldados para a guerra. Ainda por lá se contam histórias sobre esses soldados?

A memória sobre a I Guerra mundial ainda está presente nas pessoas. Para as gerações mais novas, talvez subsista apenas sob a forma de um relato, uma data, um apontamento, mas há muitas famílias que estão marcadas pela ausência dos filhos, maridos, irmão e principalmente pela perda de familiares. Os monumentos de homenagem aos que caíram na guerra estão por todo o lado, a toponímia também lembra a data de 9 de abril e o Regimento de Cavalaria de Estremoz, entre outras unidades militares, continua a evocar o Dia do Combatente e da Batalha de La Lys.

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“A Filha do Capitão” de José Rodrigues dos Santos aborda em forma de romance a participação do CEP na Grande Guerra. Este livro inspirou-o?

Conheço grande parte da obra de José Rodrigues dos Santos, já li vários livros do autor, mas ainda não li “A Filha do Capitão”. Tive oportunidade de ler a entrevista que realizou ao José Rodrigues dos Santos [ndr: para o LusoJornal], pelo que não tenho dúvidas de que será mais um excelente romance e que procurarei ler rapidamente.

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Por acaso já esteve em França na zona em que estiveram os soldados portugueses?

Não sei precisar, mas seguramente o “Entre Flandres e Santo António” demorou mais de dois anos e meio a finalizar. Pelo meio, em 2023, ainda editamos o “Motorista dos Cortes” e só depois a Editora 5 Livros lançou este romance. Foi um livro muito trabalhoso, que procurou corresponder aos desafios da Editora, para escrever um romance histórico. Ora isso obrigou a um trabalho minucioso, com recurso a documentos de arquivo, a revisitar datas históricas e a ler os jornais da época, de forma a garantir autenticidade e rigor à narrativa. O enredo à volta das personagens foi relativamente fácil de construir, mas depois foi preciso ir além da descrição dos detalhes, desde os costumes de uma aldeia alentejana até à dureza das trincheiras para que cada um dos pormenores e particularidades faça sentido. Isso leva o seu tempo, porque as fontes não estão disponíveis, outras já se perderam e outras têm de ser reconfirmadas. Este livro foi escrito com tempo e deve ser lido com vagar. Acredito que as pessoas vão ter prazer ao lê-lo.

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No seu livro romance aborda evidentemente a guerra, mas ao mesmo tempo outros acontecimentos que se passam em Portugal na altura. Quais?

O período da I Guerra mundial, que coincide com as aparições de Fátima e a terrível pandemia da Gripe Espanhola é uma época crucial da nossa história que sempre gostei de explorar. As pessoas comuns que viveram esses tempos difíceis, são os protagonistas deste livro. A história nasceu de uma inquietação permanente em querer perceber como é que os nossos antepassados, em pequenas aldeias rurais como Santo António, que é um nome fictício, mas que se aplica a muitos lugares do nosso Alentejo, viveram tempos tão duros e, mesmo assim, mantiveram os laços, os afetos, a esperança e a resiliência. Ao longo dos tempos fui colhendo memórias das pessoas, ouvindo ecos dos mais antigos e registando relatos que me fizeram viajar no tempo.

Será que o que se passou na Flandres teve repercussões imediatas em Portugal, influência política, religiosa, hábitos e costumes?

É difícil imaginar, com esta distância, mas não restam dúvidas de que a participação de Portugal na frente ocidental, nomeadamente na Batalha de La Lys, expôs as fragilidades do regime republicano e aumentou a instabilidade política. Por outro lado, como descrevi no livro, as condições vividas pelos soldados portugueses nas trincheiras e o elevado número de mortos reforçaram o sentimento de descontentamento social. Em termos sociológicos, acredito que as aparições de Fátima, surgidas em plena guerra, tiveram um forte impacto na religiosidade popular. Finalmente, o contacto dos soldados portugueses com outras culturas e modos de vida em França e Bélgica também incorporou novos hábitos alimentares, formas de vestir e alteração de mentalidades, que alguns trouxeram consigo ao regressar.

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No seu romance há história, histórias de amor…

O romance assenta numa história de amor, que alguns afiançam ser real, e relata a história das pessoas comuns que viveram esses tempos difíceis. É de fácil leitura e contou com a participação de muitos amigos, como a poetisa Célia Sá Pires que assina um belíssimo poema, a professora Maria da Encarnação Calixto que fez toda a revisão, as ilustrações de capa do professor Álvaro Espadanal Ramos e o prefácio do Dr. Tiago Passão Salgueiro, ilustre vereador da Câmara Municipal de Vila Viçosa. A história de amor assenta em Mariana, Zaranza e Tomaz, personagens que começaram a ganhar vida dentro de mim há muito tempo. São personagens fictícias, sim, mas construídas com pedaços de verdade. Acima de tudo, este livro fala da força do coração humano em tempos de escuridão, do amor entre dois amigos, mas também do amor à terra. A guerra, a saudade, a fé, são o pano de fundo para algo muito mais íntimo: O amor entre dois jovens, mas também o amor a uma promessa jurada.

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Será que podemos ver o seu livro como um retrato de Portugal da época, do Alentejo da época com os seus usos e costumes?

Há sempre algo de pessoal nas histórias que escolhemos para contar. Neste livro, tal como nos anteriores, fui inevitavelmente buscar inspiração às raízes, trazendo histórias que ouvi em criança, memórias que me foram sendo passadas em conversas à lareira ou nas tardes do Alentejo. Todavia, contrariamente ao “Ameixa tem uma Filha” ou no “Motorista dos Cortes”, não há uma personagem que represente um familiar concreto, mas há emoções, situações, valores, tradições e expressões que me interessa dar a conhecer. Num tempo tão difícil da nova ordem mundial, creio que faz falta voltar a falar do apego à terra e às nossas raízes. Recordar o Portugal e o Alentejo de 1915, saído do regicídio e dos primeiros passos para 1ª República, pode provocar esse desassossego interior nalguns leitores. É preciso recordar a força das mulheres que seguraram famílias inteiras enquanto os homens iam para a guerra, o peso das tradições e da religião, e tudo isso faz parte do meu imaginário familiar. Talvez seja essa ligação emocional que torna este livro tão especial para mim. Mesmo sem nos darmos conta, um livro pode servir para preservar a memória e homenagear os que vieram antes de nós.

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Depois das lutas por França, o regresso acabou também por ser penoso. Um dos dramas da participação do CEP à Guerra não será que os dirigentes da altura quase se esqueceram dos homens que enviaram para a guerra?

Muitos relatos e memórias escritas por ex-combatentes revelam uma visão amarga do pós-guerra, onde o maior inimigo passou a ser o esquecimento. A expressão “ninguém os esperava” que utilizo no meu livro simboliza essa falta de acolhimento emocional e reconhecimento público. Vários soldados, entre eles o meu avô, sentiram que lutaram numa guerra “dos outros”, sem grande compreensão da razão de estarem ali, e sem ver resultados concretos para Portugal. Basta notar que ao regressarem da guerra, os soldados não foram recebidos com honras ou celebrações nacionais, como aconteceu noutros países. Portugal estava mergulhado numa grave crise económica e política, o que relegou os combatentes para o esquecimento. Para muitos soldados talvez o sentimento tenha sido o de que o sacrifício feito pela Pátria não foi reconhecido, nem valorizado.

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O seu livro não terá sido escrito por uma necessidade de melhor se fazer conhecer uma parte, aquela parte da história de Portugal, esquecida e pouco tratada na literatura e na própria história no currículo escolar?

Não tenho a pretensão de reescrever a história, nem é essa a mensagem que nos entrega o livro “Entre Flandres e Santo António – Uma História de Amor”. Entendo que nunca como antes, vivemos tempos tão diferentes e tão desafiantes. Repare que durante a pandemia, prometemos ao mundo que ia ficar tudo bem, tocamos baladas às janelas das pessoas, levamos comida a quem precisava e juramos paz ao mundo. Agora veja que depois da pandemia temos guerra por todo o mundo, populismo e lideranças que parecem fazer perigar a ordem mundial. Apostar na cultura, promover hábitos de leitura, estimular novos leitores, pode ser uma forma de elevar o sentido critico e consequentemente formar pessoas mais livres e melhor informadas.
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É anunciado na capa do seu livro que o desfecho final é imprevisível, tal como foi, a terrível e trágica Batalha de La Lys. Uma razão suplementar para o lermos?

A escrita é como uma viagem. É sempre um lugar de descoberta e de encontro com os outros e connosco próprio. É um pouco como caminhar por uma estrada com nevoeiro, onde sabe de onde partimos e onde queremos chegar, mas pelo caminho, pode haver sobressaltos que não estávamos à espera ou que se foram revelando. Muitas vezes são os imprevistos que tornam uma narrativa memorável. A Batalha de La Lys foi tudo isso e provavelmente nunca chegaremos a saber tudo o que passou.

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Curioso, antes do final de seu livro você escreve uma peça teatral. A história contada no seu livro pode ser apresentada em forma teatral para uma melhor valorização e apresentação da história?

Na minha infância, o meu avô levou-me a ver os Bonecos de Santo Aleixo. Era uma casa escura, um casão, como se diz no Alentejo em que cada um de nós tinha de levar uma cadeira, se queria assistir sentado. Essa memória tão forte ainda perdura em mim, de forma que decidi incorporar um ato dos Bonecos de Santo Aleixo, um precioso teatro de marionetas, com raízes profundas no Alentejo, com o objetivo de dar a conhecer a cultura, a identidade e a tradição portuguesa. Estes bonecos são uma das expressões mais autênticas do teatro popular tradicional em Portugal e oferecem um grande valor narrativo, simbólico e estético aos espectadores. No caso presente funcionaram como uma metáfora da voz do povo. Naquele episódio que relato cruzam-se o sagrado e o profano e, tal como na guerra, estão presentes o cómico e o trágico.

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Algo curioso, no fim do seu romance publicou os significados de expressões e dizeres. Qual a razão?

Esse levantamento de natureza etnográfica e antropológica tem como principal objetivo lembrar o nosso riquíssimo património linguístico e cultural. Por outro lado, as expressões podem funcionar como um estímulo à reflexão, ajudando a recordar essas expressões e quem sabe, preservá-las na memória coletiva.

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Com que sentimento saiu depois da escritura deste livro? Como tem sido aceite? Ainda há quem não saiba que Portugal esteve presente na I Guerra?

Depois das apresentações realizadas em Lisboa, Évora, Estremoz e Vila Viçosa, há apresentações agendadas para Vila Franca de Xira, Loures, Braga, Santiago do Cacém, Amadora e Oeiras, o que parece demonstrar um interesse evolutivo pelo tema e consequentemente pela obra. Se este livro vier a contribuir para um melhor conhecimento do papel do Corpo Expedicionário Português que lutou em França na I Guerra mundial e a um maior reconhecimento desses homens já terá valido a pena tê-lo escrito. Mesmo sendo uma obra em que o tema central são as relações humanas, publicar um livro sobre um tema tão marcante como a I Guerra mundial, o sentimento que nos invade é o de missão cumprida.