Dino Monteiro, In Memoriam

Dino Monteiro, camarada fundador do Partido Socialista e da Livraria Portuguesa em Paris, faleceu no dia 22 de dezembro passado, ao cabo dum longo percurso de doenças prolongadas e invalidantes.

Nasceu em Lisboa em 15 de setembro de 1941, e começou a trabalhar aos 12 anos numa garagem. Frequentou continuamente cursos noturnos para aprender línguas e técnica comercial. Ao completar 16 anos quis emancipar-se para ser completamente independente, e três anos depois exilou-se em França, para não ser obrigado a participar na guerra colonial. Imediatamente recomeçou a trabalhar, enquanto prosseguia estudos em instituições francesas, nos dois setores precedentes: chegou a falar e escrever fluentemente seis línguas, a última das quais, o alemão, foi adquirida por razões profissionais específicas, já passados os seus 50 anos.

Militante comunista durante algum tempo, aderiu á União dos Estudantes Portugueses em França, dirigida por José Augusto Seabra, acabado de chegar de Moscovo; o facto de ser o único trabalhador não exclusivamente intelectual era apresentado como a prova da ligação dos comunistas às classes trabalhadoras, operárias e camponesas.

Encontrava-se refugiado em Paris Francisco Ramos da Costa, economista e dirigente da Ação Socialista Portuguesa, a ASP, agrupamento político que juntava o melhor da oposição democrática ao regime autoritário vigente em Portugal. Quando Mário Soares, para evitar prisões sucessivas, se instalou em Paris, assumiu naturalmente a liderança na condução das relações internacionais já iniciadas, tanto por Ramos da Costa, em Paris, como por Manuel Tito de Morais, em Roma – com especial relevo para os partidos socialistas dos dois países.

Nessa mesma altura, Dino Monteiro afastava-se rapidamente do comunismo, e aderiu ao Partido Socialista Francês, desempenhando funções importantes na sua secção. Foi através do Partido francês que tomou contacto com Mário Soares em 1972, e imediatamente se mostrou portador de grande dinamismo e capacidade de iniciativa. Aproveitando a sua situação de cidadão naturalizado francês, disponibilizou-se para fazer de correio entre Mário Soares e os socialistas do interior, nessa altura coordenados clandestinamente pelo jovem Pedro Coelho; apesar das severas precauções habituais, a começar pela escolha de local insuspeitável para os encontros, Dino Monteiro foi seguido, preso e fortemente incomodado pelos esbirros da polícia política, tendo mesmo de ser movimentada a diplomacia francesa para que ele pudesse voltar a França em liberdade.

De novo em Paris, pode dizer-se que a Livraria Portuguesa de Paris – fortemente desejada por Mário Soares como meio de irradiação política – é praticamente a sua obra. Foi ele que defendeu a ideia dentro da Ação Socialista Portuguesa, foi ele que negociou as condições de compra, que dirigiu os trabalhos da constituição legal da sociedade proprietária, com a ajuda do jovem advogado português Victor Cardoso, e que geriu durante anos o seu delicado funcionamento, foi ele que assistiu até a tentativas de assalto e degradação por parte da extrema direita francesa. Graças a Dino Monteiro, Mário Soares conseguiu concretizar um sonho que juntou no mesmo entusiasmo a elite da oposição democrática e mesmo comunistas modernos, Coimbra Martins, Liberto Cruz, Tito de Morais, Rodolfo Crespo, Salgado Zenha, Joaquim Barradas de Carvalho, Raul Capela, Carlos Monjardino; foi Dino Monteiro que assegurou com generosidade e perseverança a sobrevivência da sociedade, e a fez singrar durante vários anos como baluarte da cultura portuguesa em Paris.

O dia 20 de abril de 1973 foi passado à espera do resultado do congresso que reuniu em Bad-Munstereiffel os delegados dos vários núcleos socialistas de Portugal e do estrangeiro, resultado que seria para todos os militantes a boa notícia da fundação, enfim, do Partido Socialista Português, por camaradas que, muitos deles, eram conhecidos por passarem por Paris ou por comunicarem frequentemente com a secção, Tito de Morais, Fernando Loureiro, José Neves, Carlos Carvalho, António Arnaut, Rui Mateus. Junto com a centena de camaradas representados pelos delegados a Bad-Munstereiffel, Dino Monteiro é um dos fundadores do Partido Socialista Português.

Os seus contactos com os socialistas franceses tinham por vezes resultados surpreendentes e inesperados, como o de ter tido em primeira mão, e horas antes da informação oficial, a notícia da morte do Presidente Georges Pompidou, em 2 de abril de 1974: foi por ele que Mário Soares, em plena reunião da secção, no seu alojamento do Boulevard Garibaldi, teve conhecimento deste importante facto. Perfilava-se a partir daí a campanha eleitoral que iria projetar François Mitterrand, já na altura confidente e companheiro de Mário Soares na Internacional Socialista, como futura alternativa aos sucessivos governos de direita em França.

Passado o 25 de abril de 1974, Dino Monteiro teve de assegurar a permanência da Livraria Portuguesa, até lhe poder dar a configuração que permitiria viver sem sobressaltos e assistência exterior permanente. O seu desejo e a sua disponibilidade para voltar a Portugal para servir o país, em funções para as quais se julgava perfeitamente apto, não se poderiam concretizar nos primeiros tempos a seguir à Revolução; posteriormente, a ocasião de refazer a vida e se instalar de novo em Portugal não se apresentou com evidência, ao mesmo tempo que o sucesso profissional no comércio internacional se afirmava de forma absorvente. Mas a sua ligação à terra de nascimento manteve-se intacta, até ao ponto de orientar os seus filhos para seguirem a carreira escolar na excelente Secção Portuguesa do Liceu Internacional de S. Germain-en-Laye, e de pagar uma professora para os acompanhar com explicações de Português.

Abalado por complicações de saúde que se foram agravando dolorosamente, Dino Monteiro foi acompanhado até aos instantes derradeiros pela abnegação da sua esposa, o apoio dos seus filhos, e pela solicitude dos amigos, que o acompanharam à última morada no dia 27 de dezembro, no cemitério de Chatou, cidade da periferia airosa próxima de Paris, onde tinha adquirido há dezenas de anos uma bela residência familiar.

Como a quase generalidade dos Fundadores do Partido Socialista, Dino Monteiro manteve uma atitude de grande modéstia diante do facto de, por incrível que pareça, nunca ter sido agraciado com a condecoração, sem dúvida nenhuma perfeitamente condizente e mais do que merecida pela sua ação: a condecoração da Ordem da Liberdade.

À esposa, Françoise, aos filhos Hugo e Julie, aos netos, a toda a família, endereçamos as nossas sinceras condolências, e as manifestações da nossa mais calorosa simpatia.

 

Augusto Roseira de Mariz

(Camarada Duarte)

 

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Na imagem: Cartão de membro do Partido Socialista Português, editado pela primeira vez para o ano de 1974, assinado por Manuel Tito de Morais. “O punho erguido do trabalhador estilhaça o punhal do capitalismo”.