LusoJornal | António Borga Home Ensino Emídio Sousa quer alterar regime jurídico do ensino português no estrangeiro e dar mais dignidade aos professoresCarlos Pereira·1 Julho, 2025Ensino Naquela que foi a primeira grande entrevista enquanto Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas, Emídio Sousa abordou a questão do ensino da língua portuguesa no estrangeiro e assumiu que quer alterar o regime jurídico. Nesta entrevista ao LusoJornal, onde abordou também outros assuntos, o novo Secretário de Estado que tutela as Comunidades diz que o número de alunos no estrangeiro está a decrescer muito e que tem dificuldades em recrutar professores. . O Senhor Secretário de Estado diz que quer propor um novo sistema jurídico do ensino de português no estrangeiro. Do que se trata? Eu deparei-me na Suíça, e também aqui em França, com reclamações que se repetem. Em termos de política pública do atual Governo, consideramos que a língua é fundamental, estejam onde estiverem os Portugueses, continuarmos a falar a nossa língua e transmitir aos nossos descendentes a nossa língua é uma política que nós consideramos absolutamente fundamental. A dimensão de Portugal vai muito além do nosso território base, do retângulo. Nós hoje somos claramente uma Comunidade espalhada por todo o mundo, não sabemos até, ao certo, quantos somos, mas somos muito mais do dobro do que aqueles que estamos em Portugal. Nós temos de olhar para a questão da língua de uma maneira muito mais interessada. Vou repetir uma frase notável do Fernando Pessoa, que eu gostaria muito que as nossas Comunidades absorvessem: ele dizia que A minha Pátria é a minha língua, a minha pátria é a língua portuguesa. Eu sou filho de emigrantes e uma prática que nós tínhamos em casa, com os meus irmãos, era falar sempre em português. Eu também peço aos nossos emigrantes que procurem falar português em casa. Tem duas vantagens: a sua ligação à terra e ensinam aos filhos a língua. Pode não servir para nada, mas pode também ser um fator diferenciador no futuro emprego, nas futuras oportunidades que surjam. E quando os pais não falam português? Mas eu recomendo isso. Mas quando os pais já não sabem falar português? E quando são casais mistos, por exemplo? Na minha família, já vão na segunda geração. Numa das famílias falam todos português, na outra não falam, falam assim mais-ou-menos. Quando a segunda ou terceira geração já não fala português, vale a pena procurarem o ensino da língua. Nós estamos muito preocupados com o ensino da língua. Preocupa-nos o número de estudantes que tem vindo a decrescer ao longo do tempo. Os números em França apontam para 12.000, se bem me lembro, na Suíça, já foram 13.000 e há neste momento 6.500. Há claramente uma perda do interesse. Há dois sistemas que nós queremos implementar, mas isso também depende dos países onde estamos. Nós queremos ver se conseguirmos meter a língua como fazendo parte do currículo do aluno. Isso tem algumas vantagens porque quando é uma espécie de atividade extracurricular, muitas vezes as famílias e os próprios jovens estudantes já não estão abertos à aprendizagem da língua. Nós estamos a fazer esforços, vamos procurar rever o sistema jurídico do ensino de português no estrangeiro, o recrutamento de professores é crítico, por questões remuneratórias, mas não só, então há todo um estatuto que é preciso rever. Até em Portugal há essa dificuldade de recrutamento de professores, há carências de professores de Português e de Matemática, não se consegue por vezes preencher os quadros de professores porque não há, não são bem remunerados. O próprio estatuto dos professores perdeu alguma importância… eu lembro-me dos meus professores da escola primária e do liceu como se fosse hoje e sei da importância que eles têm na nossa estrutura mental e de pensamento. São pessoas extraordinárias. Sou do tempo em que o professor tinha de facto autoridade na sala, perdeu-se um bocadinho de autoridade na sala e é preciso devolver autoridade ao professor. Não é autoridade repressiva, é autoridade da função. É necessário dar dignidade ao exercício de funções docentes. Nós queremos recrutar e muitas vezes não conseguimos. No fim dos anos 80 havia em França – de memória – cerca de 400 professores colocados por Portugal. Agora há 102. Não estará aqui uma explicação na redução de alunos? Porque, por outro lado, há milhares de pais que escrevem os filhos nas aulas de Português e nem resposta obtêm… Normalmente o número de professores depende do número de alunos. Há 102 professores e alguns não conseguem ser recrutados. Portugal sofreu muito, em termos de recrutamento para a função pública. Sofreu muito nos últimos 15 anos. Se bem se relembram, no tempo da Troika nós estivemos muito condicionados em termos de admissão de funcionários. Era mesmo proibido recrutar. Eu lembro-me que não podia recrutar trabalhadores para a Câmara onde trabalhei. Na emigração também aconteceu, no meio do ano escolar, em dezembro, suprimiram 40 professores de português no estrangeiro, 20 dos quais em França. E depois de 2015, já com outro Governo, houve ali uma preocupação muito grande, com as contas públicas e a contenção da despesa pública, nomeadamente com pessoas. Foram 15 anos sem conseguirmos renovar pessoas que saem. Torna-se quase impossível recuperar o tempo. E nós estamos numa situação dessas. Quando eu falo na revisão do regime jurídico, nas múltiplas reuniões que tive agora aqui em Paris, e várias em Berna, na Suíça, percebi que há uma grande dificuldade e todos me apontam o mesmo problema: dificuldades de recrutamento e falta de professores. Eu ainda não sei qual é o milagre que temos de fazer para o conseguir, mas temos de tornar a carreira atrativa, mas não é apenas do ponto de vista salarial – o que também conta, naturalmente – mas também é com o estatuto de autoridade e de dignidade que necessitamos de recuperar para os professores. Cada país é diferente… Vou dar-lhe um exemplo: a escola portuguesa nos países africanos é uma escola altamente procurada, até forma as elites locais. Uma escola portuguesa em França, na Suíça, é muito dirigida para a nossa Comunidade. Existe um acordo bilateral entre a França e Portugal muito antigo, de 1973. Portugal paga o ensino da língua portuguesa no primário e a França paga esse ensino no secundário. Se Portugal diminuiu o número de professores de 400 para uma centena, a França também não sente essa obrigação de desenvolver este ensino, não é verdade? Se Portugal guardar este acordo bilateral, então vai ter de fazer um investimento enorme no ensino primário, dar o sinal à França de que é importante desenvolver o ensino da língua portuguesa. Eu repito a pergunta: há milhares de pais que inscrevem os filhos nos cursos de português e depois não têm resposta nenhuma… Não é essa a informação que eu tenho. A informação que eu tenho é a de uma diminuição das inscrições. Há de facto algum problema entre os cursos que fazem parte do currículo e os cursos extracurriculares, uns começam o ano logo em setembro e os outros só passado dois meses, o que desmotiva os próprios alunos. Este é um problema que temos de resolver. O número de professores também está dependente do número de alunos. Eu diria que temos aqui uma pescadinha de rabo na boca. Temos de encontrar um equilíbrio entre estas duas situações. E este acordo de 1973 tem certamente de ser revisitado. Já foi revisitado várias vezes… Temos de continuar a avançar.