Livros: Serena Davis escreveu livro que relaciona Dijon com LisboaSylvie Das Dores·Cultura·10 Março, 2024 A história dos gerentes do restaurante Saveurs de Porto, em Dijon, Marta e Miguel Peixoto, foi destacada e inspirada para escrever o livro intitulado «Nos vies à la dérive. La Croisée des Naufrages» pela autora Serena Davis. Impunha-se pois descobrir a autora. Encontrámo-nos na capital da Borgonha, no Comptoir des Colonies. É uma mulher autêntica, dinâmica, empática, inteligente e cativante. Foi um momento memorável, citando Fernando Pessoa, um dos autores preferidos da escritora: «O valor das coisas, não está no tempo que elas duram, mas na intensidade com que acontecem. Por isso, existem momentos inesquecíveis, coisas inexplicáveis e pessoas incomparáveis». Serena Davis é escritora, novelista e poetisa. Diagnosticada de um Transtorno Dissociativo de Identidade (TDI) em 2020, decide partilhar a sua experiência e envereda-se pela via da escrita, convencida dos poderes do imaginário. A autora, no seu livro «Intrusions poétiques. Balade dans l’esprit d’une personnalité multiple» desvenda a sua mente múltipla para entender e apreender a maneira como vê o mundo. Entre explicações sobre o TDI, os excertos autobiográficos, cartas íntimas e testemunhos, Serena Davis permite-nos entrar no seu mundo e faz-nos viajar na sua complexa mente. Nos confins do impenetrável, revela os seus traumatismos e os seus receios, sublinhando toda a força percetível graças à sua diferença. É uma mulher inspiradora que cativa logo pela sua naturalidade e sua autenticidade, uma estrela que veio ajudar e apoiar o casal Marta e Miguel, num período difícil que eles atravessavam na vida deles. Uma solidariedade sem falhas. Aquela que fica tatuada para a vida eterna. Logo nas primeiras linhas do livro «Nos Vies à la dérive. La Croisée des Naufrages», imergimos na cidade de Lisboa, Alfama, com a família Barroso que tenciona instalar-se em Auxonne, cidade originária da autora… Ela escreveu algumas notas pessoais no final do livro, eis o excerto para suscitar a curiosidade e por que não descobrir a obra desta mulher encantadora? «Na minha história, dois fatores foram particularmente determinantes neste entrelaçamento de destinos: primeiro, a migração da família Barroso, de Lisboa, cidade com mais de quinhentos mil habitantes, para Auxonne, cidade com menos de sete mil e duzentos habitantes. Perguntaram-se certamente, no início da história, por que escolhi situar o enredo na cidade de Auxonne, uma cidade da qual provavelmente nunca ouviu falar. Foi muito simplesmente porque eu sou dessa cidade, onde morei mais de quinze anos. A ideia era, portanto, inicialmente completamente corolário. Porém, através de uma feliz descoberta através de leituras paralelas, tomei consciência da importância que a cidade de Auxine teve na História da França. Auxonne foi, na Idade Média, um reduto que se poderia até, sem ênfase, qualificar de estratégico. No guia ilustrado de Auxonne1, é relatada esta nota de Colbert à atenção do intendente Bouchu, datada de 26 de setembro de 1673: “Peço-lhe que se empenhe em adiantar tudo o que possa dizer respeito ao lugar de Auxonne, porque este lugar é hoje um dos mais importantes do Estado”. Consegui traçar um paralelo entre a nossa pequena cidade, lugar estratégico de defesa às portas do Reino de França, blindado como um bunker, e a praça de Lisboa, porta de entrada para o mundo, ponto de partida para todas as possibilidades. A migração da família, da cidade onde tudo começa para a cidade onde tudo termina, adquiriu então, através de uma feliz combinação de circunstâncias, o seu pleno significado. Mas isso não é tudo. A minha pesquisa cruzada sobre a História de Portugal e a da Borgonha permitiu-me perceber que os dois reinos estavam intimamente ligados, uma vez que a dinastia portuguesa nasceu da união entre um certo Henrique, filho do Duque da Borgonha e sobrinho de São Hugo, abade de Cluny e uma certa Teresa, filha ilegítima de Afonso VI de Castela. O filho, Afonso Henriques, consagraria a independência de Portugal e tornar-se-ia o seu primeiro rei. Nas veias portuguesas corre o sangue borgonhês». «A chegada de Manuel e Lívia a Auxonne é um regresso ao básico, um regresso à ‘alhama’ se se lembrarem da referência do início do romance».