Mais de cem ONG pedem suspensão do projeto da francesa TotalEnergies em Moçambique



Um grupo de 124 Organizações não-Governamentais (ONG) apresentou uma carta aberta aos financiadores da TotalEnergies no norte de Moçambique pedindo que não avancem com este “projeto desastroso” liderado por uma petrolífera que “não é de confiança”.

“Este é um momento crucial; a ‘força maior’ invocada no projeto Mozambique LNG dá aos bancos e às agências de crédito à exportação uma oportunidade para reconsiderarem o seu envolvimento num projeto que tem sido desastroso ainda antes de ser construído, e no qual a TotalEnergies provou ser completamente desonesto”, lê-se na carta aberta divulgada esta semana.

“Nós, enquanto sociedade civil de Moçambique e em todo o mundo, estamos cientes que a TotalEnergies está nesta altura a abordar os bancos e as agências de crédito à exportação para garantir o apoio renovado na sequência do levantamento da ‘força maior’”, que levou à suspensão dos trabalhos de construção em 2021, “e sabemos que essa renovação do apoio não pode nem deve acontecer sem uma reavaliação do projeto”, defende-se na carta.

Na missiva, as ONG defendem “a realização de uma avaliação verdadeiramente abrangente e independente do projeto como pré-requisito para qualquer decisão, incluindo a garantia de uma participação da sociedade civil, o fim da contribuição dos financiadores visados na carta para as violações de direitos humanos e para o clima de crise” e o compromisso dos financiadores de “afastarem publicamente qualquer apoio para os outros projeto de gás em Moçambique, nomeadamente o Rovuma LNG e o Coral North LNG”.

A carta é assinada por ONG como Alternactiva – Acção pela Emancipação Social, Fund Our Future ou o Sustainable Development Institute (SDI) e os promotores visam instituições multilaterais de financiamento como o Banco de Importações e Exportações dos Estados Unidos, o Banco do Japão para a Cooperação Internacional, o Afreximbank e o Banco Africano de Desenvolvimento, além de instituições privadas como Société Générale, Crédit Agricole, JP Morgan, Standard Chartered ou o ABSA Bank.

Estas ONG consideram que o projeto vai perpetuar os problemas das populações e implica a permanência de um “forte contingente” de militares para assegurar a segurança das operações, alertando para um “aumento dos ataques” quando as obras recomeçarem e para a falta de preocupações ambientais por parte da petrolífera francesa que lidera o projeto de produção e exportação de gás natural liquefeito, encarado como decisivo para o desenvolvimento económico de Moçambique.

Moçambique tem três projetos de desenvolvimento aprovados para exploração das reservas de gás natural da bacia do Rovuma, classificadas entre as maiores do mundo, ao largo da costa de Cabo Delgado.

Dois desses projetos têm maior dimensão e preveem canalizar o gás do fundo do mar para terra, arrefecendo-o numa fábrica para o exportar por via marítima em estado líquido.

Um é liderado pela TotalEnergies (consórcio da Área 1) e as obras avançaram até à suspensão por tempo indeterminado, após um ataque armado a Palma, em março de 2021, altura em que a energética francesa declarou que só retomaria os trabalhos quando a zona fosse segura.

O outro é o investimento ainda sem anúncio à vista liderado pela ExxonMobil e Eni (consórcio da Área 4).

Um terceiro projeto concluído e de menor dimensão pertence também ao consórcio da Área 4 e consiste numa plataforma flutuante de captação e processamento de gás para exportação, diretamente no mar, que arrancou em novembro de 2022.

A província de Cabo Delgado enfrenta há cinco anos uma insurgência armada com alguns ataques reclamados pelo grupo extremista Estado Islâmico.

A insurgência levou a uma resposta militar desde julho de 2021, com apoio do Ruanda e da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC), libertando distritos junto aos projetos de gás, mas surgiram novas vagas de ataques a sul da região e na vizinha província de Nampula.

O conflito já fez mais de um milhão de deslocados, de acordo com o Alto-Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), e cerca de 4.000 mortes, segundo o projeto de registo de conflitos ACLED.

LusoJornal