Nuno Gomes Garcia conversa com Gilberto Pinto: “Ainda se considera o romance policial como um género menor”

Gilberto Pinto é professor no Instituto Superior de Engenharia do Porto e acaba de lançar o seu quarto romance. “A rapariga que veio do frio” é um policial imparável de capítulos curtos que percorre o rio Douro desde o Porto até à Quinta das Garças, uma das herdades que povoam o vale duriense.

Este primeiro policial de Gilberto Pinto leva-nos a enfrentar uma série de assassinatos que abalam a cidade do Porto: eleva-se a cinco o número de homens ligados ao tráfico de mulheres que aparecem degolados. Tudo indica estarmos perante um vingador que luta para eliminar os vilões que afetam a sociedade. A estas mortes juntam-se mais duas: a do jornalista que acompanhava o caso e a de uma rapariga, Sofia, que é descoberta sem vida numa casa da Boavista, nua e agarrada a um violino.

A morte do jornalista traz para a história o seu protagonista. Leonardo é um jornalista cansado e frustrado com um passado familiar problemático que tudo faz para esquecer. A investigação desse caso vai mergulhá-lo não apenas na violência do tráfico de mulheres, mas também na violência na qual se alicerça a sua história familiar.

Numa segunda linha narrativa, Aníbal, o caseiro da Quinta das Garças, propriedade de um Eurodeputado corrupto, dará, na primeira pessoa, o seu testemunho sobre a evolução do caso que espoletou a violência que vai ensanguentando a cidade do Porto.

Duas linhas narrativas, a de Leonardo e a de Aníbal, que, tal como em todos os bons romances policiais, se encontrarão perto do fim, deixando o leitor suspenso na resolução do caso.

 

Gilberto como é que se deu essa passagem da Engenharia para a Literatura?

Foi muito simples. Eu desde menino que escrevo. Nós vamos escrevendo e escrevendo e depois publicar é uma tarefa muito árdua. Eu espero que nesta fase consiga manter-me publicado. O que também não é nada fácil nos dias que correm. Aquilo que eu quero fazer todos os dias, aquilo para o qual me levanto todas as manhãs, é escrever. Os meus outros romances não são policiais, este é o meu primeiro. Eu, a certa altura, decidi começar a escrever sobre aquilo que gosto de ler. E como eu gosto muito de ler policiais, especialmente o noir e o nórdico, acho que este livro tem muitas ressonâncias disso.

 

Gilberto, em Portugal, ao contrário dos países escandinavos, por exemplo, hoje não existe grande abundância de romances policiais ou thrillers feitos por autores portugueses.

Sim, é mesmo muito escasso.

 

Sim, quase não existe. Ao contrário da Suécia, por exemplo, ao ponto do Björn Larsson dizer que o género policial ocupa demasiado espaço na Suécia. Em Portugal, houve claro o boom dos anos 50/60 em que os escritores portugueses usavam pseudónimo em inglês, mas agora quase nada.

O Dennis McShade, por exemplo.

 

Sim, por exemplo. Mas então por que razão na sua opinião existem hoje tão poucos escritores de policiais em Portugal?

Em Portugal, além de se ler pouco – e esse é um problema sério, talvez sejamos o país da Europa onde menos se lê -, ainda se considera o romance policial como um género menor. Se bem que seja dos géneros que mais vendem. Em Inglaterra, no ano passado, o mistério, o policial, o thriller, venderam mais do que todos os outros géneros juntos.

 

Mesmo em Portugal, os policiais nórdicos vendem bastante.

Vendem muito. Em Portugal, existe uma outra questão: um nome de um autor português parece ser algo menor. Um pouco menos agora, é verdade. Eu tenho a certeza que se usasse um pseudónimo com um nome sueco ou simplesmente inglês, as pessoas que não me conhecem reparariam mais no livro.

 

O Dinis Machado – referiu-o há pouco – utilizou o pseudónimo de Dennis McShade.

Também o fez por causa da ditadura. Mas eu acredito que ainda há muita gente que não sabe que o McShade é o Dinis Machado.

 

Sim, de certeza absoluta. E como o Dinis Machado houve muitos outros, e que até fizeram muito sucesso fora de Portugal.

Sim, sim. Por exemplo, faleceu infelizmente, há coisa de um ano, uma pessoa que eu conhecia e com quem mantive algum relacionamento, que era o Luís Miguel Rocha. Ele publicava primeiro nos EUA e só depois cá. Ele começou a ter sucesso em Portugal depois de o ter fora.

 

E, neste caso, com um nome bem português.

Claro, mas tinha assim uns temas muito específicos: sobre o Papa, o Vaticano. Temas que prendem muito as pessoas especialmente depois de “O Código Da Vinci”. Mas só depois de estar no top do New York Times é que lhe deram o valor devido em Portugal. Esperemos que isto melhore, que se comece a prestar mais atenção aos autores portugueses. Porque o thriller, este tipo de romance, o noir nórdico, é um género que está aí para ficar e até, em certa medida, conseguiu superar o que os Americanos e os Ingleses andavam a fazer. E não fica nada a dever ao romance mainstream; tem forma e tema específicos. E, só para concluir, este tipo de romance, com este tipo de forma, consegue-se abordar perfeitamente qualquer tema e é capaz de ter a mesma profundidade de qualquer outro romance, com a vantagem, a cenoura em cima, de termos um fio narrativo muito absorvente. Pode abranger várias camadas de leitura. E, portanto, não é nada um género menor.

 

Em Portugal ainda se continua a dar maior valor, principalmente os críticos e a opinião publicada, àquela Literatura que nasce da Poesia…

Exato. Uma Literatura muito umbiguista, muito lírica e que dá pouca importância ao plot, ao enredo, e muito mais à forma da frase. Muito pouco ao tema, aos personagens… e especialmente muito pouco, é algo que os Portugueses têm, ao enredo. O enredo, isso nota-se muito no Cinema…

 

Este seu livro é bastante cinematográfico…

Sim, essa é uma das características deste género. O enredo é muito importante. Não é à toa que este tipo de livros é transposto para cinema. A trilogia do Stieg Larsson, por exemplo. É a forma de escrita onde mostrar os acontecimentos exteriores ao personagem é muito importante e por isso o enredo toma uma forma preponderante no livro. E é graças ao enredo que os personagens se erguem, mas, eu repito, não é por o enredo assumir um papel primordial que não se pode ter personagens profundas, bem pelo contrário. O Aníbal, um dos personagens deste livro, é, acho eu, a minha personagem melhor conseguida. Ou seja, com uma trama bem aprofundada consegue-se também aprofundar os personagens, pelo menos um ou dois.

 

Entrevista realizada no quadro do programa «O livro da semana» na rádio Alfa, apoiado pela Biblioteca Gulbenkian Paris

Próximo convidado: Joëlle Nascimento, auteure de “Les disloquées”

Quarta-feira, 15 de maio, 9h30

Domingo, 19 de maio, 14h25

 

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