‘Operação Picoas’ – o caso que lesou o Estado e o grupo francês Altice em milhões de euros

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A ‘Operação Picoas’ revelou na última semana um alegado esquema financeiro em torno do grupo francês Altice, detentor da antiga PT, que terá lesado o Estado português e o grupo empresarial em centenas de milhões de euros.

O principal visado neste processo, o cofundador da Altice, Armando Pereira, estava previsto começar a ser ouvido hoje por um juiz, mas o interrogatório deverá começar apenas na quarta-feira.

Eis alguns pontos essenciais desta investigação com cerca de três anos e que aponta para suspeitas dos crimes de corrupção no setor privado, fraude fiscal, branqueamento de capitais e falsificação.

As suspeitas do Ministério Público

O Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) do Ministério Público (MP), em colaboração com a Autoridade Tributária (AT), lançou no dia 13 de julho uma operação com cerca de 90 buscas domiciliárias e não domiciliárias, que abrangeram instalações de empresas e escritórios de advogados em vários pontos do país, resultando em três detidos e na apreensão de documentos e viaturas de luxo avaliadas em cerca de 20 milhões de euros.

O MP entende que terá ocorrido uma “viciação do processo decisório do Grupo Altice, em sede de contratação, com práticas lesivas das próprias empresas daquele grupo e da concorrência”, que apontam para corrupção privada na forma ativa e passiva. O Estado terá também sido prejudicado com uma fraude fiscal “superior a 100 milhões de euros”.

Em causa estão ainda indícios de “aproveitamento abusivo da taxação reduzida aplicada em sede de IRC na Zona Franca da Madeira” através da domiciliação fiscal fictícia de pessoas e empresas, a que se soma a suspeita da utilização de sociedades offshore, indiciando os crimes de branqueamento e falsificação.

A influência de Armando Pereira

O cofundador da Altice Armando Pereira, que ficou detido no dia 13 na sequência das buscas, será alegadamente o líder de um esquema que, segundo o Ministério Público, terá lesado o Estado e o grupo empresarial em centenas de milhões de euros através do envolvimento de dezenas de sociedades controladas de forma indireta pelo seu homem de confiança, Hernâni Vaz Antunes.

O empresário terá utilizado a sua influência no grupo para controlar as decisões de contratação de fornecedores, que, alegadamente, passariam também a ter de contratar serviços a empresas controladas por Hernâni Vaz Antunes para conseguirem os contratos com a Altice.

A influência de Armando Pereira terá também sido concretizada na alienação de imóveis da Altice em Lisboa, cuja venda a empresas na órbita de Hernâni Vaz Antunes terá ficado por valores bastante abaixo da posterior revenda, com mais-valias de vários milhões de euros.

Os outros arguidos

Jéssica Antunes, Álvaro Gil Loureiro e Hernâni Vaz Antunes são os outros arguidos da “Operação Picoas”. Jéssica Antunes, filha de Hernâni Vaz Antunes e apontada pelo Ministério Público como ‘testa de ferro’ do pai em diversas empresas, foi a primeira a prestar declarações perante o juiz Carlos Alexandre, no Tribunal Central de Instrução Criminal, entre sábado e segunda-feira.

O interrogatório prosseguiu com Álvaro Gil Loureiro, economista que tem ligação a diversas empresas associadas aos negócios em torno da Altice e que estão igualmente ligadas a Hernâni Vaz Antunes.

Já Hernâni Vaz Antunes, conhecido como ‘braço direito’ de Armando Pereira, estava entre os visados da operação, mas não foi localizado e acabou por só se entregar numa esquadra da PSP no Porto no sábado à noite, aguardando detido pelo seu interrogatório. É suspeito de obter comissões milionárias em vários negócios e de colocar ‘testas de ferro’ à frente de empresas para contratos de fornecimento à Altice.

Buscas na sede da Altice Portugal e investigação interna do grupo

Um dos focos das buscas esteve na sede da Altice Portugal, em Picoas (Lisboa), com as autoridades a suspeitarem que a empresa tenha sido lesada em vários negócios. Após fonte oficial da empresa garantir nesse dia “toda a colaboração” com as autoridades, o grupo anunciou no dia 14 uma investigação interna relacionada com os processos de compras e os processos de aquisição e venda de imóveis da subsidiária portuguesa, bem como do grupo.

“Com efeito imediato, e até nova ordem, o grupo Altice pediu às sociedades participadas que suspendam qualquer pagamento às entidades visadas pela investigação; suspendam qualquer nova ordem de compra (individual ou parte de um contrato principal) com estas entidades”; e que “seja reforçado o processo de aprovação do grupo relativamente a qualquer ordem de compra”, referiu a empresa em comunicado.

Suspensão das funções no grupo de Alexandre Fonseca

Em 17 de julho, o grupo Altice, de Patrick Drahi, anunciou que o copresidente executivo (co-CEO) da Altice Europe, Alexandre Fonseca, suspendeu funções no âmbito das atividades empresariais executivas e não executivas de gestão do grupo, incluindo as posições de ‘chairman’ da Altice Portugal e da Altice USA.

“Decidi acionar a suspensão das minhas funções de co-CEO do grupo Altice, bem como de ‘chairman’ de diferentes operações do grupo em várias geografias. Nunca abdiquei, nem abdicarei, de enfrentar as adversidades com objetividade e firmeza necessárias”, escreveu Alexandre Fonseca na rede social LinkedIn, garantindo ser “completamente alheio ao que tem vindo a ser publicamente veiculado” e que vai exigir “a clarificação de todos os factos”.

Alexandre Fonseca era Presidente executivo da subsidiária portuguesa durante o período associado à investigação ‘Operação Picoas’ e, apesar de não ser ainda arguido, estará a ser investigado por eventual recebimento indevido de vantagem com a compra de uma casa em Barcarena a uma empresa de Hernâni Vaz Antunes, residência essa que foi alvo de buscas.

As posições da CEO da Altice Portugal e dos sindicatos

A CEO da Altice Portugal, Ana Figueiredo, defendeu, em carta enviada aos colaboradores, que a dona da Meo deve concentrar-se na sua operação, continuar a executar o plano de negócios e melhorar o seu desempenho, independentemente da investigação em curso “dirigida a indivíduos e entidades externas ao (…) grupo”.

“Não nos desviaremos do que era ontem, e será amanhã, o nosso foco – servir os nossos clientes, prestando um serviço de excelência, e continuar a liderar no mercado português, sendo a empresa mais inovadora em Portugal. Em suma, fazer o que sabemos fazer melhor”, lê-se na mensagem da gestora.

Os sindicatos e a Comissão de Trabalhadores da Altice Portugal reuniram-se entretanto com Ana Figueiredo, mostrando-se preocupados com a ‘Operação Picoas’. Jorge Félix, do Sindicato dos Trabalhadores do Grupo Altice em Portugal (STPT), disse à Lusa que a CEO “confirmou que as empresas estão a ser objeto de investigação” e que “reiterou o respeito por todos os direitos e garantias e estabilidade social e laboral dos trabalhadores”.

Reações políticas à investigação

Até ao momento, a reação do Governo ao caso limitou-se à recusa de comentários pelo Ministro das Infraestruturas. “Sou o Ministro que tutela as telecomunicações e, como é evidente, não faço qualquer comentário sobre processos judiciais envolvendo personalidades ou empresas do setor das telecomunicações. Deixarei, como é a minha obrigação, esse processo seguir o seu rumo normal”, afirmou João Galamba, na segunda-feira.

Em 16 de julho, o Secretário-geral do PCP, Paulo Raimundo, num comício no distrito de Braga, referiu-se unicamente ao “escândalo da Altice”, para criticar as privatizações levadas a cabo no país ao longo dos anos, lembrando os CTT, a REN, a EDP e a Galp, considerando que se trata de “património que o Estado entregou ao setor privado”.

Um dia depois, a coordenadora do Bloco de Esquerda (BE), Mariana Mortágua, frisou que o caso ligado à Altice é um indício do erro que o Governo irá cometer com a TAP. “A situação da PT é uma história de terror. A PT empregava milhares de pessoas, tinha tecnologia de ponta, desenvolveu serviços inovadores e fez tudo isto enquanto era pública. Mas, a partir do momento em que foi privatizada, transformou-se num joguete na mão de poderosos”, disse.

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LusoJornal