Opinião: As duas cameleiras e o futuro da cultura

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Todos nos perguntamos ou perguntámos, alguma vez na vida, o que nos faz prosseguir num caminho, não desistir de uma tarefa, manter um rumo; quando esse caminho nos é penoso, quando essa tarefa nos cansa, quando os meios para mantermos o rumo se nos apresentam inadequados.

Na minha janela, as duas cameleiras prosseguem, cada ano, a sua tarefa de florir. Vencem os calores do verão, mantêm-se discretas nas incertezas do outono e, no final dos frios de inverno, virando os ramos para o sol que vai subindo no horizonte, explodem por fim em enormes flores vermelhas e brancas que se entrelaçam por vezes, como num bouquet de florista.

Vá-se lá saber se elas não se interrogaram também (na linguagem que sabemos agora, como ciência certa, as plantas têm) sobre o sentido dos seus destinos, sobre a necessidade imperativa de se prepararem, em cada ciclo de vida, para o ciclo seguinte, para a festa de cor que oferecem aos nossos olhos.

Sabemos nós, que as domesticámos e prendemos em vasos, que as escolhemos pela cor que podem dar às nossas manhãs (às minhas manhãs de confinamento, escrevendo esta crónica, por exemplo), que essas cores não no-las dão a nós, mas as preparam para os insetos que as virão polinizar. Eles fazem-se raros na cidade, raros nos campos, por via das poluições cruzadas de que enchemos o mundo, mas as camélias não desistem de florir.

Sabemos nós que elas (tomadas aqui como símbolo da vida no mundo) hão de vencer – mesmo que nenhum humano esteja cá para ver as novas formas de vida que sobreviverão. Saberão elas também que o objetivo que cada ano cumprem será recompensado? Alcançado num qualquer futuro, mesmo que já não haja palavras para louvar essa tenacidade? Mesmo que a forma a cor e os ciclos das camélias do futuro sejam totalmente diversos dos de hoje?

Assim estamos nós! Confinados ainda e rodeados por um ambiente hostil. Mas preparando membros e voz, gestos e textos, imagens e sons; dando lento corpo a ideias para uma revolução de gostos e comportamentos, para uma estação de flores que sabemos há de chegar porque a trazemos já dentro de nós, a caminho de serem diferentes das flores do passado porque serão as flores do futuro.

 

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