Opinião: O falar Frantugais

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Estou na retraite em Portugal para profitar. Dado que o ordinador não marcha e que são horas, vou promenar o cão e aproveito para beber um coup no centro villa.

A mulher aproveita para pedir: ferma a fenetra da cusina antes de saíres.

Diz o homem: no caminho vou parar no magasin fazer as comissões, queres que compre uma água petilhante ou un jou de fruit?

A mulher responde e aproveita para aconselhar: traz uma botelha de pinar, não te esqueças de só passares o fogo rouge depois de estar verde, depois do ronpoint turna à direita e põe o clignotan para entrares na autorouta.

Catastrofe ou desculpa do senhor, que telefona à esposa? Oh mulher as carotes estão cuitas, fui ao distributor, avalou-me a carta azul, como tudo isto nao chegava, o tuyo tem uma fuita e a bagnola está em pana.

 

Poderíamos continuar escrevendo todo o artigo só com expressões deste tipo. Que linguagem será esta? As expressões utilizadas foram retiradas do calendário do «avent» que o humorista José Cruz publicou este mês no seu facebook entre o princípio do mês e a véspera do Natal.

José intitula esta língua o Frantugais ou Frantuguês.

Pergunta que se coloca: como escrever este tipo de expressões?

Já estou a ver e a ouvir críticas dos puristas. A pergunta que fazemos é: o que é o purismo de uma língua? A línguagem não será algo que muda, que evolui, que se adapta em função das trocas, das invasões, de influências? Destas expressões poucas viveram, contudo talvez algumas delas farão parte da linguagem comum daqui por 100 anos.

Estas expressões, estamos convencidos, resultam do facto da imigraçao portuguesa em França ser ainda relativamente recente.

Quantos de nós, em conversas entre portugueses de origem, não a começamos em português e terminamos em francês ou vice-versa? Isto acontece-nos mesmo sem nos apercebermos e sem que choque. Será que há – ou houve – este misto de linguagem em outras nacionalidades que emigraram para França?

Há, provavelmente no acumular deste dito de expressões, o reflexo do nível de cultura, contudo quem não se deparou com a dificuldade de ter de misturar as duas línguas para se exprimir ou fazer compreender? Quem não se encontrou com o problema de não se lembrar de uma palavra tanto em português como em francês?

Por outro lado, como exprimir, escrever, por exemplo, “em bom português”: vou comer uma choucroute ou fazer uma salada de envives?

Com os tempos, os hábitos mudam, e por vezes rapidamente admitimos algo que não se aceitava há dez, vinte anos atrás. Estamos a lembrar-nos algumas segundas-feiras, dia de marcado no Fundão, em que se ouvia dizer pelos Portugueses de lá, dos Portugueses de cá: «olha estes gajos franceses, não percebem de nada e têm a mania de saber falar francês, de só falarem francês».

Os anos passaram, e alguns dos que criticaram, acabaram por emigrar e se encontrarem na mesma situação.

O Frantugais, não será uma linguagem que afinal permite aos Portugueses de França de se fazerem compreender pelos Portugueses de lá?… “É pá, para festejarmos o início das minhas vacânças venha daí uma bierra… à tua santé”.

O Frantugais, frantuguês é, do momento, um tipo de expressão que os nossos humoristas de cá utilizam. Talvez seja uma maneira exagerada de sublinhar a nossa maneira de ser, contudo todo o tipo de humor não será uma forma de pôr em evidência, de sublinhar certos caracteres, certas maneiras de ser?

Pesquisadores estudam este falar, a utilização deste tipo de expressões. Quanto tempo o Frantugais vai subsistir na nossa maneira de nos exprimirmos? O seu desaparecimento não vai coincidir com o próprio desaparecimento da prática do português pelos nossos filhos de origem portuguesa em França?

Para terminar, e como estamos entre nós, vou fazer-vos uma confidência: não sei se foi pelo que comi na noite da consoada ou por ter apanhado frio, mas estou constipé, aliás dói-me o coup, será que dormi mal ou que é resultante de estar constipé?

 

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