Opinião: “Quando não há empregos a sul, mandamos os nossos filhos para o norte”

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Esta frase não é minha, pertence ao meu professor de inglês de há uns 10 anos. Ele ajudou-me a facilitar grupos de jovens quadros de uma grande multinacional, quando eu andava pelo mundo a fazer formação de integração de recém-admitidos nesse grupo empresarial. Era cidadão norte americano, e na altura vivia em Portugal ajudando em programas de habitação social.

Nesse tempo, ambos tínhamos filhos com idades que anteviam uma entrada no mercado de trabalho para breve. Estávamos em plena crise financeira e o desemprego jovem era elevado (19% para idades inferiores a 25 anos).

Naturalmente que a nossa conversa resvalava para o medo que tínhamos de os nossos filhos não conseguirem arranjar um emprego decente. Digo emprego decente quando falamos de um contrato sem termo, descontos adequados para IRS e Segurança Social, subsídio de almoço, férias e Natal.

O que havia era trabalho temporário, recibos verdes e contratos a prazo mal remunerados. Quase ninguém contratava efetivos.

Sejamos francos, nenhum(a) jovem compra casa, tem filhos, forma uma família e sai de casa dos pais, nessas circunstâncias. Foi aí que o meu coach de inglês me surpreendeu, quando olhou para mim de forma descontraída, e disse tranquilamente “Nos EUA, quando não há empregos a sul, mandamos os nossos filhos para o norte”.

Obviamente, não pensei sugerir à minha filha que procurasse emprego em Braga ou Viana do Castelo. Até pensei que ele eventualmente estaria a sugerir que o contratasse como explicador de inglês da minha filha, mas rapidamente percebi a mensagem. Olhei para o meu mapa mental da Europa e pensei onde seria melhor para ela: Reino Unido, Alemanha, Escandinávia, França?

 

Da emigração para a plena cidadania europeia

Se há alguém que pensa que o sul da Europa se verá livre dos níveis de desemprego jovem crónicos de dois dígitos, terá de esperar muitas dezenas de anos. Mesmo com a eventualidade de termos uma Federação Europeia no final da década, com plena liberdade para trabalhar, com equivalências profissionais, sistema de educação comum, segurança social integrada, com hábitos de mobilidade enraizados e conhecimento de línguas amplamente generalizado, tal poderá demorar uma geração.

Até lá, sabemos dos problemas que os nossos emigrantes ainda têm em empreender e exercer atividade económica em muitos países, que não só prejudicam a sua integração como contrariam as regras do mercado único na União Europeia (UE).

As Comunidades portuguesas há muito que querem usufruir dos seus direitos de cidadania e merecem a devida integração plena nos países membros, para além da sua justa representatividade política no Parlamento português e nos órgãos locais das regiões onde vivem e trabalham. Todos os Portugueses(as) podem estudar, viver, fazer compras, trabalhar e até reformar-se em qualquer país da UE. Isto está na própria definição do que significa o mercado único!

 

Discriminação (inconstitucional) dos trabalhadores independentes

Muitos dos nossos jovens não veem outra alternativa à saída do país, ou ao próprio desemprego, que não tornarem-se trabalhadores independentes (TI). Poucos por opção e a grande maioria como forma de obter rendimentos ou encobrimento de prestações de serviços em permanência, vulgo “falsos recibos verdes”. Ao todo, são mais de 560 mil em Portugal, os chamados os trabalhadores independentes “isolados” (não empregadores).

Todos sabemos que o mercado laboral português é um mercado dual, sendo caracterizado por uma excessiva proteção de trabalhadores efetivos e por uma excessiva precariedade dos restantes trabalhadores. Algo que não se aplica noutros países europeus. Porém, na cobrança de segurança social destes profissionais, Portugal já se atualizou, uma vez que estes profissionais já pagam contribuições sociais de 21,4% dos seus rendimentos (no caso de TI) e de 25,2% para empresários em nome individual (ENI).

Entretanto, já foi escrito e divulgado o escândalo da discriminação dos trabalhadores independentes no acesso antecipado à reforma por desemprego de longa duração, alguns Partidos incluíram o fim dessa inconstitucionalidade no seu programa eleitoral (Volt Portugal e PSD). A Provedoria da Justiça anda a investigar o assunto e já notificou a Segurança Social dessa irregularidade.

Prosaicamente, o racional é de que um trabalhador independente só entra em desemprego se se despedir a si próprio, logo, quando muito entra em cessação de atividade e não em desemprego. O que é contraditório com a já existência de um subsídio de cessação de atividade, que basicamente funciona como subsídio de desemprego. Portanto, a segurança social assume, por um lado, que podem ficar sem atividade e merecer subsídio, mas por outro lado, não podem beneficiar de reforma antecipada por desemprego de longa duração!

Para além do que foi descrito acima, um trabalhador com este tipo de rendimentos retém obrigatoriamente na fonte 25% do seu IRS, e responde, de forma ilimitada, pelas dívidas contraídas durante o exercício da atividade.

Ainda, para ter o subsídio de cessação de atividade, tem de encontrar-se em situação de dependência económica no ano civil em que pede o subsídio e no ano civil anterior. Paradoxalmente, não é difícil nos dias de hoje, na medida em que a maioria são “falsos recibos verdes” dependendo de um único empregador (suposto cliente).

No entanto, se for um TI com vários clientes e que, entretanto, a pandemia lhe arruinou de tal forma o negócio, vai para a fila dos apoios extraordinários para o Covid-19.

 

O norte também gosta do sul e os Portugueses também gostam de Portugal

O que é triste é que um(a) jovem que deseja fazer uma carreira de trabalho, com a proatividade e dinamismo que a idade naturalmente aporta, tenha de vencer obstáculos e barreiras cuja legalidade é questionável.

Não vale a pena arranjar estágios remunerados, descontos fiscais para quem emprega jovens e programas de formação para supostas competências em falta. Basta cumprir com as leis fundamentais do país e que a pressuposta “sustentabilidade da segurança social” deixe de atropelar o que preconiza a Constituição da República no seu artigo 13º (Princípio de Igualdade).

Por fim, estamos a festejar os 30 anos do Tratado de Maastricht e ainda falta finalizar o mercado único de maneira a que a liberdade de viver e trabalhar em qualquer país da UE seja uma realidade e não um projeto de emigração encapotado. Qualquer português(a) tem o direito de poder explorar as oportunidades da Europa comunitária alargada. Já é altura de acabar com a falsa ideia de emigração de cidadãos europeus dentro da UE.

Os jovens que saírem do país para procurar trabalho na UE podem fazê-lo sem receio de estigmas, porque são cidadãos europeus de pleno direito. Se estiverem a receber subsídio de desemprego ou de cessação de atividade, já podem inclusivamente pedir transferência para qualquer país membro e lá ficarem durante 3 meses (renováveis por mais 3 meses), mantendo as prestações intactas vindas da Segurança Social de Portugal. Basta para isso pedir o Modelo U2 no Centro de Emprego onde está inscrito. Esta opção é infelizmente ainda pouco conhecida e deveria, na minha opinião, ser mais e melhor divulgada.

Portugal não é só o seu território, é a sua língua e a sua cultura. É a herança deixada na Europa e no Mundo por aqueles que lá passaram e atualmente lá vivem e trabalham. Os jovens portugueses que saíram do país para estudar, trabalhar e empreender já têm uma atitude diferente. Viajam para Portugal e regressam com muito mais frequência, para depois voltar a sair. Muitas vezes trabalham de fora para dentro de Portugal.

Participam cada vez mais na vida democrática do seu país, votando nas eleições e inseridos em organizações cívicas. A tecnologia, a internet e as redes sociais de hoje em dia possibilitam um envolvimento muito maior em permanente contacto com o nosso país. Saibamos nós corresponder e tirar proveito deste potencial enorme de influência social, cultural e económica na Europa e no Mundo.

 

Pedro Malheiro

Candidato #2 do Volt Portugal ao Círculo da Europa

Membro do Conselho Nacional do Volt Portugal

 

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