Porque aconselho os Emigrantes a negociar com o Novo Banco

Tenho desde a primeira hora, uma posição muito crítica sobre o modo como o Banco de Portugal tem aplicado a “resolução bancária”. Discordo profundamente da interpretação que tem sido feita, tanto das normas do direito português como das do direito comunitário, recusando-me a aceitar a imposição totalitária de uma espécie de “estado de sítio”, confiante de que, um dia, o Estado de direito há-de ressuscitar.

Custa-me a crer que quem manda na Justiça é um grupo do Facebook.

Mas isso não significa que eu acredite na Justiça ou nos juízes.

Acho que se eu fosse juiz (também) não teria a coragem que é necessária para fazer Justiça, nos casos relativos à resolução bancária, especialmente nos casos em que o Banco de Portugal destruiu completamente a vida dos particulares.

Desde o princípio – passaram mais de 3 anos – que afirmo que os processos em que se discutem as medidas de resolução aplicadas aos bancos esperarão dezenas de anos para ser julgados em definitivo.

Desde o primeiro dia que afirmo a minha convicção de que nunca o Banco de Portugal fornecerá aos particulares informações ou elementos de prova que permitam, no mínimo, propor ações de responsabilidade civil contra os membros dos órgãos sociais, que o mesmo banco central acusou de irregularidades.

Desde o primeiro dia que afirmo a minha convicção de que nunca haverá contas limpas, relativamente às operações de resolução bancária, porque as mesmas se hão-de processar, essencialmente, como gigantescas operações de branqueamento, como também acontece, por regra, nos processos de falência e insolvência.

Parafraseando Fernando Pessoa – e o seu Conto do Vigário – tenho para mim que a resolução bancária é, essencialmente, uma vigarice.

É grave, porque, em Portugal é uma vigarice que estoirou com o sistema financeiro, de forma irrecuperável para 3 ou 4 gerações, como já aconteceu na 1ª República.

As pessoas mais pobres aprenderam o que só os ricos sabiam: que o dinheiro que depositam nos bancos deixa de ser seu quando o depositam num banco, porque passa a ser do banco que tem os depósitos. É o paradoxo do depósito irregular.

O impacto deste conhecimento é tão grave que os partidos da geringonça se viram obrigados a ir em socorro dos banqueiros e a proibir que se façam pagamentos com mais de 3.000 euros em dinheiro.

Mas nem assim evitam o que é natural: que as pessoas guardem o dinheiro em espécie, porque o sistema bancário não merece confiança e se tornou perigoso.

Também muita gente aprendeu que se podem fazer boas aplicações, desde a compra de imóveis até ao empréstimo a particulares com garantia hipotecária. É possível fugir dos bancos como o diabo foge da cruz.

Ao longo dos últimos 3 anos temos feito muito para ajudar os nossos clientes a encontrar alternativas aos bancos.

Claro que continuamos a entender que o Banco de Portugal e o Estado são responsáveis pelos prejuízos que causaram, com medidas de resolução que ofendem a lei e o Direito.

Patrocinamos ações pendentes, que demorarão muitos anos, talvez dezenas de anos, a chegar ao fim, exceto se houver o bom senso de encontrar soluções negociadas.

Há indemnizações que serão pagas pelo Estado, em câmaras arbitrais internacionais, sem que alguma vez os contribuintes tenham disso conhecimento.

Infelizmente, há em tudo isto uma injustiça estrutural, pois que os tratados para proteção de investimento discriminam negativamente os portugueses…

Os emigrantes são as vítimas da suprema vigarice do BES.

O banco montou um aparelho para vender aos emigrantes produtos qualificados como “depósitos a prazo com garantia de capital e juros” mas, em boa verdade, o que fez foi pô-los a subscrever ações representativas do capital de sociedades comerciais sediadas na ilha de Gernsey, um paraíso fiscal britânico, no Canal a Mancha.

O Banco Espírito Santo era o depositário desses valores mobiliários que, em parte por isso, passaram para as contas do Novo Banco. Está por explicar como, quanto e em que circunstâncias foram transferidos para essas sociedades os recursos da subscrição do seu capital social.

Muito recentemente, soube-se que as sociedades EuroAforro 8, PoupançaPlus1, PoupançaPlus5, PoupançaPlus6, TopRenda4, TopRenda5, TopRenda6, TopRenda7, EuroAforro10 e EGPremium são administradas pelo Sanne Group, mas não se conhecem quaisquer contas, não se conhecendo tampouco os estatutos e o endereço das sociedades.

Na semana passada soubemos que, com exceção da EuroAforro10 e da EGPremium, os ativos dessas empresas são constituídos, quase exclusivamente por obrigações do Novo Banco, desconhecendo-se, em absoluto, em que circunstâncias foram emitidas, uma vez que o capital captado junto dos emigrantes o foi antes da constituição do Novo Banco.

Conhecendo-se como se conhecem os mecanismos de offshore britânicos e, sobretudo, a proteção que a lei britânica faz do trust, a pergunta que importa fazer é a de saber que razões motivaram que o Banco de Portugal e a CMVM tivessem permitido que o BES vendesse aos seus balcões valores mobiliários de empresas sedeadas em paraísos fiscais.

Quando a esmola é muita o pobre desconfia.

E, por isso mesmo, é questionável a “coincidência” de o dinheiro dos emigrantes estar “empatado” em obrigações emitidas pelo Novo Banco e de eles não serem credores destas obrigações mas de ações da sociedades que as detêm.

Até parece que estamos perante um milagre, ao estilo dos da Rainha Santa. Mas logo se vê que o milagre tem um preço, mais parecido com os das notas de 100 mil reis do António Vigário, de Fernando Pessoa, do que das rosas de D. Isabel.

O Novo Banco quer dar uma ajuda aos emigrantes, mas quer um desconto de 25%. Será isso razoável?

Deixemos as ações de responsabilidade de lado – porque essas, como já afirmamos, vão demorar dezenas de anos, como melhor explicaremos.

Centremo-nos no que têm os emigrantes depositado nos seus bancos: têm ações preferenciais, representativas do capital dessas empresas de offshore, que deveriam pagar um dividendo fixo e não pagam.

Os únicos ativos dessas sociedades são obrigações do Novo Banco.

O Novo Banco é objeto de uma negociação com um fundo americano – o Lone Star – que, ao que parece, exige que o mesmo reduza a sua dívida e aumente o volume dos seus depósitos.

O Novo Banco poderia, com facilidade, negociar o pagamento as obrigações à entidade gestora das empresas, que é a Sanne, ficando os investidores em ações preferenciais nas mãos da entidades gestora, até por não terem direito de voto como acionistas preferenciais.

E poderia, naturalmente, exigir da Sanne que, no quadro de tal negociação, depositasse os recursos em contas do Novo Banco. Ninguém daria por isso, porque não há contas e não se conhecem os documentos essenciais.

O mecanismo das ações preferenciais sem voto serve, especialmente, para criar quadros de bloqueio; e a continuação do bloqueio era perfeitamente possível.

Naturalmente que não acredito que o Novo Banco esteja a fazer um qualquer esforço para ajudar os emigrantes.

Está a procurar resolver os seus próprios problemas em termos que previnam problemas futuros; e é nesse quadro que todos os emigrantes podem ganhar.

Vejamos as duas alternativas que se prefiguram:

a) Mantém-se tudo na mesma e os emigrantes continuam a ser credores de dividendos das ações preferenciais sem voto, na jurisdição de Gernsey;

b) O Novo Banco promove, com o apoio da maioria dos acionistas preferenciais, a liquidação das sociedades, no quadro delas, a liquidação dos ativos das mesmas, garantindo o pagamento de 75% por via da distribuição do produto de tal liquidação, constituído, essencialmente, pelo valor das obrigações por ele mesmo emitidas.

Para que a segunda alternativa seja viável, é indispensável obter a maioria dos acionistas preferenciais, sendo lastimável que sejam impostos prazos, sem que haja condições para subscrever o que quer que seja, pois que ainda não há textos sólidos e não pode exigir-se que as pessoas emitam cheques em branco.

Se for verdade o que nos disseram na reunião realizada no Novo Banco, parece-nos que pode ser vantajoso aderir a um plano de liquidação das sociedades de offshore, com a contrapartida do depósito de 75% do valor investido.

Mas porque é preciso muito cuidado com o que se assina, consideramos muito importante, antes de tudo, conhecer os textos e, depois, precisar os poderes de que outorga, de modo evitar o abuso de direito.

Por isso mesmo, conhecendo como conheço este pequeno mundo, entendo que cada investidor deve, preferencialmente, mandatar os seus advogados para subscrever os delicados instrumentos que estão em causa.

LusoJornal