“Variations sur le Portugal”, de Marc Terrisse, uma profunda análise sobre as complexidades lusitanas

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Marc Terrisse já havia surpreendido, em 2019, com a publicação de “Lisbonne, dans la ville musulmane” (Éditions Chandeigne), na qual, através de uma série de deambulações e encontros urbanos, convida o leitor a descobrir a relação especial de Lisboa com a cultura islâmica desde a antiguidade até aos nossos dias.

Agora, em “Variations sur le Portugal” (Éditions Cosmopole), Terrisse, doutorado em História e antigo Diretor do Institut du Monde Arabe de Tourcoing, vai mais longe e mergulha profundamente nas “variações” da identidade portuguesa, particularmente nos seus paradoxos que oscilam entre humildade extrema (será, como diz o autor, complexo de inferioridade?) e orgulho enraizado numa história imperial devoluta, ou entre fatalismo e ‘art de vivre’ meridional. ‘Art de vivre’ onde persiste “a fraternidade e a convivialidade, desaparecidas da maioria das sociedades da Europa ocidental”, analisa o autor, especulando se “Portugal não será o ponto de encontro entre solidariedade e liberdade, essa civilização dos possíveis, reconciliando os valores do oriente e do ocidente”? A mistura perfeita entre o calor mediterrânico e a temperança atlântica.

Marc Terrisse não se revela apenas como um dos mais bem preparados intelectuais franceses no que diz respeito aos “estudos lusófonos”, ele, promotor aguerrido da transculturalidade e do respeito mútuo entre culturas e povos, revela-se acima de tudo um apaixonado por Portugal e pelas culturas que se expressam em língua portuguesa.

Terrisse, porém, não se fica pela História – excelentes os capítulos sobre o Al Andalus, as relações entre Portugal e Espanha (“un rempart contre l’Espagne”) ou entre Portugal e “l’ami anglais” -, ele explora a contemporaneidade portuguesa e conduz o leitor pela melhor literatura e arte portuguesas do último século e meio, desde Eça de Queiróz a José Saramago, sem esquecer os franco-portugueses que ajudaram a construir a França dos séculos XX e XXI. Uma Comunidade rica e diversificada que é o fruto da longa relação entre a França e Portugal, nomeadamente aquela que começou com a Grande Guerra e culminou nas décadas de 1960 e 1970.

Mas esta digressão por caminhos lusitanos, levam-nos também às ilhas atlânticas, à douta Coimbra, ao Alentejo, à eterna Lisboa ou ao Porto, “a outra capital”, a cidade nortenha que encabeça um “conjunto que, por vezes, se dissociou do sul ao longo da História”, conclui o autor. Uma rivalidade que, brinca ele, vai muito além da rivalidade futebolística entre Benfica e FC Porto.

Como bem se demonstra neste livro, Portugal não é só temperança e fatalismo, riqueza cultural e diversidade paisagística. Portugal é também feito de feridas por sarar e de temas sobre os quais, apesar das resistências, urge debater: o legado deixado pela Inquisição e o racismo que o colonialismo deixou bem enraizado na sociedade portuguesa.

Sem entrar no estéril debate sobre se Portugal é ou não um país racista, Marc Terrisse aponta em “Métissage et negritude” que se, pela primeira vez, em 2019, Portugal acordou com três Deputadas negras no Parlamento, esse histórico acontecimento foi abafado pelo súbito crescimento da extrema-direita neofascista, cujo chefe alcançou 12% dos votos nas Presidenciais de 2021. E este é mais um dos paradoxos portugueses: um país que hesita entre progressismo humanista e pulsões reacionárias, entre tolerância e ódio, entre um 25 de abril (de 1974) sempre e um saudosista 28 de maio (de 1926).

Estamos então perante um dos melhores livros sobre Portugal jamais escrito por um autor francês. Uma obra inestimável para uma melhor compreensão das complexidades portuguesas junto do público francês.

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