LusoJornal / António Borga

Fátima Lopes: a criadora portuguesa festejou 20 anos de presença em Paris

Tudo estava a postos para este desfile de Fátima Lopes ser único. Primeiro o lugar, a Embaixada de Portugal em Paris, depois a escolha musical que era uma mistura de música eletrónica e de música tradicional portuguesa com Dulce Pontes e por fim o tema do desfile «Portugal».

Uma coleção outono/inverno composta por 41 combinados, apenas 39 desfilaram, que representam os seus 41 desfiles na capital francesa. De notar que os modelos que desfilaram eram russas, brasileiras, africanas… sendo que a maior parte eram portuguesas.

As peças desta coleção tinham inspirações em diversos aspetos da cultura portuguesa como a calçada portuguesa com o preto, branco e cinza, o mar com tons de azul e efeitos de volumes, ou ainda tons terra com o verde, o castanho e o vermelho.

Em entrevista ao LusoJornal, Fátima Lopes explicou o conceito desta nova coleção, mas sobretudo abordou o seu percurso até este 41° desfile, e ainda falou do criador que faleceu recentemente, Karl Lagerfeld.

 

O que podemos dizer deste desfile que marcou os 20 anos de presença em Paris?

Eu fiz 20 anos em Paris, 41 desfiles consecutivos. Esta aventura começou em março de 1999, quando toda a gente dizia que era impossível, eu teimosamente vim para cá e nunca mais parei, são dois desfiles por ano em Paris. Ora sendo o primeiro português a desfilar na Fashion Week de Paris, e o único há 20 anos, eu achei que estava na altura elevar o orgulho nacional e homenagear a minha terra, portanto tinha que ser Portugal. Estamos na Embaixada porque é a casa de Portugal em Paris. Tudo isto foi pensado. Trouxe um DJ de Lisboa, que fez a música com Dulce Pontes, ‘house’, fado, uma mistura. Foi tudo pensado ao detalhe. Os sapatos são dourados porque é o sol de Portugal. Os azuis escuros são o mar, os verdes e os castanhos, a terra. Houve dois fatos que não desfilaram, porque trocaram a ordem e eu não deixei entrar. O que é trocado, não entra. Ficaram dois de fora, é pena porque eram 41 e desfilaram 39. E falta a calçada portuguesa, aliás o desfile começou com o preto e o branco da calçada portuguesa, e depois ainda havia os azulejos… Nada é evidente. A inspiração é Portugal, mas é tudo muito moda, muito subtil. Aqui não há cópias de nada. E há materiais nobres com sedas e rendas, os casacos são de caxemira. Tudo isto é à séria, muito pensado. Para mim, talvez, a minha melhor coleção, foi a melhor coleção de sempre posso dizer isso da minha coleção dos 20 anos. Eu quero vestir todas estas peças e foram todas feitas para mim. Elas servem-me (risos). Não podia estar mais feliz neste momento de aniversário.

 

Que balanço podemos fazer destes 20 anos?

Eu acho que já faço parte disto. Primeiro desfile há 20 anos atrás, estava tão nervosa que no dia anterior tive uma alergia de pele que nunca tinha tido na vida. De repente, um monstro! Não queria acreditar. No dia a seguir já não tinha nada. Foi só para aquele desfile, só para perceberem o nervoso que foi porque eu não sabia o que ia acontecer. Nunca ninguém tinha tentado e as pessoas diziam ‘é impossível, não vais conseguir’, à boa maneira portuguesa. Nós somos uns desenrascas mas também há aquele culto do coitadinho, de que não é possível. Eu sou exatamente o contrário, eu acho que tudo é possível. Claro que eu nunca sonhei isto. Quando saí da Madeira com sonho de moda, o meu sonho de moda era Lisboa, mas quando cheguei a Lisboa comecei a perceber que era possível ir mais além e porque não Paris? As pessoas diziam que era impossível. Nunca ninguém tinha tentado. Estar cá, há 20 anos consecutivos, dois desfiles por ano em Paris, aconteça o que acontecer, faz parte de mim. São dois desfiles em Paris e dois desfiles em Portugal, além de outros pelo mundo fora, mas esses não contam. Os que contam são os de Paris e de Portugal. Começa sempre por Paris, que é realmente a capital da moda, e é isto que me move e que me faz sentir ao rubro. Eu neste momento sinto que tudo é possível. Quando eu comecei na moda, em Paris dizia-se que uma marca faz sempre 20 anos, menos do que isso não se faz. Eu consegui!

 

E agora o que podemos esperar de Fátima Lopes?

Eu não imagino viver de outra forma. Agora que faleceu o Karl Lagerfeld, eu acho que eu me identifico nessa visão de paixão, de viver até ao último dia a moda, enquanto houver saúde. Ele viveu até ao último dia a moda, e eu quero exatamente a mesma coisa. Palavra ‘parar’ não existe. Às vezes perguntam-me se vou fazer isto a vida inteira, eu respondo que vou, porque isto não é um trabalho, é uma paixão para mim. Eu quero viver até ao último dos meus dias, enquanto tiver saúde e puder, a fazer isto. Já não será na Embaixada, já será outro tema, mas a fazer moda.

 

É possível inovar sempre?

Isso é sempre possível. Eu começo a desenhar uma coleção sempre do zero, e as coisas nascem. Eu penso num tema, mas este foi muito fácil. Quando pensei 20 anos, qual é o tema? Só podia ser um, Portugal. Desde o primeiro dia eu sou ‘la créatrice portugaise’, eu sou ‘the portuguese fashion designer’, toda a vida fui. Eu sempre fiz questão em que escrevessem o meu nome com um ’s’, sempre disse que era muito portuguesa quando não havia nenhum orgulho nacional cá. Nessa altura as pessoas não tinham orgulho em serem portuguesas e eu sempre tive. Quando vim para cá eu disse que era portuguesa e que ia me afirmar como tal. No início os Franceses diziam ‘Fátima Lopez’ e pensavam que eu era espanhola, e eu disse não! não é com um ‘z’, é com um ’s’. Orgulhosamente portuguesa. Agora o gozo que tenho é que após 20 anos já não é nenhuma admiração ser portuguesa. Já não me perguntam ‘Portugaise, c’est pas possible?’, eles não acreditavam que eu fosse portuguesa. Agora Portugal está na moda. Eu conheço o antes e conheço o agora, que são duas realidades diferentes. Eu vivi esta mudança, esta transformação. Eu queria mostrar um Portugal moderno no meu desfile dos 20 anos e acho que foi o que fiz.

 

Quais são as previsões no que diz respeito ao lado comercial?

Eu tive muitos clientes que já me disseram que queriam peças da coleção. Eu acho que é uma coleção comercial. Apesar de ser uma coleção sofisticada, é uma coleção que é para usar. Foi toda pensada para ser usada. Do casual ao super sofisticado, é para toda a gente usar.

 

A morte recente de Karl Lagerfeld perturbou Fátima Lopes?

Não me abalou porque ele teve a vida que eu sonho ter, que é viver a moda até ao último dia. Tinha 85 anos e eu acho que ele viveu feliz. Ele fez aquilo que quis. Como criadora, é o meu sonho de moda, trabalhar até ao meu último dia e ter o sucesso que ele teve. Se vivesse até aos 85 anos com aquele sucesso, eu era feliz. Não foi uma morte de desgraça. Claro que podia ter vivido mais, mas acho que ele viveu feliz até aos últimos momentos. Nunca ninguém vai esquecer o Karl Lagerfeld. É um marco, é uma figura. Não posso dizer que me identifico com tudo porque a forma de ele ser, não! Muitas coisas que ele dizia, eu não me revejo, mas revejo-me na paixão pela moda e de dedicar a vida à moda. A minha vida é a moda, a minha grande paixão é a moda. Tive muitos casamentos, mas a minha grande paixão é a moda. É a única que será eterna enquanto eu for viva.

 

Em 20 anos a Semana da Moda mudou?

Muita coisa mudou em 20 anos, aliás todos nós mudamos. Eu cresci muito aqui. Eu não tenho medo dos ‘maiores do mundo’. Claro que não tenho os impérios de nenhum dos criadores de cá, mas não tenho medo de competir em termos de design, de qualidade… Disso não tenho medo. Não sei se devia dizer isto, mas a Madame Figaro escolheu dois vestidos como melhores da Fashion Week do ano passado, agora só digo para irem ver a coleção deste ano da marca Emporio Armani. Não digo mais nada… (risos)!

 

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