Home Política Montalegre: Votar em Portugal porque aqui estamos «emprestados»Carlos Pereira·22 Outubro, 2017Política João Marques Araújo é emigrante em França há 12 anos. Mora em Garches (92) mas diz que é membro da Assembleia de Freguesia de Vilar de Perdizes. Nas anteriores eleições autárquicas em Portugal também angariou votantes para se deslocarem propositadamente a Montalegre. Desta vez foi mais cedo. Mas lá estava para votar. O Ministério Público levantou suspeitas de fraude eleitoral em Montalegre, alegamente por terem sido pagas viagens a emigrantes para irem votar a Portugal. O caso foi levantado por uma reportagem da RTP. O LusoJornal encontrou João Araújo, que nega o pagamento de viagens. A entrevista foi gravada e ao ouvirmos as respostas, decidimos publicar a totalidade da conversa. É uma entrevista longa, por vezes confusa, mas acreditamos que seja pedagógica e sobretudo não queríamos tirar frases do seu contexto. Está consciente que está a prestar falsas declarações ao dizer que que mora em Portugal, quando na prática mora em França? Se nós temos os nossos bens em Portugal, as nossas casas, os nossos terrenos,… A culpa é do estrangeiro, da França, que não faz a Carte de Séjour como fazia antes. Automaticamente o único documento que temos em França é a Carte Vitale, o cartão da Segurança social. Não. É o Cartão do cidadão português. O Cartão do cidadão português também, mas eu estou aqui há 12 anos e nunca mudei a morada no Cartão de cidadão. A única morada que tenho cá é a da Carte Vitale. Estou aqui a trabalhar há 12 anos e no meu Cartão do cidadão estou a residir em Portugal. 80% dos Portugueses fazem como eu. Então onde está o erro de ir votar à minha aldeia, à minha terra, onde eu fiz a minha casa? O erro é que prestou uma falsa declaração porque não mora lá. Não moro lá? Eu vou passar lá as minhas férias. Vou lá uma vez por mês. Não sou o único, há vários. Praticamente todas as pessoas que foram votar a Portugal estão reformadas, fazem mais a vida lá do que cá. Na reportagem da RTP havia gente nova… Gente nova, havia uns 5 ou 6. Estamos a falar de Montalegre. Porque foi um autocarro organizado pelo PSD para Chaves e ninguém divulgou nada. Na minha aldeia, este ano não houve candidatos pelo PSD porque o Presidente da Câmara, digo alto e bom som, fez tudo o que nós precisávamos. E nós não podemos faltar ao respeito ao nosso Presidente da Câmara que nos fez dois campos de futebol sintéticos, fez-nos ruas, tudo o que pedimos, ele fez. Nem houve ninguém que se quisesse candidatar pelo PSD porque não houve ninguém que quisesse faltar à consideração do Presidente da Câmara. Eu este ano não pedi a nenhum amigo para ir comigo votar, porque não fazia falta. Há 4 anos, eu levei 20 pessoas. Levei o meu filho, a minha mulher, a minha nora, levei dois amigos que tenho, mais dois amigos, pagámos cada um o nosso bilhete. Juntamos-nos, 15, 20, cada um paga o seu bilhete, 80 ou 100 euros, alugámos uma carrinha que é da minha aldeia, do nosso concelho, que nos levam uma média de 300 a 350 euros para nos vir buscar ao aeroporto e trazer. E isto é uma dor de cotovelo que anda por aí, uma dor de dentes, porque não é mais nada. É um fogo de artifício. Então, mas quantas pessoas foram este ano votar a Montalegre? Este ano foram uns 20. A reportagem mostrou muito mais… A reportagem mostrou os do PSD que também foram de autocarro, para votar. 27, 28 foram no avião. Eu estou ao corrente. Era um autocarro de Montalegre e dois autocarros de Chaves. De Montalegre só estava o autocarro do Aníbal Moura, não confundam. Havia lá mais autocarros, mas não eram de Montalegre. Iam para Chaves, para Bragança, vão para todos os lados. Os de Chaves foram para votar no PSD, mas como o do PSD de Montalegre e outro colega de uma freguesia têm dor de dentes, foi ele que divulgou… nós já sabiamos. Eu não sou do PS, sou do PSD, só que o Presidente da Câmara é muito meu amigo há mais de 30 anos e eu voto nele e não voto em nenhum Partido. Nestas questões do concelho e da aldeia, eu voto na pessoa e não voto no Partido. A única coisa que ali há são duas pessoas, ainda antes das eleições, já sabiam o que se passava nos outros anos porque um deles colaborou há 4 anos para irem emigrantes, só que este ano fez uma lista independente e foi daí que armaram o fogo de artifício. Mas o Ricardo de Padronelos, antes de ir ao aeroporto, ele já sabia que estava a ser filmado. Eles já sabiam. Só foi para lhes dizer a esses… de nível muito baixo, que não tem medo de ir buscar os amigos e os familiares dele ao aeroporto e vai-os acolher com todo o carinho para irem votar nele. Foi isto que se passou, mais nada. Explique lá tudo melhor. Sairam daqui de França 25 pessoas. Funciona assim: eu tenho 10 ou 12 amigos na minha vila, vou a um café a Puteaux e tenho lá mais uns 10 ou 12 amigos. E nós vamos perguntando: queres ir votar pelo teu primo, ou pelo teu amigo? Vou. Quanto custa o bilhete? 80 euros. E há um deles que se ocupa de tirar os bilhetes todos e manda vir o taxi da vila ao aeroporto. E este ano foi você? Este ano não fui eu. Nem sequer cá estava. Já estava em Portugal. Mas nos outros anos fui eu. Há 4 anos juntei 25 ou 26 pessoas. A minha mulher, os meus filhos, mais 5 ou 6 amigos, mais 10 amigos, mais 12 amigos, da minha aldeia, cada um pagou o seu bilhete, ao mesmo tempo vamos ver a nossa família e regressámos à base. 1.500 não é um número realista? Isso é tudo uma falsidade. Cada um paga o bilhete. Dão-me o dinheiro e eu compro os bilhetes. Então não há viagens pagas? Não há viagens pagas. Isso é tudo um fogo de artifício. Isso é tudo uma dor de dentes que aí anda. Há pessoas que vão no sábado, regressam no domingo. Vão lá só votar e gastam 400 euros? Isso é mentira. O bilhete custou 80 euros, senão podem informar-se. Custam 95 euros uns e 80 euros outros, ida e volta. 450 euros é tudo mentira. E há 4 anos ainda lhe posso dizer o preço do bilhete: foi 140 euros ida e volta. Sei muito bem quanto paguei, porque paguei. E depois, damos cada um mais 10 ou 20 euros para o taxi. Vamos dizer que custou 150 euros. O que pode acontecer é o Presidente da Junta pagar-nos um jantar. Um jantar paga-se a qualquer pobre, não é preciso ir lá votar para as eleições. E é isso que paga. Paga um jantar porque fica contente, fica satisfeito, umas vezes em casa dele, oferece-o, outras vezes num restaurante. No sábado à noite? Quem quer ir vai, mas 80% das pessoas, é sábado, e vão comer com as famílias. No dia de reflexão? É o dia em que vamos lá votar. Chegamos lá no sábado de manhã, no sábado à noite oferece-nos um jantar, que não vai toda a gente, porque nós temos o gosto de ir comer com as nossas famílias, mas aqueles que querem ir lá comer, que não têm lá a família, vão comer. São 5, 6, 7 jantares. As pessoas estiveram a trabalhar toda a semana, vão lá por algumas horas e regressam… Você não tem amigos? Você não faz um esforço por um amigo? Eu acho que quem corre por gosto, não cansa. Se eu tenho um amigo do coração, como eu tenho o Presidente da Câmara… Vou dizer-lhe uma coisa: nem que o bilhete me custe 500 euros, daqui por 4 anos, se eu ainda estiver na França eu vou votar porque são meus amigos, tenho uma consideração por eles. Um orgulho grande por eles, pelo trabalho que estão a fazer. Se me custar 500 euros, nem que ande um mês a trabalhar para esses 500 euros, vou lá com todo o prazer. Então, mas diz-se que há viagens gratuitas… O que disseram este ano, já o disseram há 4 anos, só que não foram à televisão. Mas sabe quem o diz? Os que têm dores de dentes e dores de cotovelos. Porque nunca ouvi dizer a nenhum dos que vai, que lhe pagaram o bilhete. Não ouvi dizer a nenhum dos que vai. Só dizem os de fora, porque têm dor de dentes. Há testemunhos de pessoas que dizem ter levado o bilhete e recebido o valor do bilhete em dinheiro. Desculpe mas isso tem de ser mentira. Porque os bilhetes foi uma só pessoa que os tirou, ou duas. Entende? Há 4 anos fui eu. E eu não posso dar-lhe o bilhete a si porque os bilhetes tenho-os eu. O que se passa é que as aldeias estão desertas durante o ano e no dia das eleições… Mas são crianças, avós e pais. Se me mostrarem as filmagens eu digo-lhes quantos são de Montalegre. E se forem mais de 27 eu pago outra vez os 27. Até foram pessoas de autocarro para votar para o PSD. Se não filmaram foi porque não quiseram. Também não sei se lhes pagaram os bilhetes ou não. Eu sei o que se passou no Partido Socialista. Você também costuma votar nas Legislativas e nas Presidenciais? Para o Presidente da República voto aqui. Não, não pode. Só podia votar cá, no Consulado, se estivesse recenseado cá. Não posso? Para o Presidente da Republica pode-se votar aqui. Eu tenho Cartão de recenseamento. Não, porque já não há Cartão de recenseamento, agora é o Cartão de cidadão. Você foi votar ao Consulado? Não. Quando é para o Primeiro Ministro é que vou votar em Portugal. Vai a Portugal votar também para as Legislativas? Vou. Para o Presidente da República fui uma vez votar pelo Nobre, porque vi que era uma pessoa digna. Isso é uma votade política muito grande… E não há gente que vai ver o futebol de Portugal à Inglaterra? Eu não gosto de futebol, o único orgulho que tenho é ser político. Porque é que eu não posso ser político e ir daqui a Portugal, à minha aldeia e porque é que vocês não conhecem pessoalmente 80% dos jogadores do Benfica e pagam bilhetes de 500 euros, mais 300 para entrar para um estádio, e comem e bebem, e pagam hotel. Porque é que um futebolista pode ir, mas um político não pode ir escolher uma pessoa da terra, porque gastou 150 euros? Porque se você mora em França, não pode estar recenseado em Portugal. Aqui nunca ninguém me obrigou a fazer nada. A minha casa é em Portugal, aqui as casas são dos Franceses. Porque os que estavam em Angola também diziam que as casas eram deles e depois vieram todos com o saco às costas. Aqui estou emprestado. Nós, os Portugueses, temos a mania que a França é nossa, mas não é. A França é dos Franceses. Nosso é Portugal. Entendeu? Há muita gente que anda enganada. Oxalá que não se enganem e oxalá que sejam felizes. Aqui moro numa casa alugada. A minha casa verdadeira, própria minha, que a fiz com o meu suor, é a de Portugal, a de Vilar de Perdizes. Todos os emigrantes suaram e têm a casinha deles lá. Aqui, 80 ou 90% estão numa casa alugada. Você pode até não ter nenhuma casa em França, mas a sua morada fiscal é em França. Eles sabem bem onde me vêm tirar os impostos. Mas eu não pago IMI em Portugal? Então é proibido eu ir votar a Portugal? Não. Mas é proibido prestar uma falsa declaração ao Estado. E se mora cá, deve votar nas eleições municipais em França. Eu não conheço as pessoas aqui. Então você está de acordo que eu vá votar pelo Presidente da Câmara de Garches? Que nunca vi mais gordo? Como é que eu posso ir votar por uma pessoa que nunca vi? Nem sei se está a trabalhar bem ou mal, porque não o entendo. Porque é aqui que você paga os seus impostos. Se você olhar bem, os Portugueses aqui, saem da corte para o lameiro e do lameiro para a corte, sem olharem se a vila está bem ou não está. Mas quando o emigrante vai a Portugal, olha para aquela vila e diz, porra, esta vila está linda, está a evoluir. Você aqui nem sabe se está a evoluir, porque vai de casa para o trabalho e volta depressa para casa. Porque é que eu vou votar numa pessoa que nem sei se está a trabalhar bem ou mal? Antes quero votar na minha aldeia, ou no meu conselho, porque aí sei. Vou votar naquela gente que conheço. Eu queria saber se há alguém em Portugal que diz aos emigrantes para estarem recenseados em Portugal já a pensar nas eleições. Porque se é o caso, pode ser grave. Para tirar aqui um Cartão de Cidadão é muito complicado. O Consulado só está aberto durante os dias de semana e para ter vez é muito difícil. Quando estamos em Portugal é muito mais fácil. Pode tirar o Cartão do cidadão em Portugal, mas tem de dar a morada de França porque é aqui que efetivamente mora. Sabe, a maior parte dos emigrantes, quando está de férias, está tão iludida naquele mês de agosto, que nem se lembra que estão na França. Voltamos à angariação de votos… Este ano foram poucos, porque habitualmente é muito mais. São amigos, cada um leva um grupo de amigos. Isto é uma prática de todo o país. Há 4 anos, eu e a minha família, chegámos todos ao aeroporto, pareciamos turistas. Deixamos o taxi em cima e fomos pela aldeia abaixo com as malas e todos felizes. Ninguém nos filmou. Isto é uma prática comum. Sim. Quando começou? Há 20 anos. O Carvalho de Moura, esse senhor que se candidatou novamente, esteve lá 17 anos. Estávamos todos cheios dele. Quando o Dr. Joaquim Pires se candidatou, eu ainda estava em Portugal, fizemos tudo por tudo para tirar de lá esse homem. Eu desisti do PSD e entrei na lista do PS. O próprio Presidente da Junta deixou de ser do PSD para ser do PS. E foram muitos emigrantes de França, familiares do Dr. Pires e amigos, de propósito a Portugal para tirar de lá aquele senhor. E ninguém pagou essas viagens? Não, ninguém pagou essas viagens. Todos os anos vamos porque estamos bem servidos. Quando o emigrante chega lá, à frente de casa tem a água, o saneamento, o alcatrão. Há 17 anos não tinha saneamento, tinha de ir fazer as necessidades na corte. E se você fosse emigrante o que fazia? Não iria votar? O Carvalho de Moura foi pedir a 18 pessoas na minha aldeia para serem candidatos à Junta de freguesia. Entrou em 18 casas e levou 18 vezes com a porta na cara. Então os Emigrantes têm peso ou não? Não. Há 4 anos eu levei 27 e no concelho foram uns 80 emigrantes. E ganharam com uma diferença de 4.000 votos. Este ano ganharam com mais de 3.500 votos de diferença. Então porque vale a pena lá irem votar, se não serve de nada? Não misturem as coisas. Ao Carvalho de Mora qualquer um ganha, até eu. Mas é para as Juntas de freguesia que os Emigrantes lá vão. Quando uma Junta de freguesia está «rés-vés Campo de Ourique», que pode ficar empatada ou com diferença de dois ou três votos, então vêm buscar… vêm pedir aqui a 10 ou 15 amigos, venham cá botar uma mão, sou vosso amigo, a ver se consigo ganhar as eleições. É isto que se passa. Porque o Presidente da Câmara não precisa. Nessa altura também foi eleito? Fui eleito para a Assembleia de Freguesia. E desta vez também estava na lista do PS. Estou na Assembleia da Junta. Não é proibido, pois não? E daqui por 4 anos, vou tentar arranjar o maior quantidade de votos para Chaves, se o Nuno Vaz fizer um bom trabalho. O que fez o Cabeleira… Chaves é uma aldeia morta. Se Nuno Vaz merecer a confiança, vou levar Emigrantes para votarem por ele.