Opinião: Mia Couto na 8ª Nuit de la Littérature

Algumas semanas depois do lento regresso à normalidade possível, alguma coisa começa já a acontecer no mundo das atividades culturais em que o Centro Cultural Português em Paris (Camões-CCP) participa ou a que concede apoio.

O exemplo é o de um evento de programação direta nossa, a participação na 8ª Nuit de la Littérature, organização do FICEP (fórum que reúne os Centros culturais Estrangeiros em Paris). Nas últimas edições, apresentámos como escritores Alexandra Lucas Coelho, José Eduardo Agualusa, Fernando Pessoa, António Lobo Antunes tendo como atores-leitores Maria de Medeiros, Jacques Bonnafé ou Stéphan Freiss.

A NDLL é um festival de literatura que se realiza sempre no último sábado de maio e reunindo em cada ano, cerca de duas dezenas dos mais de cinquenta Centros culturais que integram o FICEP.

Esta reunião festiva tem-se realizado, cada ano, num bairro diferente da cidade de Paris, em estreita ligação com as Mairies locais, por vezes em lugares inesperados e surpreendentes, permitindo aos ouvintes circular entre os diferentes locais de leitura para ouvir as mais recentes traduções para francês de cada uma das línguas de cada um dos Centros.

Trata-se, além do mais, de uma espécie de maratona de leitura, reunindo das 18h00 às 23h00, públicos sempre diferentes em torno do mesmo ator-leitor e, quando possível, na presença do autor.

Este ano, o projeto era ocupar a Cité Universitaire que, com as suas múltiplas “Casas” nacionais e vasto público universitário, representaria um cenário ideal para circulações entre espaços e associar novos públicos. Nada se pode substituir à experiência ao vivo de uma leitura (seus tempos, ritmos, respirações, acidentes), à experiência de uma discussão em direto com os escritores, os tradutores e os atores que leem os extratos da obra escrita. Mas sabemos que a situação atual não permite manter projetos deste tipo.

A Direção do FICEP (que o Camões integra) decidiu, porém, não adiar para “melhores dias” a manifestação. Para isso foi obrigada, como tantos outros agentes culturais, a abandonar o real pelo virtual, a Cité Universitaire pelo Universo da cidade global, o live pela transmissão online. As leituras são introduzidas online, sucessivamente: a nossa presença está marcada para as 21h40 e o acesso faz-se pelo site do FICEP (www.ficep.info).

Este ano o autor escolhido foi Mia Couto, apresentando-se a última tradução francesa de uma obra sua, Les Sables de l’Empereur, editada pelas Editions Métalié. Vamos portanto ouvir a voz escrita de um autor moçambicano.

Nascido em 1955, Mia Couto é lusodescendente, biólogo de formação, jornalista, investigador e professor universitário empenhado nas causas políticas da independência e agora em projetos ecológicos. Como escritor, Mia Couto constrói com a herança da sua língua materna e o material das línguas locais as novas sonoridades, ritmos e sentidos do português de Moçambique. Na narrativa, ou cruzamento de narrativas, de Les Sables de l’Empereur o autor mistura, como sempre, história e mito, personagens reais e imaginadas, oralidades várias; aborda o período da resistência à ocupação do Sul pelos Portugueses, no final do séc. XIX, interrogando, através de uma história política, social, militar e de amor o estatuto, o papel e o destino do chefe local, Ngungu Nyane (Gungunhana) erigido hoje em herói nacional.

Elizabeth Rodrigues de Freitas, tradutora de vários autores lusófonos, e que desde 2005 traduz as obras de Mia Couto publicadas em França, fará, na transmissão, a apresentação crítica do autor e da obra. As leituras serão feitas, logo de seguida, pelo ator e dramaturgo Victor de Oliveira, um moçambicano que viveu em Portugal, que estudou teatro em França, onde vive, e que trabalha atualmente entre Paris, Maputo e Lisboa.

Hão de reparar que, na sequência de autores das últimas edições há dois artistas lusófonos não portugueses: Agualusa e Mia Couto. É vocação do Camões, Instituto da Cooperação e da Língua, não se restringir a uma missão estritamente nacional, mas sim apoiar a difusão do português de todos os países onde seja língua oficial. É isso que estamos fazendo!

Desejo-vos uma boa audição e desejo que esta inusual noite de leituras vos estimule a conhecer, entre as muitas obras apresentadas, o livro e o autor propostos pelo Camões-CCP: Mia Couto, um dos mais traduzidos (30 línguas), premiados e universais autores da língua portuguesa.

Boas escolhas culturais e até para a semana.

 

Esta crónica é difundida todas as semanas, à segunda-feira, na rádio Alfa, com difusão antes das 7h00, 9h00, 11h00, 15h00, 17h00 e 19h00.

 

[pro_ad_display_adzone id=”41082″]

LusoJornal