Romance: “Remords”, o Brasil “suicida” de Luiz Ruffato

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Vinte anos depois da publicação de “Eles eram muitos cavalos” – romance que consagrou o escritor brasileiro Luiz Ruffato (Cataguases, Minas Gerais, 1961) e que foi publicado no Hexágono, em 2005, como “Tant et tant de chevaux” – a editora francesa Métailié acaba de lançar “Remords”, o sexto romance do autor, publicado no Brasil em 2019 com o título “O Verão Tardio”.

Luiz Ruffato é, sem dúvida, um dos casos de maior sucesso internacional da literatura brasileira contemporânea, não deixando ninguém indiferente à sua qualidade literária e ao experimentalismo que atravessam os seus textos. Este seu mais recente romance é a confirmação dessa sua imparável carreira.

Este “Remords” retrata o Brasil através do olhar de Óseias, o seu protagonista e narrador. Este homem, cinquenta e três anos, abandonado por mulher e filho, sem emprego, resolve regressar à terra natal, Cataguases, depois de vinte anos em São Paulo. Vinte anos sem pôr os pés nas ruas da sua infância, mais precisamente desde a morte do seu pai, levando consigo apenas a nostalgia de um passado que, ver-se-á, é fortemente subjetivo e irrealista.

Esta ideia de retorno – à cidade e a um passado mal resolvido – é um dos pontos fortes do romance. Óseias passa então seis dias a deambular pela cidade, encontrando amigos, conhecidos, colegas e familiares. É um regresso que choca com um muro construído de silêncios e suspeitas que se alicerça no suicídio de Lígia, a sua irmã, quarenta anos antes. Ninguém deseja falar do passado, isso não lhes interessa, apenas o presente e o futuro são relevantes. Porém, a Óseias, homem sem presente ou futuro, só o passado interessa. E o leitor, preso na cabeça do protagonista, vê aquele mundo através dos seus olhos, segue a sua perspetiva e mergulha na culpa e no remorso.

Corre então o ano de 2015. Óseias sai do autocarro e cai desamparado numa cidade suja, desorganizada, desumana, e reencontra os irmãos que ainda vivem, mas que se veem de costas voltadas. Eles não se falam, desprezam-se uns aos outros, vivem em patamares sociais diferentes. A violência latente, prestes a explodir, a pobreza de uns e a riqueza de outros, a injustiça social galopante. Enfim, a perfeita alegoria do Brasil de Bolsonaro, tão distante do “Brasil, país do futuro” vaticinado por Zweig há oitenta anos. Esta família é o Brasil de hoje, dir-se-á, em absoluta decomposição, em guerra civil não declarada, a caminho do suicídio coletivo.

Um romance de enorme qualidade, embora difícil devido experimentalismo do autor – frases que se interrompem sem aviso, pensamentos aparentemente contraditórios, liberdade de pontuação… – que visa retratar o caos mental de Óseias. Um romance sombrio, capaz de deprimir os mais vulneráveis, mas de uma pertinência a toda a prova.

 

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LusoJornal