LusoJornal / Carlos Pereira

Alice Martins lança galeria de arte ambulante nas ruas de Paris

Depois de ter percorrido Paris, de bicicleta, a entregar refeições a domicílio, Alice Martins acaba de lançar uma galeria de arte ambulante: leva as obras de arte numa mochila e segue… de bicicleta. Ganhou recentemente um prémio da Fondation de France e tem atualmente em curso um apelo a donativos – crowdfunding – para o desenvolvimento de uma aplicação para o projeto.

Alice Martins é filha de Graça dos Santos e de Vasco Martins. Ambos desenvolveram em Paris a companhia de teatro Cá & Lá. Por isso, o mundo das artes não é, de todo, desconhecido para Alice Martins, que enveredou sobretudo pela dança.

«Eu nasci cá mas tive muita sorte porque quando era mais nova, podia passar muito tempo em Portugal, numa aldeia pequenina, perto de Lisboa. Então, cresci mesmo entre os dois países» por isso fala fluentemente português. Estudou arquitetura, mas também não foi nesta área que decidiu trabalhar. «Fiz um estágio numa empresa de arquitetura e percebi que cada vez mais os arquitetos trabalham à frente de um computador». Faltava «o lado humano» das relações, de que tanto gosta.

A dança contemporânea acabou mesmo por ser a sua principal atividade.

«Como é sabido que os artistas ganham pouco, e como muitos criativos jovens cá em Paris, tive de encontrar um trabalho extra para sobreviver. Fui trabalhar numa empresa de entrega de refeições a domicílio». Trabalhou para uma marca que trabalha em Paris e percorreu as ruas da capital, na bicicleta. «Constatei as condições muito difíceis de trabalho. Tínhamos de vestir a roupa da empresa, tínhamos de levar os sacos com a publicidade da empresa, mas não éramos empregados da empresa…». Porque Alice Martins explicou que tinha o estatuto de «auto-entreprenneur». Trabalhava por conta própria. São trabalhos precários.

Para mais, chateava-a a ideia de ser «constantemente vigiada, localizada, pistada», geolocalizada. «Eu ía entregar refeições a casa das pessoas e a empresa para a qual eu trabalhava sabia tudo de mim: onde estava, quanto tempo demorava, se parava ou se estava a circular».

Daí até criar a Galerie Cuissard, foi um passo. Alice Martins continua a andar de bicicleta em Paris, «porque gosto de andar de bicicleta», continua a levar uma mochila às costas, mas desta vez, faz publicidade para arte. «Foi uma forma de resistir. É uma boa desforra».

Alice Martins pediu a uma amiga artista para lhe conceber uma primeira obra de arte que entrasse no saco. Stéphanie Cazaentre, uma artista francesa, acedeu imediatamente. Trabalharam juntas na «Main d’œuvre», um centro cultural onde Alice Martins é artista residente.

«A obra criada por Stéphanie Cazaentre chama-se ‘Intestin’ e é inspirada da realidade do nosso corpo humano. Na realidade nós temos um intestino que tem cerca de 8 a 9 metros de cumprimento e ela criou uma obra feita de latex e de tecido, que está comprimida no saco e quando eu tiro a obra do saco, a obra pode abrir-se até 15 metros de comprimento, e como é uma estrutura muito flexível e orgânica, pode ocupar todos os tipos de espaço». Foi apresentada pela primeira vez a 18 de junho de 2017.

Ao mostrar a obra, Alice Martins está a realizar uma performance. «Esta galeria é já, por si, uma obra de arte. Porque a ação da galeria é utilizar um espaço publicitário de uma mochila para mostrar obras de arte. Então criei uma personagem e trabalho essa personagem para mostrar alguns detalhes da obra» conta ao LusoJornal. Os momentos são únicos e duram pouco tempo. «Cada vez que tiro uma obra do saco, dura cerca de 15 minutos, então, na minha ação, vou querer mostrar o mais possível, desvendar e mostrar todos os detalhes da obra. Criei um diálogo com a obra para apresentar o potencial ao público».

Todos os espaços são bons para apresentar o projeto. «Por vezes apresento em campos de futebol, outras vezes em sítios mais intimistas, parques, jardins públicos, todos os espaços são bons».

 

A aplicação para telemóveis

Mais complicado era mesmo juntar o público. E é aqui que a experiência de geolocalização volta a surgir. Mas Alice Martins inverte a situação. «Eu sentia-me perseguida pela empresa para a qual eu trabalhei e decidi brincar com isso e agora peço às pessoas que me geolocalizem para saberem onde estou a apresentar a galeria».

Com uns amigos criou também ela uma aplicação para telemóvel. «A ideia é as pessoas saberem onde estou, seguirem-se, num autêntico jogo de perseguição, irem ao meu encontro na rua para apreciarem as obras que eu tenho no saco». Mas depressa percebeu que havia um problema de… «velocidade». Quem vai de bicicleta chega sempre primeiro! «As pessoas demoravam a reagir, naturalmente».

Decidiu então adaptar o projeto, marcando pontos de encontro. «Isto permite também que eu vá primeiro identificar os sítios onde quero apresentar a Galeria. E marco encontro nesses lugares». A aplicação faz o resto. «Convida» as pessoas a deslocarem-se aos pontos de encontro, à hora marcada. «Mantenho a ideia de uma galeria ambulante, mas consigo gerir o público disponível».

«A aplicação faz com que as pessoas que vêm ver a galeria já a conhecem, já leram, já sabem do que se trata. Isto deixa mais espontaneidade à minha apresentação» explica Alice Martins ao LusoJornal.

O projeto foi apresentado pela primeira vez em 18 de junho deste ano e poucos meses depois recebeu a bolsa da Fondation de France. A bolsa «Déclic Jeunes», de 7.600 euros, que promove iniciativas de jovens artistas, foi entregue a 21 projetos de entre os milhares de candidatos. «Para mim, esta bolsa foi um grande incentivo, motivou-me e permitiu que pagasse às pessoas que trabalharam comigo. Isso é importante para um artista».

Agora, Alice Martins tem em curso um crowndfunding de 3.000 euros para desenvolvimento da aplicação. «A aplicação que temos serviu para testar, mas agora quero desenvolver a aplicação final para poder partilhar as obras e os percursos». Em troca, quem participar, pode ter descontos nos impostos, e pode receber muitas outras contrapartidas, como por exemplo esboços da obra, fotografias limitadas e numeradas, etc.

A partir daqui, o mundo está aberto à Galerie Cuissard. «Gostava tanto de apresentar esta galeria em Portugal e até noutros países». De bicicleta, claro. «O projeto foi concebido para ser apresentado em meio urbano, mas eu acredito que também funciona bem em meio rural. Até pode funcionar melhor porque as pessoas não estão habituadas a que se leve a arte contemporânea para as pequenas aldeias» disse Alice Martins ao LusoJornal.

 

A consultar:

http://galerie-cuissard.com/

www.facebook.com/GalerieCuissard/

www.instagram.com/galeriecuissard/

 

Para participar:

www.proarti.fr/collect/project/la-galerie-cuissard/0

 

 

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