I Guerra mundial: a gravação inédita do soldado do CEP Agostinho Martins

[pro_ad_display_adzone id=”37510″]

 

LusoJornal dá aos seus leitores um presente, aqui vamos divulgar pela primeira vez a voz de um dos dois soldados portugueses, gravada durante a catividade na Alemanha. Trata-se de um documento raro e nunca até hoje explorado. Trata-se da voz do soldado do Corpo Expedicionário Português Agostinho Martins… um conto para o Natal 2021.

Até hoje conhecia-se apenas um documento sonoro com a voz de um soldado português da I Guerra mundial, a voz do soldado João Antunes Neves, de que LusoJornal publicou um artigo (1).

Foi no documentário “Portugueses nas trincheiras” de Sofia Leite e António Louçã, para a RTP1, de novembro de 2008, com a colaboração do falecido Afonso Maia, que pela primeira vez a gravação da voz do soldado João Antunes Neves foi divulgada.

Tanto João Antunes Neves como Agostinho Martins, eram casos relativamente raros no CEP: embora sendo ambos originários de pequenas freguesias do interior de Portugal, os dois tinham estudos e sabiam ler e escrever.

Agostinho Martins nasceu a 8 de maio de 1895 em Barreiros, uma ex-freguesia do concelho de Viseu, tendo sido batizado a 19 do mesmo mês na igreja de Santa Marinha da mesma freguesia. Era filho de Filipe Martins e de Maria de Jesus.

Para a época, Agostinho Martins casou tarde, com quase trinta anos, a 30 de abril de 1925 com Maria Eugénia, da ex-freguesia de Cepões, do mesmo concelho de Viseu. O casal, proprietários, terá vivido toda a vida na freguesia do marido, Barreiros.

Agostinho Martins faleceu a 29 de dezembro de 1974 em Barreiros, precisamente três anos antes da esposa.

Os dados conhecidos através da ficha do CEP não são muito volumosos. Sabemos que fez parte do Batalhão de artilharia 7, terceira bateria, tendo como placa de identidade, soldado n° 4945. Embarcou em Lisboa a 15 de março de 1917 tendo aí regressado a 5 de fevereiro de 1919.

Das observações na ficha do CEP temos simplesmente como indicações: “Nada consta até 28 de fevereiro de 1918, desaparecido em 9 de abril, sendo feito prisioneiro. Presente a 19 de janeiro de 1919”.

Agostinho Martins foi, por conseguinte, feito prisioneiro no primeiro dia da Batalha de La Lys, tendo regressado do campo de prisioneiros em meados de janeiro de 1919.

Em outubro de 1915, uma comissão chamada “Königlich Preussische Phonographische Kommission” foi criada. Já quase no final da guerra, esta comissão gravou as vozes de soldados de diversas origens linguísticas e geográficas. Os quase 1.650 álbuns foram gravados em 1918 em 70 campos de prisioneiros, gravações que estão atualmente sob a custódia do Berliner Lautarchiv, instituição ligada à Humboldt Universität, de Berlim.

A voz do soldado Agostinho Martins foi uma das muitas gravações feitas pela comissão de cientistas alemães – etnólogos, linguistas, musicólogos “Königlich Preussische Phonographische Kommission” – que visitou 70 campos de prisioneiros, para registar as formas de falar e cantar dos vários povos estrangeiros, alguns deles de terras longínquas e algo exótico para os padrões da época, oportunidade única. Nos campos de prisioneiros controlados pela Alemanha, mais de 250 línguas e dialetos eram aí faladas.

Foi no Campo de Merseburg, visitado pela comissão a 8 de agosto de 1918, que as gravações dos dois soldados portugueses foram feitas, entre as centenas de outras.

A gravação da canção de João Antunes tem uma duração de somente 18 segundos. De Agostinho Martins temos três gravações: uma de 22 segundos, outra de 57 e uma terceira de 1 minuto e 15 segundos.

Nestas gravações, Agostinho Martins cita um poema cujas palavras mudam um pouco de uma gravação para outra. Supomos que o poema declamado por Agostinho Martins é da sua própria autoria.

Da escuta das três gravações algumas palavras não nos foram possíveis identificar, contudo compreende-se o fundo do pensamento/malandrice de Agostinho Martins ao falar das meninas, de quem provavelmente tem saudades, começando por: “Estas meninas de agora trazem o diabo a adivinhar”, terminando por: “Elas não podem parar nem sequer um quarto de hora. Se estivessem doentes muito embora, mas não estão para dançar”.

A menina, Maria Eugénia, com quem Agostinho Martins acabou por casar era da aldeia vizinha, tendo o casamento sido dissolvido 49 anos depois por falecimento do ex-soldado.

É com emoção que podemos hoje, passados que são 103 anos depois da sua gravação escutá-la… imaginamos o quanto a família, ainda viva, poderá ressentir.

Aqui fica mais uma pedrinha para a história da participação portuguesa na I Guerra mundial.

 

Texto da gravação:

 

Estas meninas de agora trazem o diabo a adivinhar

Estão doentes para o trabalho, mas não estão para dançar.

Enganam seus próprios pais como quem lhes dá ?????

Dizem que trazem cansaço e já não podem sofrer mais.

Começam logo a dar ais ao pé da mãe sem demora

E dizem que estar cá fora, elas podem ter melhoras

E são muito impostoras estas meninas de agora.

 

Nem à fonte querem ir dizem que tremem ??? para sabermos o bornal ???

Suas mães é que vão oprimir elas pegam-se alterar ????

Não é fácil de enganar que uma mãe já foi filha

Nem todas na mesma quadrilha trazem o diabo a adivinhar

 

Chegam à segunda-feira, já a doença lhe começa

Dizem que lhes dói a cabeça, que até porteleiras (?)

São poucas as caceteiras para lhe fazer agasalho

Até mijam ao borralho, nem sequer ???????

Mostram por trinta razões que estão doentes para o trabalho.

 

Chegam-se ao fim de semana ao domingo têm melhoras

Lá vem umas certas horas para dançarem com a trigana (?)

Todo o corpo abana, não sei que mal possa causar

Elas não podem parar nem sequer um quarto de hora

Se estivessem doentes, muito embora

Mas não estão para dançar

 

(1) https://lusojornal.com/la-voix-dun-soldat-portugais-enregistree-pendant-la-i-guerre-mondiale/

 

[pro_ad_display_adzone id=”46664″]

 

LusoJornal