«Menina»: Filme de Cristina Pinheiro sai hoje nas salas francesas

«Menina» o primeiro filme da realizadora lusodescendente Cristina Pinheiro, com Nuno Lopes, Naomi Biton e Beatriz Batarda, sai esta quarta-feira nas salas de cinema francesas. O filme é praticamente uma autobiografia da realizadora e conta a história de um casal de emigrantes portugueses em França, no fim dos anos 70.

«Chamo-me Luísa Palmeira, tenho 10 anos. Na minha família são todos Portugueses. Mas eu sou Francesa, não sou como eles, não dou erros quando falo» diz o texto de apresentação do filme. «A minha mãe é mais bonita do que a Marilyn Monroe, salvo quando põe óculos. O meu pai tem uma mota vermelha e deixa-me ganhar ao jogo do ‘braço de ferro’. No outro dia, disse-me que vai desaparecer. Mas eu não acredito».

Luísa, a menina do filme, é a personagem principal da história. É à volta dela que tudo se passa. A mãe trabalha em casa de uma família francesa, o pai está doente e diz-lhe que vai morrer. O irmão adolescente vai-se integrando e vivendo as primeiras aventuras amorosas com as adolescentes da mesma idade.

Luísa vai à escola, mas também é enviada pela mãe para acompanhar o pai à taberna e para não o deixar beber. Nem sempre consegue. João Palmeira bebe e por vezes bebe demais. Bebe para diluir a doença que lhe ataca os pulmões, para esquecer o Portugal que deixou – um dia chega a casa alcoolizado e procura o Passaporte para regressar ao país onde nasceu – e até bebe para fazer face à «frieza» da mulher.

Leonor Palmeira, a mulher, não sabe exprimir sentimentos. É incapaz de dar ternura ao marido, tal como é incapaz de transmitir amor à filha.

Esta parece ter sido a história da realizadora, que também viu o pai morrer, que também tinha uma mãe incapaz de dizer «amo-te», mas tinha dois irmãos – uma das poucas adaptações que fez da sua própria história para o filme.

Tomaz Brazete, o ator que desempenha o papel do irmão, Pedro Palmeira, também é lusodescendente e vive na região parisiense.

O papel de João Palmeira é desempenhado pelo ator Nuno Lopes. Um ator que mostra mais uma vez ter grande talento. Já é conhecido em França por ter participado nos filmes «Alice» de Marco Martins, «Cadences Obstinées» de Fanny Ardent e «Saint Georges», também de Marco Martins.

Em «Menina», o pai de Luísa acaba por ter dificuldades em dialogar com a mulher e em estabelecer um diálogo com o filho, mas cria uma relação de cumplicidade com a filha Luísa. Conta-lhe, num momento de ternura infantil, o que é afinal «o Salto» que o fez fugir de Portugal para vir para França, fugindo à ditadura de Salazar. Aliás Luísa procura no dicionário quem é esse tal… Saint Lazare. E encontra a resposta: um amigo de Jesus,…

Na primeira cena do filme, um grupo de Portugueses de França está reunido para comemorar o 25 de Abril. E quando alguém sugere que se cante a Grândola, Vila Morena, toda a gente acaba a cantar o hino de Portugal, certamente mais federador. Mas, curiosamente, a realizadora quis que o filme acabasse com o fogo de artifício do 14 de Julho,… a Festa nacional francesa.

Cristina Pinheiro nasceu em Tours, onde se radicaram os pais quando decidiram emigrar. O pai veio clandestino, no final dos anos 60 e a mãe veio ter com ele em 1970. Os dois filhos do casal ficaram com os avôs e só vieram para França bem mais tarde. Entretanto Cristina já nasceu cá.

No fim da adolescência, já depois da morte do pai, Cristina Pinheiro tentou entrevistar a mãe. «Tenho horas de gravação, onde me conta a história dela, alternando entre o português e o francês, é um testemunho incrível».

Cristina Pinheiro começa por ser atriz e em 2002 realiza a primeira curta metragem, «Morte Marina». Em 2012 realiza outra curta metragem «Liga», com Helena Noguerra, a irmã da cantora Lio. «Menina» é a primeira longa metragem da realizadora.

Naomi Biton, a «menina» do filme, é Francesa. «Eu queria uma menina menos bonita. Comecei por escolher uma pequena franco-portuguesa, que não aguentou o choque quando fiz os primeiros testes com o Nuno Lopes e a Beatriz Batarda, que desempenham o papel dos pais». Naomi Biton não falava português, mas aprendeu algumas das réplicas do filme. Foi uma excelente escolha.

No filme entra também, por alguns instantes, o conhecido ator francês de cinema e de teatro, Jean-Claude Dreyfus.

O filme acaba com a morte de João Palmeira, numa cama de hospital, só, com a filha Luísa. Antes disso «despediu-se» da mulher, a quem sempre chamou de «gatuna». «Gatuna porque roubáste o meu coração. E eu nunca consegui roubar o teu».

Beatriz Batarda, a mãe de Luísa, é uma atriz praticamente desconhecida em França e desempenha no filme uma personagem com o «coração duro». O único momento em que deixa transparecer emoção é quando recebe a notícia que a mãe, afinal, não vem visitá-la. A cena, dentro de uma cabine telefónica, com a filha, é uma das cenas mais marcantes do filme. Mas também é o único momento em que chora. De resto, mesmo quando leva um estalo do marido bêbedo, não mostra rancor nem dor. Engole em seco.

Este primeiro filme de Cristina Pinheiro sai hoje nas salas de cinema nacionais e merece ser visto. Pela história que conta – que tem pedaços da história de cada um de nós – mas também pela forma como a conta.

 

 

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