Livros: “Húmus”, de Raul Brandão, o retrato da angústia

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“Húmus”, a grande obra do autor portuense Raul Brandão (1867-1930), foi lançada, com tradução de Françoise Laye, em França, na semana passada, pela Éditions Chandeigne. Uma boa notícia que contraria um certo esquecimento a que, em Portugal, são votados os autores portugueses, novos e velhos, mortos e vivos, quase sempre vitimados por um meio editorial viciado em perpétuas novidades e hypes anglo-saxónicos artificialmente produzidos por uma legião de agentes literários que exercem uma enorme pressão sobre os editores portugueses sempre em busca do próximo best-seller.

Publicado em 1917, embora a versão definitiva só tenha saído em 1926, “Húmus”, considerado por muitos uma das obras-primas da Literatura Portuguesa, retrata o tempo histórico que o próprio autor, nas suas memórias, define como “época horrível”. Período que se estende do começo do século XX português até ao fim da Grande Guerra. Tempos de miséria, doença, instabilidade política e guerra. Estamos então perante uma obra literária expressionista na qual, através de um estilo de fluxo de consciência, o autor explora filosoficamente a angústia existencialista daqueles tempos. Uma atitude existencialista que antecede o existencialismo enquanto escola filosófica.

Sendo o húmus a matéria negra, orgânica, proveniente da decomposição de restos de animais e vegetais, podemos considerar que o título da obra se adequa ao conteúdo, pois Brandão, graças a um impiedoso espírito crítico, trata essa decomposição social e moral que atinge os limites do grotesco. O retrato quase perfeito do absurdo da condição humana. Homem dado a contemplações e a insatisfações, Raul Brandão foi contemporâneo e conterrâneo do poeta António Nobre, outro artista que padecia dos mesmos males.

“Húmus” é então um romance-monólogo centrado em duas personagens – o narrador e o seu alter-ego – cujas perspetivas mergulham o autor numa atmosfera decadente e melancólica. Organizado como um diário datado, esta obra, densa, destaca-se pela ausência de personagens e de enredo tradicionais. Para o leitor contemporâneo, cada vez mais acostumado a leituras curtas e a estímulos constantes (telemóveis, publicidade…) capazes de interromper até a concentração dos mais estoicos, esta leitura poderá ser considerada difícil, até enfadonha. Para os corajosos, garantimos, porém, uma leitura riquíssima e um retrato perfeito da decadência.

Acusado pelos contemporâneos de ser um escritor incapaz de construir intrigas ou personagens, Raul Brandão foi redescoberto já depois da sua morte e entrou no panteão literário português. Parte agora à descoberta do leitor francês.

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LusoJornal