Université Clermont Auvergne: quando Portugal e o Brasil trabalham juntos


O Instituto Camões (Portugal) e o Instituto Guimarães Rosa (Brasil), assinaram no dia 18 de março de 2024, um Memorando de Entendimento para o reforço da cooperação nas áreas de difusão da língua portuguesa, promoção da cultura lusófona e cooperação educacional.

Este acordo intervém depois da abertura de uma Secção internacional de português do Brasil para os alunos do ensino secundário do Licée International de L’Est Parisien (LIEP). O que não deixou de surpreender as autoridades portuguesas e reforçou a necessidade de colaborar em conjunto.

Na Université Clermont Auvergne (UCA) existe um belo exemplo de colaboração entre os dois países, através dos leitores de cada instituto, eleitos para 5 anos.

O LusoJornal foi ao encontro dos dois leitores de Clermont-Ferrand para compreender a diferença entre o Instituto Camões e o Instituto Guimarães Rosa.

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André Martins Stahlhauer, leitor do Instituto Guimarães Rosa, explica que antes de mais, a linguagem é ligada à política e não apenas à geografia, “sendo que nos dois países há duas medidas políticas distintas” adiciona o linguista.

Somos em toda a França 4 a 5 leitores repartidos em 3 centros – em Paris, em Clermont-Ferrand e um que abrirá em Lyon em setembro de 2024. Em La Rochelle, também se ensina português do Brasil, que está vocacionado para o “sul global” (América latina), mas não é um leitorado.

Andreia Teixeira Farias, leitora do Instituto Camões, acrescenta que relativamente a Portugal, “somos 9 leitorados repartidos em Nice, Paris, Bordeaux, Poitiers, Sainte-Étienne, Rennes, Lyon, Strasbourg e Clermont-Ferrand”. O LusoJornal detetou, no entanto, que o leitorado de Clermont-Ferrand não aparece referenciado no site internet do Instituto Camões.

André Martins Stahlhauer indica que é importante falar do Protocolo de cooperação assinado a 18 de março, “que visa a promover ações culturais e linguísticas conjuntas, sem esquecer que a lusofonia se refere à divulgação, à promoção e ao ensino de português, e estes são os eixos seguidos pela diplomacia educacional que seja por Portugal ou pelo Brasil”. Este acordo não está só ligado à abertura de uma Secção internacional no Lycée International de L’Est Parisien, mas também por causa da relação entre os dois países noutras geografias. “Por exemplo, ‘há muitas guerras’ em África entre o Camões e Guimarães Rosa e, portanto, este Protocolo de cooperação visa reduzir a tensão entre os dois e aumentar o potencial de coabitação”. Outro exemplo: “não se pode esconder que sempre houve um maior interesse francês no Brasil, que em Portugal, uma vez que o mercado económico português se abriu mais tarde. E isso também é um elemento que mostra que cada um tem interesses diferentes, mas ganha-se mais unindo-se”.

Tomando a Sorbonne como exemplo, em Paris os Institutos “estão muito separados e a concorrência está na ordem do dia, enquanto em Clermont-Ferrand trabalhamos de mãos dadas”.

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Existe o Encontro de Professores de Línguas, Literaturas e Culturas Lusófonas na França (EPLLIC) que é um congresso brasileiro para professores de língua e cultura lusófona em França e no Brasil, e na última edição convidaram representantes portugueses, o que mostra a intenção do Brasil de se aproximar de Portugal. “Também nesse âmbito a visita que organizei este ano aos polos culturais e diplomáticos com os meus alunos incluiu os dois Institutos porque a Andreia Teixeira Farias ajudou-me imenso na organização deste evento. Encontramo-nos igualmente na 3ª edição do ‘conecta leitores’ que é a reunião anual dos leitores de língua brasileira, e partilhámos as nossas experiências conjuntas”.

Andreia Teixeira Farias confirma que a vantagem do leitorado de Clermont-Ferrand com estes dois leitores é que os dois padrões se misturam através, “por exemplo da minha iniciativa ‘ciné-débat’ que reúne os alunos à volta de um debate multicultural”. Outro exemplo de colaboração: “existe na UCA uma matéria sobre literatura africana, o que também, de uma certa medida, mostra práticas policêntricas”.

André Martins Stahlhauer vai até mais longe, indicando que no Brasil, em 2005-2006, foram incluídos no ensino secundário cursos de cultura e literatura africanas, o que até incentivou a imigração de professores africanos que se deslocaram ao Brasil para lecionar estas disciplinas, porque “depois de séculos de diferença, a situação é apenas global. Portugal e Brasil devem ir mais longe na união, porque o português do Brasil é a língua mais falada na Internet, nesse sentido o tradutor da Google foi inicialmente configurado em português do Brasil. O que mostra novamente que o Brasil tem recursos para ajudar Portugal. Entretanto a política linguística depende simplesmente do nível de nacionalismo de cada país” pondera o leitor brasileiro.

A leitora portuguesa comprova e diz que “as duas instituições têm de aceitar a utilização das duas normas e este é sempre um grande debate”. André Martins Stahlhauer explica que “o novo acordo ortográfico de 2012 foi precisamente concebido para que os editores estabelecessem e distribuíssem obras numa só tradução”.

André Martins Stahlhauer afirma que “o objetivo dos políticos nacionalistas no Brasil era destruir a uniformização linguística”.

Andrea Teixeira Farias reafirma que o leitor tem de se adaptar ao país onde está a lecionar, tem de ter uma mente aberta. “Criei um grupo de debate sobre política e cultura, aqui em Clermont-Ferrand, mas não sei se o faria noutros países, ou se o faria da mesma maneira”.

O leitor do Instituto Guimarães Rosa confirma e diz que o leitor deve “apostar na divulgação, na promoção e no ensino e, ao fazê-lo, podemos desenvolver uma representação da cultura e iniciar ações para promover, de forma eficaz e não necessariamente ligada ao currículo, porque é uma questão de novas identidades nos dias de hoje. Precisamos de promover temas mais atuais e controversos em torno da língua para a tornar mais interativa”.

Andrea Teixeira Farias conclui que em Clermont-Ferrand, a Cátedra Sá de Miranda do Instituto Camões foi criada pelo Director do Departamento de português da Université Clermont Auvergne, Daniel Rodrigues, com esse objetivo.

LusoJornal