Opinião: O legado de Francisco – entre adoração e verdade_LusoJornal·Opinião·28 Abril, 2025 O Papa Francisco, falecido em 21 de abril de 2025, foi sepultado no dia 26 de abril na Basílica Papal de Santa Maria Maior, em Roma, conforme seu desejo pessoal. A cerimónia pública, realizada na Praça de São Pedro, atraiu mais de 250.000 pessoas, entre as quais se encontraram líderes internacionais como Donald Trump, Emmanuel Macron, o príncipe William e o Presidente português Marcelo Rebelo de Sousa. A sua morte gerou uma grande comoção, mas também deu início a uma verdadeira disputa de narrativas sobre quem seria capaz de reivindicar a sua imagem e legado. Logo após o anúncio de seu falecimento, uma corrida se instaurou entre políticos, comentaristas e instituições, com o objetivo de associar a sua figura aos mais diversos interesses. Alguns tentaram apresentá-lo como o “Papa do povo”, o “Papa do século XXI” ou o “Reformador da Igreja”, numa tentativa de exploração estratégica que frequentemente ignorava a complexidade de seu legado. A velocidade com que muitos buscaram associar-se à sua memória revela a superficialidade de algumas dessas apropriações. Francisco não foi um revolucionário, mas um homem profundamente enraizado na doutrina católica. A sua comunicação direta e sensível era marcada por uma crítica incisiva ao capitalismo desenfreado, ao clericalismo, à indiferença para com os pobres e a um compromisso firme com questões ecológicas, como exemplificado na encíclica Laudato Si’. Contudo, ele também manteve a sua fidelidade às tradições da Igreja, defendendo com clareza posições sobre questões morais fundamentais, como o aborto, a eutanásia, o casamento entre pessoas do mesmo sexo e a ordenação de mulheres. A sua crítica à “cultura do descarte”, que afeta desde migrantes até idosos, não se resumia a uma crítica ideológica ou política, mas a um apelo teológico profundo. O combate ao egoísmo e ao individualismo não fazia parte de uma agenda política, mas de um apelo espiritual à conversão dos corações. A sua crítica às estruturas corrompidas não seguia a lógica de um confronto simplista “do bem contra o mal”, mas refletia uma visão cristã sobre um mundo que se distanciava dos valores divinos, da solidariedade e da justiça. Embora alguns tentassem reduzi-lo à figura de um “Papa de esquerda”, Francisco sempre se manteve fiel à sua missão pastoral, sem nunca abrir mão dos princípios dogmáticos da Igreja. A sua visão de Igreja não se baseava na ideia de uma instituição “aberta” no sentido moderno de adaptação às pressões políticas, mas numa Igreja atenta às necessidades contemporâneas, sem abrir mão dos ensinamentos espirituais que fundamentam a fé cristã. A sua abordagem às questões sociais e políticas foi sempre guiada pela fé, e não por alinhamentos ideológicos. Reduzir o legado de Francisco a categorias políticas modernas é um erro. Ele não foi um “Papa de esquerda”, mas um homem que, ao criticar o materialismo e a cultura do descarte, nos ofereceu uma alternativa radical à indiferença e ao egoísmo, sem jamais comprometer os princípios espirituais que sustentam a Igreja. A sua crítica à sociedade não se baseava numa luta ideológica, mas no reconhecimento de que a sociedade se afastava de Deus e dos valores cristãos de solidariedade e justiça. Com a sua morte e sepultamento, abre-se um novo capítulo para a Igreja. O próximo Papa terá a responsabilidade de equilibrar fidelidade e renovação, preservando as portas que Francisco abriu, mas sem abrir outras que possam gerar divisões desnecessárias. A Igreja e o mundo, mais do que nunca, precisam de unidade. Se quisermos seguir o exemplo de Francisco, devemos continuar a buscar a comunhão e a radicalidade do Evangelho. O Papa Francisco deixou-nos um legado de fé, esperança e ação pastoral. Sua mensagem foi profundamente enraizada nos princípios de misericórdia, justiça e unidade cristã. Devemos preservá-la com respeito e fidelidade, evitando que a sua imagem seja usada de forma superficial ou estratégica. O próximo Papa terá a responsabilidade de continuar essa missão, com a coragem necessária para reformar a Igreja, mas sempre em fidelidade à Verdade e à doutrina cristã. Que o seu legado seja lembrado não como uma ferramenta para fins políticos, mas como um apelo constante à conversão e à unidade cristã. Que o próximo Papa continue a missão de Francisco, mantendo a sua mensagem de esperança viva, com a sabedoria necessária para unir os fiéis sem comprometer os princípios eternos do cristianismo. Requiescat in pace. . Mickaël Fernandes