Lusa | José Sena GoulãoLegislativas’25: Como explicar a vitória do Chega na emigração em 10 pontosCarlos Pereira·Comunidade·30 Maio, 2025 Os resultados das eleições legislativas na emigração já são conhecidos e o Chega manteve os 2 Deputados pelos dois círculos eleitorais – um na Europa e outro Fora da Europa. Mas a votação esteve apertada! Finalmente, o PSD elegeu os dois outros Deputados: recuperou o Deputado que não tinha no círculo eleitoral da Europa. O PS, pela primeira vez, ficou sem nenhum Deputado pelos círculos da emigração. Convém dar alguns elementos que expliquem o resultado eleitoral. . 01 Ventura encarna o voto de protesto Se há um vencedor para estas eleições é André Ventura. Ele encarna o voto de quem protesta porque faz o diagnóstico que os Portugueses fazem e diz nas televisões o que os Portugueses pensam. O Estado tem vindo a afastar-se dos Portugueses: encerraram-se escolas, centros de saúde e tribunais locais, para se criarem agrupamentos escolares, grandes hospitais e tribunais centrais que o Estado não consegue controlar. Os doentes têm de esperar meses por consultas, os alunos passam anos sem professores a certas disciplinas e os tribunais estão lentos e são considerados ineficazes. Este diagnóstico sobre os “pilares” da nossa sociedade são os assuntos de conversa de café, que André Ventura levou para as televisões. Isto aplica-se também às Comunidades, porque os Portugueses residentes no estrangeiro acompanham de perto – contrariamente ao que muitos pensam – aquilo que se diz e aquilo que se faz em Portugal. Muitos dos eleitores nas Comunidades nem sabe o nome dos candidatos do Chega, mas votaram no líder do partido, André Ventura. Não se estranha que o Chega vença em Setúbal, em Beja, em Faro ou em Portalegre,… e devemos estranhar que o Chega vença nas Comunidades? . 02 Líderes dos Partidos esqueceram a emigração Os líderes dos Partidos percorreram todos os distritos de Portugal, foram dar apoio aos candidatos locais, participaram em almoços, jantares, arruadas, andaram de bandeiras na mão, cumprimentaram eleitores, beijaram crianças, abraçaram apoiantes, distribuíram sorrisos e desdobráveis… mas nenhum – repetimos, nenhum – veio fazer campanha às Comunidades. Em nenhum momento da campanha tiveram uma palavra para os emigrantes, nem nos debates – em que também nenhum jornalista achou importante abordar este assunto – nem nas mensagens das redes sociais. Nenhum, salvo… André Ventura, que fez vários vídeos para falar diretamente aos emigrantes. No mundo digital de hoje isso conta, sobretudo quando nos outros partidos há um vazio nesta matéria. . 03 Partidos não estão estruturados no estrangeiro Esta ausência dos líderes dos partidos nas Comunidades não se nota apenas durante a campanha eleitoral. É permanente! Durante o ano, ano após ano, não se dignam vir almoçar ou jantar com militantes nas Comunidades, não conhecem os dirigentes e isso nota-se, depois, no número de militantes. A esmagadora maioria dos partidos que concorreram a este círculo eleitoral não têm estruturas no estrangeiro e os que têm, têm estruturas desfalcadas de militantes porque para terem militantes, as Secções necessitam de ter a presença dos líderes, falarem com eles, terem a impressão de que são ouvidos. Isto é verdade para o PSD, para o PS e para qualquer outro partido, qualquer que seja a cidade onde estejam os militantes, em Portugal ou no estrangeiro. Há secções de Partidos no estrangeiro cujos militantes se contam pelos dedos de uma mão. Esta é a realidade. Como fazer campanha nestas condições? . 04 Escolha difícil dos candidatos Com Partidos sem estruturas nas Comunidades, é difícil escolher candidatos. Grande parte dos partidos opta por apresentar candidatos em todos os círculos eleitorais, para mostrar dimensão nacional, mas na verdade apresentam candidatos que desconhecem completamente as Comunidades e também não são conhecidos. Por isso, tem resultados insignificantes. Quanto aos principais partidos, na Europa, o PSD apresenta há muitos anos Carlos Gonçalves e o PS apresentou durante muitos anos Paulo Pisco. Como se não houvesse mais candidatos possíveis nestes partidos. Na verdade, não se preparam “quadros” dos partidos e, por conseguinte, quando alguém tenta escolher outro candidato, a escolha não é evidente. Sejamos lúcidos, quando só há um lugar de Deputado, tanto Carlos Gonçalves como Paulo Pisco não têm qualquer interesse em fazer surgir novos líderes nas Comunidades. . 05 Escolha dos Secretários de Estado das Comunidades As escolhas dos Secretários de Estado das Comunidades também merecem análise. José Cesário deve bater o recorde de presenças no Governo com esta pasta. É sinal que os Primeiros-Ministros consideram que não há mais ninguém nas Comunidades para ocupar esta pasta. Afinal, os “nossos” emigrantes servem apenas para isso mesmo: para votar. Mas quando se trata de chamar um deles para o Governo… Não é por ser emigrante, mas é sobretudo por não ser conhecido nas sedes dos partidos. O PSD ainda fez uma experiência de ter dado esta pasta a Carlos Gonçalves, num Governo de Santana Lopes, que se esperava frágil e que acabou por cair poucos meses depois. Quanto ao PS, colocou nesta pasta militantes que, por mais simpáticos que fossem, não estavam preparados para exercer estas funções, como foi o caso, recentemente de Berta Nunes e de Paulo Cafôfo, a quem era necessário dar um lugar no Governo e… saiu-lhes na rifa as Comunidades. Não deixaram marcas nestas funções. . 06 Metodologias de voto não evoluem Se há um assunto em que é necessário mexer, é nas metodologias de voto na emigração. Há dezenas de anos que se denunciam disfuncionalidades, mas nenhum partido tem apresentado propostas para resolver o problema. Para as eleições Presidenciais e Europeias, o voto é presencial e há eleitores que teriam de fazer milhares de quilómetros – sim, milhares – para poderem exercer o seu direito de voto. Para as eleições legislativas o voto faz-se pelo correio, embora também seja possível votar nos postos consulares. Mas quem sabe disso? Todos os Partidos sabem que esta situação é insuportável, todos compreendem que é urgente uniformizar as metodologias de voto, mas… nada avança. Há muitos anos que nada avança! Até já foi necessário repetir uma eleição no círculo eleitoral da Europa, mas ninguém ligou a esta situação. Como devem reagir os eleitores quando nada muda? Os votos nulos no círculo eleitoral da Europa atingiram os 81.423, num universo de 255.305 votantes. É enorme. Eleição após eleição, os eleitores dizem que não querem enviar cópia do Cartão do Cidadão, mas nenhum político se preocupa com esta mensagem. São mais os votos nulos do que os votos no Chega. Ninguém liga a esta mensagem clara do eleitorado? . 07 O número de Deputados continua “bloqueado” Qualquer que seja o número de eleitores inscritos na emigração, o número de Deputados é sempre de 4. Todos os emigrantes se queixam de serem mal representados no Parlamento português. Por que razão o número dos Deputados que representam os Portugueses residentes no estrangeiro não obedecem à mesma regra de proporcionalidade que os Deputados eleitos pelos outros círculos eleitorais? Por que razão o peso do voto dos emigrantes é inferior ao peso do voto dos Portugueses que residem em Portugal? Esta situação parece anormal para qualquer pessoa, salvo para os líderes dos Partidos! Há partidos que surgem com propostas de aumentar um ou dois Deputados aos círculos da emigração, como se se tratasse de “um presente de consolação”. Mas o que é necessário é dar um tratamento idêntico aos que residem fora do país. Quem vota, não vota com um Cartão de emigrante, vota com um Cartão do cidadão e, numa democracia que se digne, um Português equivale a um voto. . 08 Consulados funcionam, mas estão distantes De uma maneira geral, os Consulados de Portugal no estrangeiro funcionam bem, mesmo se no imaginário público ainda há o sentimento de haver filas intermináveis de espera às portas dos postos consulares, salas cheias de pessoas à espera de atendimento e “senhas” em número insuficiente para tantos utentes. Acredite-se ou não, ainda há candidatos a fazerem campanha com estes argumentos! Mas nada disto é verdade. Hoje, os Consulados atendem os utentes ao telefone, os utentes podem escolher o dia e a hora em que querem ir ao Consulado tratar dos seus documentos e tratam dos assuntos em 15 minutos. Mas o problema é que há poucos postos consulares. Apenas para falar da França, foram encerrados, nos últimos 30 anos, os Consulados de Nogent-sur-Marne, Versailles, Nantes, Lille, Rouen, Reims, Nancy, Tours, Orléans, Ajaccio, Clermont-Ferrand e Bayonne. Apesar de haver atendimento em Orléans, Tours, Nantes, Lille, Clermont-Ferrand e Nice, a verdade é que há muitas zonas onde a cobertura consular não existe. As chamadas “Permanências consulares” – que na verdade não são permanentes – são apenas dias de atendimento em algumas cidades. É como se fechassem o atendimento administrativo em Mirando do Douro e, duas vezes por ano, uma equipa de Lisboa se deslocasse para fazer Cartões do Cidadão durante um dia! Quem pode achar que esta situação é suportável para os cidadãos portugueses residentes no estrangeiro? . 09 Ensino é tema esquecido Se há um tema que há 50 anos se repete nas Comunidades portuguesas é o do ensino da língua portuguesa. Não há debate em que o assunto não surja. Em França já se passou de mais de 400 professores para uma centena atualmente e os dirigentes políticos continuam a dizer que há mais alunos do que antes. Como se fosse possível fazer mais omeletes com menos ovos! Pior ainda, os dirigentes políticos continuam a responsabilizar – até com certa arrogância – os pais das crianças, por não ensinarem a língua portuguesa aos filhos. E quando os pais pedem ajuda aos serviços do Instituto Camões ou quando inscrevem os filhos, não têm resposta! Há anos que o problema é levantado. Há anos que a situação piora e não há qualquer proposta, de nenhum Partido, para resolver este problema. Uns dizem que Portugal tem de ter um professor à porta de cada aluno, como se tal fosse possível, outros acham que os países estrangeiros devem pagar o ensino da língua portuguesa, apenas pelos lindos olhos dos dirigentes políticos. Propostas sérias, não há. Como querem que reajam os emigrantes? . 10 Programas eleitorais não trazem nada de novo Nestas eleições legislativas, há partidos que não apresentaram qualquer proposta eleitoral em matéria de políticas de emigração e em direção das Comunidades portuguesas. Ignoraram pura e simplesmente esta área. Os que fizeram propostas, são, em geral, as mesmas propostas que nas eleições anteriores, como que se os eleitores não soubessem ler, não soubessem comparar, fossem analfabetos. São propostas gerais, onde não há nada de novo e, sobretudo, onde não se responde às preocupações dos Portugueses que vivem fora de Portugal. Mais ainda, são propostas eleitorais muitas vezes em desfasamento com os militantes locais. Por exemplo, a Secção do Partido Socialista português de Paris defende o voto eletrónico, fez campanha a dizer isso, mas os líderes do partido, em Lisboa, continuam a dizer que não aceitam o voto eletrónico. . Quando os políticos moram no andar de cima e olham com arrogância para os eleitores do andar de baixo… como podem esperar que votem? A partir desta eleição há dois caminhos a seguir: – Ou o PSD (por estar no Governo) dá sinais de mudança clara: muda de Secretário de Estado, vai buscá-lo às Comunidades, apresenta propostas concretas e avança rapidamente com medidas de mudança, resolvendo os problemas maiores da emigração, uniformizando as metodologias de voto, avançando com o voto eletrónico, reforçar o ensino da língua,… E todos os partidos começam a organizar as suas estruturas nas Comunidades, com secções, núcleos, debates abertos com as bases para surgirem propostas governamentais… – Ou – como tem acontecido nas últimas décadas – continuam de olhos fechados, acham que os emigrantes são analfabetos e escolheram mal, deixam o mesmo Secretário de Estado, os mesmos Partidos, a mesma estrutura da DGACCP, a mesma estrutura do Instituto Camões,… e entregam de bandeja os eleitores ao Chega, rumo aos 4 Deputados pela emigração.Para além de fazer diagnóstico, o Chega tem soluções para os problemas? Se as tem, são desconhecidas. Mas este… é outro assunto.