Opinião: In Memoriam de António Cravo


O homem que no passado dia 7 de junho acompanhámos à última morada usava o pseudónimo de António Cravo, em homenagem ao seu avô materno. Com ele se identifica na sua vasta obra literária, científica e cívica. Nascido na aldeia transmontana de Salselas (Macedo de Cavaleiros), conheceu o mundo rural com todas as suas dificuldades, alegrias, vida simples e dura.

Aos vinte anos, saiu da terra natal, a caminho de Lisboa, no cumprimento do Serviço Militar Obrigatório. Com sede de saber e vontade de ascender na vida, fez-se trabalhador-estudante. O direito ao estudo era, naquele tempo, uma miragem. Corajoso, António Cravo agarrou essa corda da vida e por ela subiu, a pulso. Concluído o Liceu, entrou na Universidade (sempre com o estatuto de estudante-trabalhador) e atingiu o grau de Professor Diplomado, em História.

Anos mais tarde, os solavancos da vida e da História levaram-no a sair de Portugal e a fixar-se em Paris. Recomeçou no fundo da escala, como pintor da construção civil.

Homem de sólida vida interior, de caráter forjado no Portugal do Nordeste, prosseguiu, ainda e sempre, como trabalhador-estudante e obteve a «Maîtrise» na École d’Hautes Études en Sciences Sociales (Paris) com «Les Portugais de France et leur Mouvement Associatif», uma investigação sociológica publicada pelas Éditions L’Harmattan, em 1995.

A sua obra poética – inspirada no quotidiano dos Portugueses em França – era já conhecida com «Os Desenraizados» (Paris, 1982; 2ªed. 1987) e «Vozes dos Emigrantes em França – Antologia Poética Bilingue (1960-1982)». Paris, 1982, em coedição com Rebelo Heitor.

Sem pretender ser exaustivo, lembraria ainda outras publicações, a saber :

– «Subsídios para a História do Teatro Português em França». Paris, Ed. CCPF/INATEL, 1997;

– «O 10 de Junho, Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas e o Seu Significado», Ed. Lusophone, 1998, com uma 2ª edição bilíngue (Português/Francês) em 2012.

Digno de nota é ainda o conjunto textual que engloba um importante e variado leque de artigos publicados por António Cravo em jornais da diáspora. São «Retalhos da Vida Portuguesa em França». Ed. Convivium Lusophone, Paris, 2010.

A problemática da emigração portuguesa neste país é a linha fundamental da sua obra literária e científica, com uma ligação umbilical à nossa Pátria. É «a dinâmica da saudade» como António Cravo gostava de dizer, que o leva a impulsionar a realização do Museu Rural de Salselas e os escritos afins. O contexto da terra que o viu nascer, é abordado, entre outros em «Os Pauliteiros de Salselas», «Poemas Rurais» e «Poetas do nosso Concelho», tudo coroado pela excelente monografia: «Salselas: um Ponto do Mundo» (2017).

A sua intervenção cívica distinguiu-se pela ação pedagógica na Escola da Paróquia da Boissière (Paris 8ème), com teatro, convívios, exposições e conferências a enriquecerem os programas lecionados. Digna de realce é ainda a sua participação na Imprensa Regional – «O Mensageiro de Bragança», a «Sineta» de Izeda – e na de emigração – «O Encontro». Homem de coragem, homem de talento, cidadão ativo, crente nos valores do trabalho, do estudo, da cultura, da solidariedade.

Em suma: um homem bom.

Como escreve Antero de Quental: «A estes tais chamo eu poetas. Porque nos ensinam o bem. Porque trazem sempre qualquer coisa nova à nossa curiosidade de saber».

.

José Carlos Janela