José Manuel Campos, um homem de 1.000 histórias para a história da zona da raia


José Manuel Campos, originário de Fóios, terra de contrabandistas, mas também, naturalmente, de passadores, foi emigrante em França durante pouco tempo, contudo tem em sua memória a viagem a salto com mais de 200 outros homens. Já contou para o LusoJornal algumas das suas histórias (ler AQUI, AQUI e AQUI).

José Manuel Campos foi professor e foi Presidente da Junta de Freguesia durante cerca de 30 anos. Um homem contador de histórias, muitas delas vividas ficaram para a história daqueles lugares fronteiriços da Espanha, concelho do Sabugal.

Conjuntamente com Alberto Trindade Martinho algumas histórias contou no livro que conjuntamente escreveram que tem por título: “Contrabando e emigração numa aldeia raiana: Foios”.

LusoJornal dá hoje a palavra a Maria Belmira, familiar, que talvez mais que ninguém, tão bem fala do seu tio-avô:

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Hoje a minha crónica foge ao habitual. Não é só um texto, é um gesto que traz consigo a urgência de partilhar um sentimento que não podia ficar por dizer: uma homenagem em vida, sincera e necessária, a alguém profundamente importante para mim. Porque há homenagens que se querem em vida. Porque as palavras, ditas quando ainda podem ser ouvidas, têm o poder raro de abraçar. Esta é a minha, de coração cheio, ao meu tio-avô José Manuel. Ou, como tantos carinhosamente o conhecem, “o Professor”.

Não é fácil falar do meu tio sem falar, ao mesmo tempo, da alma dos Fóios. Porque ele é, há décadas, uma figura maior da nossa terra, um rosto familiar, um nome incontornável, um coração que pulsa ao ritmo do que somos. A sua ligação aos Fóios vai muito além da geografia. Para ele, a terra é símbolo, é bandeira, é identidade. Vive-a com a paixão de quem a ama de verdade e fá-lo de uma forma que comove. Presidente de Junta durante anos, ativo na vida comunitária, sempre com ideias, com força, com vontade de fazer melhor, com a missão de tornar a nossa terra na biqueira do mundo e nunca mais o calcanhar. Nunca foi apenas um habitante, foi, e é, um construtor de caminhos, um guardião de tradições, um homem que deixou e deixa a sua marca, na nossa terra e em todas aquelas por onde passa.

Quem já teve o privilégio de partilhar uma mesa com ele sabe do que falo: antes de a anedota chegar, já a gargalhada dele enche o ar. Rimo-nos antes mesmo de sabermos o motivo, porque o riso do meu tio Zé Manuel é, por si só, um motivo de festa.

Mas há nele muito mais do que a boa disposição. Há generosidade, há orgulho em mostrar os recantos da nossa terra, em apresentar a família, em dar a conhecer o que é nosso. É daquelas pessoas que faz questão de entregar um pedaço de si a cada encontro, com humildade, com presença, com amor.

Olho para ele e vejo mais do que o meu tio: vejo a minha avó Neves no rosto, ouço a minha tia Dulce na gargalhada. Vejo um dos pilares da minha infância, um avô emprestado, que me ofereceu memórias doces e presenças silenciosas que valeram tanto. Recordo as visitas ao comércio da minha avó, só para um olá, só para saber se estava tudo bem, gestos de amor em forma de cumprimento. Recordo os cartazes escritos à máquina, a anunciar as feiras do ano, encontros, celebrações na nossa terra ou até a anunciar que o multibanco existe na terra e exige ser usado. E recordo, acima de tudo, o cuidado com que guardou e guarda o que é nosso.

Ninguém tem tantas fotografias da nossa aldeia como ele. Ninguém tratou com tanto zelo os rostos, os momentos, os lugares que nos definem. O meu tio Zé Manuel é, sem exageros, o nosso museu vivo. O cronista silencioso que escreveu com imagens a história da nossa gente. E foi com ele que herdei o gosto por fotografar, por guardar, por eternizar. Porque ele ensinou-me, sem dizer, que preservar é uma forma de amar.

Esta crónica é o meu “obrigado” para si, tio. Obrigado pelo legado de afeto, de pertença, de dedicação. Obrigado pelas histórias, pelas gargalhadas, pelas memórias, pelo conforto. Obrigado por mostrar que o amor à terra é um compromisso diário e silencioso, mas profundo.

Quando me perguntam de onde sou, respondo com orgulho: sou dos Fóios. E tantas vezes acrescento, com aquele brilho no olhar: sou neta da Neves e sobrinha do Professor Zé Manuel. Porque não há quem não o conheça, quem não tenha uma história consigo. E mais do que conhecer, há sempre quem o admire profundamente.

O tio Zé Manuel é parte da nossa história, da nossa família, do nosso concelho. E por isso, enquanto houver memória, haverá sempre um lugar onde o tio continua a sorrir, a contar histórias, a encher os dias com o som inconfundível da sua gargalhada. Que esta homenagem seja mais do que palavras – que seja um abraço em forma de gratidão, um retrato fiel de um homem que é, e será sempre, uma das maiores riquezas dos Fóios e da nossa família.