Lusa | António Pedro Santos

Opinião: A Democracia esqueceu os Portugueses no estrangeiro


É cada vez mais evidente que a contagem dos votos dos portugueses residentes no estrangeiro está longe de ser um processo fiável e transparente. Há inúmeros fatores que comprometem a integridade do resultado eleitoral, começando logo pela perda frequente de correspondência: muitos votos nunca chegam ao destino, ficando pelo caminho devido a falhas nos serviços postais.

Mesmo quando os boletins chegam às mesas de contagem, o processo nem sempre decorre de forma rigorosa. Não é raro verificar-se que o número de envelopes recebidos não corresponde ao número de boletins existentes, o que levanta dúvidas legítimas sobre a precisão dos resultados. Além disso, há registos de votos anulados sem qualquer justificação plausível, o que compromete o direito democrático de muitos cidadãos.

Outro ponto preocupante é a composição das mesas de contagem. Em várias situações, estas são constituídas por delegados de um único partido, o que mina a imparcialidade e a confiança no processo. Há ainda casos em que se verificou,na FIL, um número muito superior de delegados de certas forças políticas, como o Chega ou a Iniciativa Liberal, em comparação com os restantes partidos. A isto somam-se relatos de almoços pagos por partidos para captar delegados e influenciar o ambiente da contagem. Onde fica, então, a neutralidade que deveria ser a base de um ato eleitoral?

Perante tudo isto, é legítimo questionar: estará a democracia a falhar aos seus cidadãos no estrangeiro? A confiança no sistema depende de regras claras, fiscalização equilibrada e procedimentos rigorosos, elementos que, no caso dos votos da diáspora, estão longe de ser assegurados.

Contrariamente à posição de alguns partidos que se opõem ao voto eletrónico, esta pode ser precisamente a solução para reduzir a margem de erro e aumentar a fiabilidade do processo. É claro que tal mudança exige investimento em cibersegurança e mecanismos robustos contra ataques informáticos, mas isso não é um obstáculo intransponível. A França, por exemplo, já recorre ao voto eletrónico para os seus cidadãos residentes no estrangeiro, com resultados positivos e sem comprometer a integridade democrática, (apesar do ataque cibernético em 2017).

Há, contudo, uma injustiça ainda mais profunda que não pode ser ignorada: muitos portugueses residentes no estrangeiro continuam a pagar IMI em Portugal, contribuindo diretamente para a economia local e nacional e, no entanto, são impedidos de escolher os seus representantes nas eleições autárquicas. É incompreensível que alguém que mantém propriedade, paga impostos e tem uma ligação real ao país seja excluído do processo democrático local.

O voto eletrónico, ou até a possibilidade de voto por procuração, poderia resolver esta situação, permitindo que os não residentes com laços comprovados, seja por nascimento, propriedade ou contribuição fiscal, nāo possam votar nas eleições autárquicas, autarquias onde pagam os seus impostos. Uma democracia moderna e inclusiva deve procurar soluções para integrar, e não excluir, os seus cidadãos.

Portugal orgulha-se da diáspora. Mas enquanto não garantir a todos os seus cidadãos, independentemente do país onde vivem, um acesso justo, seguro e transparente ao processo eleitoral, estará a falhar num dos seus pilares fundamentais: a igualdade democrática.

.

Olímpio Sobral

Professor