Saúde: Tristeza com data marcada: Um olhar sobre a Depressão Sazonal_LusoJornal·Saúde·10 Outubro, 2025 “Sim, sinto-me sempre mais em baixo nesta altura do ano – mais frio, menos sol – mas isso acontece a toda a gente, certo?”. É uma das perguntas mais repetidas na minha consulta. A minha resposta também já é quase automática: “não, não é assim com toda a gente”. Não é “só uma depressão” nem é “só do tempo”. É uma doença que conhecemos por Depressão sazonal – uma perturbação depressiva que regressa, ano após ano, com a mudança das estações. As pessoas sentem-se tristes e reconhecem “não devia sentir-me assim, tenho tudo para estar bem, mas não consigo evitar”. Tomadas por um cansaço que não passa por mais que durmam (e dormem muito), contam-me “não me apetece fazer nada, prefiro ficar em casa, não me apetece ver ninguém”. Idealmente querem ficar no quarto, às escuras, com a casa em silêncio. Ganham sempre peso nesta altura do ano, é uma luta diária para não comerem. A autoestima diminui “não sou capaz”, “sou preguiçosa, não consigo evitar”, “deixo sempre tudo a meio”. Trabalhar é mais difícil que nunca, estão mais irritados com o mundo à sua volta e as suas relações sofrem com isso e a cabeça não funciona como habitual. Os sintomas – estes e outros – chegam pontualmente (mais ou menos intensos) com a queda da folha, prolongam-me pelas festas adentro e só vão verdadeiramente embora com o desabrochar da Primavera. O frio em si pesa pouco. É a ausência de luz solar a principal culpada, que desorganiza o nosso relógio biológico e interfere na serotonina – uma molécula-chave na regulação do humor. A ciência mostra também outro fator fascinante: o nosso sistema imunitário. No Inverno, as nossas defesas – essenciais para combater infeções e garantir uma resposta inflamatória capaz – a chamada resposta Th1 – estão mais ativas, mas isso vem com um preço alto a pagar. Esse “estado de guerra” acaba por travar o cérebro, gerando uma maior lentidão e podendo desencadear sintomas depressivos. É como se o corpo dissesse: “recua, poupa energia e foca-te em sobreviver”. E, claro, o frio pesa pouco, mas fecha portas: menos convívio, mais isolamento, menos atividade – tudo aquilo que sabemos que são os fatores protetores na depressão. Quem tem mais risco? Mulheres jovens, que vêm de famílias onde ninguém estranha estes altos e baixos, começam com depressões cedo na vida e sempre tiveram dificuldades com o sono e vivem (ou emigram) para sítios com pouco sol. Muitas são aquilo a que na brincadeira chamo verdadeiras “esponjas”: absorvem tudo – luz, barulho, mudança de tempo. E isto multiplica o impacto da mudança de estação. O impacto da mudança de estação e o impacto de toda e qualquer mudança. A vulnerabilidade às mudanças – sejam ambientais ou hormonais – está bem espelhada na frequência aumentada de outras doenças: a doença bipolar, a depressão pós-parto, a depressão peri-menopausa e a perturbação disfórica pré-menstrual. Quadros distintos, mas de alguma forma ligados. A depressão sazonal é uma doença com uma base biológica clara – isso é certo. O diagnóstico é clínico, exige atenção e as perguntas certas. Muitas vezes, quem chega à consulta não vem porque identificou este padrão – vem porque o último episódio foi mais intenso, mais incapacitante ou não passou sozinho. Mas, como psiquiatra, reconhecer este ciclo é fundamental para conseguir ajudar. Reconhecê-lo é o primeiro passo para ajudar a quebrá-lo. A boa notícia quando falamos em Depressão Sazonal é que tem tratamento. Psicoterapia, onde trabalhamos a cabeça, desmontamos os pensamentos automáticos e criamos estratégias de proteção. Fototerapia, em que simulamos a luz do sol para “enganar” o cérebro. Antidepressivos, seguros e eficazes, escolhidos de forma personalizada – que aparecem sozinhos ou em combinação com outros medicamentos. E sempre: contrariar o instinto de isolamento e a vontade de hibernar – sair, apanhar sol, mexer o corpo, encontrar pessoas. Não podemos mudar as estações, mas podemos mudar o impacto que isso tem em nós. . Dra. Maria Moreno Médica psiquiatra na CogniLAB