LusoJornal | Carlos Pereira

Entrevista: Miguel Brito e Abreu é o novo Cônsul Geral de Portugal em Bordeaux

Há dois meses chegou a Bordeaux um novo Cônsul-Geral de Portugal. Miguel Brito e Abreu veio substituir Mário Gomes, que regressou a Portugal. Por enquanto ainda está na fase de contactos com autoridades locais, associações portuguesas e atores económicos, mas já começou a estabelecer metas para desenvolver nos próximos anos.

O Consulado-Geral está situado na rue Henri Rodel e, para além do diplomata, chefe de posto, tem 11 funcionários, cinco dos quais na área do atendimento.

O LusoJornal fez uma primeiro entrevista a Miguel Brito e Abreu.

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Quantos atos consulares realiza por ano este posto consular?

Ainda é cedo para falar do que será o ano 2025. Sabemos que 2023 foi um ano excecional, fizeram-se acima de 24 mil atos. Em 2024 desceu para os 23 mil, penso que andaremos por estes números este ano também. Mas não ficaria surpreendido se houvesse uma ligeira redução, fruto de várias circunstâncias que são mais exógenas do que verdadeiramente relacionadas com o funcionamento do Consulado, mas é fruto de mais desmaterialização de processos, do aumento do prazo de validade de alguns documentos, da facilidade das pessoas viajarem… mesmo que não se verifique já este ano, esta é uma tendência que se irá verificar no futuro.

Por se ter aumentado o prazo de validade dos documentos, haverá menos pessoas a ir aos Consulados…

Há menos renovações, naturalmente, e na realidade, a partir de 2026 haveria uma série de pessoas que se calhar viriam aqui renovar os documentos, que já não virão, só virão em 2031. Estou aqui a antecipar, mas grosso modo é isto.

Ainda não percebi se o posto de Toulouse está ou não sob a tutela do Consulado Geral de Bordeaux. Em que ponto estamos?

Eu confesso que são assuntos que não passam por mim. Sei que existe um plano para que o posto de Toulouse seja promovido a Consulado. Mas não tenho a tutela sobre Toulouse. A pedido da Embaixada em Paris posso, naturalmente, desenvolver alguma ação, já houve situações, por exemplo, em que houve uma avaria de equipamento em Toulouse, e nós estamos aqui mais próximos, temos a estrutura já consolidada e apoiámos. Tanto quanto sei, está um processo de reconstituição em curso e acho que esse processo é para estar concluído em breve. Amanhã, por exemplo, vou a Toulouse, fora da minha jurisdição, a pedido da Embaixada, precisamente para fazer ali uma intervenção que foi pedida às nossas autoridades para fazer.

Quantas Permanências consulares faz o Consulado-Geral de Portugal em Bordeaux?

Fazemos Permanências consulares em cinco cidades, tentando cobrir grande parte do território de atuação do Consulado: La Rochelle, Angoulême, Pau, Bayonne e Fumel.

Há algum Consulado honorário nesta área que ache que devia ser transformado em Escritório consular, como acontece em Nantes, Lille, Clermont-Ferrand ou Nice?

Nós temos um único Consulado honorário neste momento, em Pau. Eu acho que, neste momento, temos de aterrar neste sistema das desmaterializações, para perceber exatamente quais serão as necessidades. As Presenças consulares têm funcionado bem, de uma maneira geral. Temos bastante adesão e procura. É uma questão de nos organizarmos, mas eu acho que tem funcionado bem. Claro que quando temos uma Presença consular há menos pessoas no atendimento aqui no posto. Esta semana, por exemplo, temos duas pessoas em Presença consular, temos uma de férias e, portanto, a equipa de atendimento está, de facto, mais desfalcada. Mas, com a devida organização, é possível. A maior parte do atendimento que fazemos aqui, atualmente, é feita por marcação e, portanto, consegue-se fazer essa gestão. Hoje em dia, as pessoas se quiserem vir, não precisam de fazer marcação, podem vir diretamente. Claro que não passam à frente de quem tem marcação, mas acho que é uma gestão que se consegue fazer.

Não há uma pressão muito grande em termos de atendimento…

Eu estou mesmo satisfeito com a dimensão e a qualidade da equipa que temos aqui. Neste caso, acho que tudo se consegue gerir.

Há um misto entre as pessoas que marcam e as que não marcam. Mas ainda há muita gente a vir cá sem marcar?

Há alguma, mas a maioria marca. Quem vem é atendido, ninguém fica à porta do Consulado. Também não estamos perante nenhuma situação de crise, não é? Estamos num cenário de normalidade. Mas temos verificado aqui algumas tendências: se é certo que alguns documentos são menos procurados, há outro tipo de atos que têm vindo a crescer, fruto certamente do facto que Portugal estar na moda! Temos agora jovens, de maior idade, a virem tratar da sua nacionalidade. Não é uma coisa que seja expressiva, mas é verdade que é um perfil de lusodescendente que se calhar aqui há uns anos não trataria da nacionalidade, mas que agora interessa-se por obter essa nacionalidade, que eu acho que é interessante.

Chegar a um novo posto implica ir visitar as autoridades locais. O que lhe têm dito as autoridades sobre os Portugueses de Bordeaux ou da região?

A pergunta é muito oportuna porque acabo, no espaço de uma semana, de me encontrar com o Préfet da Nouvelle Aquitaine e da Gironde, e com o Maire de Bordeaux, e já tinha visitado algumas outras municipalidades. Os elogios não podiam ser maiores. Eles consideram que a Comunidade portuguesa é uma Comunidade muito bem integrada, no sentido que se dilui naturalmente na paisagem, isto é dito como sendo um elogio, reconhecem muito o contributo da Comunidade portuguesa para o desenvolvimento económico, mas também social aqui desta região. Falam visivelmente agradados do espírito empreendedor dos portugueses que aqui estão, que criam empresas e criam o seu próprio negócio, são pessoas que querem crescer e ao crescerem arrastam consigo também o local onde se inserem. Este é um elogio unânime nos encontros que fui tendo. Aliás, agora Portugal é muito citado como um exemplo de boas contas públicas, que comentam com alguma inveja. É algo que parece impensável, termos um encontro com uma autoridade francesa e falarem de nós com inveja sobre a nossa gestão das finanças públicas. Sinto que há efetivamente uma maior capilaridade dos portugueses aqui na região. Os portugueses estão um pouco por todo o lado e em lugares de relevo também: na academia, na gestão das empresas, na advocacia… e isso é de facto algo que é reconhecido. Eu não tenho histórico, nem conhecimento para poder fazer esta avaliação, mas eu sinto que a sociedade francesa, em geral, também acolheu bem os portugueses. Acho que os portugueses aqui foram bem recebidos, passando dificuldades, naturalmente, porque as pessoas, quando imigram, vão naturalmente numa situação de fragilidade. Mas eu acho que há um gosto também pelo estilo de vida francês e eu acho que isso é positivo.

E já tem visitado as associações portuguesas?

Sim, claro. Olhe, no passado fim de semana fui aqui a uma associação que organizava uma noite de rugas – a minha primeira noite de rugas – gostei imenso. Mas o que eu adorei genuinamente, foi ver pessoas de todas as idades, aquilo parecia um concerto dos Xutos & Pontapés, com os mais novos, os mais velhos, jovens da idade dos meus filhos, ou um bocadinho mais velhos, jovens adultos… e homens a cumprimentarem-se com o beijo. É uma coisa francesa, é uma coisa que em Portugal é impensável. Mas isso é ótimo, estão ali num cenário essencialmente português, num contexto de portugalidade, de cultura portuguesa, de forma completamente descomplexada e eu acho isso muito positivo. Foi algo que me tocou verdadeiramente, porque é uma questão meramente simbólica, mas de bom entrosamento entre as duas culturas.

Bordeaux é a terra de Aristides de Sousa Mendes. Falam-lhe regularmente nele? Evocam Aristides quando encontra, por exemplo, as autoridades francesas?

Sem dúvida. O peso de ser, no fundo, o sucessor de Aristides, não sinto, porque não tenho essa ambição. Foi um grande humanista, cometeu o que na altura foi considerado uma afronta ao Regime e à sua autoridade, é foi uma coisa difícil. Pondo-me na pele dele, acho que não conseguiria fazê-lo. Portanto, esse peso não carrego. Sinto, sim, o peso de tentar homenagear a sua memória. É o dever de todos os diplomatas, mas particularmente do Cônsul-geral em Bordeaux. É um tema sobre o qual me falam recorrentemente, sem dúvida. Há aqui uma associação, que é o Comité Nacional Francês Aristides de Sousa Mendes, as próprias autoridades locais evocam frequentemente, não só nos nossos encontros, mas em alguns momentos solenes, nomeadamente quando é evocado o Apelo do General de Gaulle, nesse momento também há sempre uma evocação e uma homenagem à memória do Aristides de Sousa Mendes. Eu penso, naturalmente, contribuir para isso. Tenho algumas ideias de coisas que podemos fazer. Mas também há ruas, há escolas, com o nome do antigo Cônsul-geral de Bordeaux.

Ainda lhe falam também da forte presença dos Judeus portugueses que chegaram a Bordeaux durante a Inquisição em Portugal? Já se encontrou com os responsáveis pelo Consistório, por exemplo?

Não, ainda não. Eu estou aqui há apenas dois meses, tenho privilegiado essencialmente as autoridades locais e políticas, alguns colegas, há aqui uma Comunidade diplomática, somos sete Cônsules-gerais e há uns cinquenta-e-tal Cônsules honorários. Tenho tido alguns encontros a esse nível, já visitei uma ou outra associação, tenho tido aqui um ou outro ator privado. A diplomacia é polivalente, por definição, há aqui outras áreas que eu gostaria de dar continuidade àquilo que já fizeram os meus antecessores, para além do apoio à Comunidade, há a questão da diplomacia económica, dos laços económicos entre Portugal e França, no meu caso entre esta região e Portugal, mas também a cooperação académica, a cooperação cultural, gostaria de me investir também nisso. Temos aqui alguns planos de áreas que gostaríamos de tratar, na área cultural desenhámos agora o plano de atividades para o próximo ano, são coisas que têm de ser autorizadas a partir de Lisboa.

Vai continuar a fazer um Salão do Livro?

Sim, as Jornadas do Livro fazem parte do programa de atividades. No próximo ano vamos celebrar os 30 anos da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. Seria interessante termos uma visão mais lusófona e não só portuguesa nessas Jornadas do Livro. Não sei se é algo que vamos conseguir fazer ou não, mas é para lhe dar um exemplo de coisas que gostaríamos de desenvolver. Temos também a parte da cooperação económica. Há aqui áreas tradicionais de atividade desta região, o setor do vinho, da cortiça, toda a cadeia de valor associado a esse setor do agronegócio. Eu, até por obstinação pessoal acho que há outras áreas nas quais gostaria de me debruçar também para ver se há oportunidades que possam ser exploradas e falo nomeadamente da economia do mar. Esta região também é uma potência e líder mundial em vários domínios, por exemplo a aquacultura que está muito desenvolvida. A ostra da Ilha de Ré ou de Arcachon, tem toda uma indústria montada, a montante, para chegar à ostra, mas depois também é a sua comercialização. A indústria náutica e da construção naval também aqui, há estaleiros de uma dimensão brutal, não falo tanto pela sua dimensão física, mas pela dimensão da sua clientela e da dimensão do volume de negócios. Se calhar é um setor em que em Portugal temos alguma dimensão física, temos estaleiros, temos acesso ao mar, mas não sei se ao nível do volume de negócios estamos onde poderíamos estar, e às vezes pode haver parcerias interessantes de parceiros locais que queiram desenvolver parcerias com operadores portugueses. Eu acho que há muito mais a fazer para podermos efetivamente ter uma economia do mar pujante, e é um tema que me interessa, eu faço vela e faço surf – surf é uma coisa muito recente, comecei no meu último posto, em Moçambique, e sou um apaixonado pelos temas do mar.

De onde é?

Eu sou de Lisboa e o meu primeiro trabalho foi no Algarve, trabalhei em barcos. Antes de entrar para a carreira diplomática fiz profissionalmente alguns trabalhos, relacionados com barcos e com transporte. É um tema que me diz muito e ao qual dedico, diria eu, a atividade quase total do meu cérebro nos tempos livres.