Home Cultura BD e imigração portuguesa em França: Encontro com Robin Walter e Olivier Afonso no Consulado de ParisLusojornal·22 Dezembro, 2022Cultura [pro_ad_display_adzone id=”37509″] O ciclo de seminários “A língua portuguesa em culturas” da Universidade Paris Nanterre foi programado no Consulado-Geral de Portugal em Paris no dia 8 de dezembro, pelas 18h30, no magnífico Salão Eça de Queirós! A apresentação proposta pelo Centro de Investigação Interdisciplinar sobre o Mundo Lusófono – CRILUS / Universidade de Paris Nanterre, em parceria com a Cátedra Lindley Cintra da Universidade de Nanterre, a Casa de Portugal André de Gouveia e o Consulado-Geral de Portugal em Paris. “BD e imigração portuguesa em França” O seminário foi consagrado à apresentação de duas bandas desenhadas que evocam a imigração portuguesa em França, em torno de um diálogo com os autores Robin Walter e Olivier Afonso, e de um debate com o público no final da apresentação. Robin Walter (“Maria et Salazar”) – Nasceu em 1979, apaixonado desde jovem pela banda desenhada, decide contar as suas próprias histórias através desse género literário. Atribui uma grande importância à memória, assim como à sua transmissão. Em outubro de 2017, foi publicado o seu terceiro título: “Maria et Salazar”, cujo conteúdo é resumido da seguinte forma: “Contar a história da imigração portuguesa em França, assim como da época Salazarista em Portugal”. Através do percurso da Maria, conhecida de Robin Walter e da sua família, empregada de casa, da casa onde ele cresceu, Maria teve um papel importante na sua educação. Para Robin Walter, a BD é uma espécie de documentário, uma investigação no passado da história portuguesa, como no passado de Maria. A particularidade desse romance gráfico é que foi inteiramente ilustrado pelo próprio autor. Olivier Afonso (“Os/Les Portugais”) – Nasceu em 1975 em França, de pais portugueses, formou-se como artista visual na “École nationale supérieure des arts appliqués et des métiers d’art” (ENSAAMA), da qual se formou em 1998. Durante os últimos vinte anos tem sido um dos criadores de efeitos especiais e maquilhagem mais reconhecidos do cinema francês, incluindo “Titane” de Julia Ducourneau, “Zombi Child” de Bertrand Bonello, “Edmond” de Alexis Michalik ou “Madame Hyde” de Serge Bozon. O seu primeiro filme feito para a Netflix, “Girls with balls”, está disponível na plataforma desde o verão de 2019. Escreveu o guião da banda desenhada “Les Portugais”, para a qual coescreveu o diálogo. Chico é o autor dos desenhos. “Os/Les Portugais” fala de Mário, 18 anos, que emigra de Portugal passando a fronteira luso-espanhola a “salto” até à fronteira hispano-francesa. Em França, Mário vai encontrar Nel e os dois vão descobrir a vida de aventura dos imigrantes num “bidonville” da região parisiense: trabalhar nas obras, festas de bebedeira com vinho verde, amor, planos clandestinos… Esta história faz referência ao destino de milhares de Portugueses que, nos anos 1970, fugiram da ditadura de Salazar e tentaram construir uma nova vida. O seminário: organização, decorrer, debate A primeira parte do seminário consistiu na apresentação de cada um dos autores, moderado pela organizadora, Graça dos Santos, professora catedrática na Universidade de Paris Nanterre. O objetivo era trazer elementos de construção sobre as obras, as perguntas importantes e algumas mais circunstâncias… Robin Walter iniciou a apresentação, retomando os elementos essenciais que o ajudaram a criar a banda desenhada “Maria et Salazar”. Para ele, a questão autobiográfica é centrar-se no silêncio: ele conhece Maria desde pequeno, mas nunca soube realmente a sua história… A questão da casa é um elemento muito importante para a BD, como para qualquer um de nós: foi no momento da venda da casa dos pais, que Robin Walter se “interessou” pela história de Maria (ligada à história de Portugal e de França), e que começou a escrever e a ilustrar a BD. Na obra temos um ponto de vista essencialmente feminino. Na realidade, Robin Walter também conhecia Manuel (marido de Maria), mas não queria falar sobre este assunto, ele era mais apagado e tinha um percurso “clássico”. A questão da casa tem um lugar importante perante a história de Robin Walter, com efeito, é uma obra “sobre a domesticidade”. A casa é também um lugar importante para a sua banda desenhada: foi a casa onde ele e os seus irmãos cresceram, que vai ser vendida, mas também a casa onde Maria trabalhava há mais de 30 anos. Ela deixa a casa dos patrões, após a venda, para ir viver para Portugal, na sua própria casa. Ao contrário da banda desenhada de Robin Walter, a presença da casa não tem lugar na obra de Olivier Afonso. De facto, os pais dele foram viver num “bidonville” parisiense onde as condições são complicadas e quase desumanas. Nunca veremos Mário e Eva viver numa casa. Olivier Afonso avançou com outras motivações: no seu caso foi a vontade de contar a história de um familiar que finalmente o levou a criar a banda desenhada. A história foi alimentada pelas palavras do pai e temos então aqui a questão do masculino. Olivier Afonso tem noção que há diferentes graus de memória entre homem e mulher, é por isso que ele pensa, para mais tarde, contar a mesma história, mas desta vez baseando-se nas palavras da mãe, perguntando-se esta primeira pergunta: “O que acontece às mulheres após a omnipresença dos homens? Olivier Afonso revelou que começou a escrever um cenário para poder realizar um filme, focando-se nas suas lembranças. Queria que essa história pertencesse a todos, porque é a história de Portugal, mas também a história da França. Por falta de fundos, o filme não pôde ver a luz. E assim nasceu a banda desenhada… Mas porquê banda desenhada e não um romance por exemplo? Simplesmente porque os pais não sabem ler muito bem o francês e “com imagens seria mais fácil”. E de outra parte, não queria fazer uma coisa muito “intelectual”. Olivier Afonso explica que a obra conta realmente a história dos seus pais. De facto, o pai chama-se Mário, mas, ao contrário, a mãe não se chama Eva. A anedota sobre o nome da mãe foi então relatada: “Quando o meu avô Olivier foi pai, a minha mãe era para ter o nome de Eva, mas com alguns copos no nariz, quando ele foi declarar o nascimento, já não se lembrava do nome que a mulher tinha escolhido, então a agente do registo civil perguntou-lhe: ‘Qual é o nome da sua mulher?’ e ele respondeu Maria da Conceição, a pessoa replicou ‘Então dê-lhe este nome’”. Assim, foi em homenagem a este episódio que Olivier escolheu dar o nome de Eva à personagem da mãe. Os pais do autor ficaram muito emocionados com a banda desenhada que relata a história deles, aliás nunca tinham lido uma banda desenhada, nem sabiam que esse formato existia, mas desde aí, eles adoraram ler… Depois das apresentações dos autores, houve um debate com o público. Algumas estudantes do Departamento de Português da Universidade Paris Nanterre, preparam teses de fim de estudos sobre as obras dos autores. A primeira pergunta foi para Olivier Afonso, feita por Márcia, estudante em Master Études Romanes na Universidade Paris-Nanterre: Márcia: Qual é a sua relação com Portugal e com a língua portuguesa? Olivier: A minha relação com Portugal baseia-se nas histórias que sempre ouvi, não sou aquele português que vai todos os anos a Portugal, mas tenho orgulho em ser português sobretudo quando sei tudo o que os meus pais atravessaram para ter a vida que eu tenho hoje. Em relação à língua portuguesa, sempre tive um pouco vergonha de falar português sobretudo por causa do meu sotaque, mas desde que escrevi a BD sinto-me mais à vontade com a língua. Para falar um pouco dos meus filhos, não sou aquele pai que vai obrigar os meus filhos a falar português e não sou aquele pai que vai falar português em casa, mas cada vez que um dos meus filhos me pede como se diz isso ou aquilo em português, é com orgulho que respondo. A segunda pergunta foi para Robin Walter, colocada por Diana, estudante em Master Études Romane na Universidade Paris Nanterre: Diana: Porque escolheu o título “Maria e Salazar”? Robin: Mudei muitas vezes o título antes de chegar ao meu título final, “Maria e Salazar”, porque eu escrevi sobre a história de Maria durante a época de Salazar, e de uma certa forma, Salazar tem a ver com a vinda de Maria para França. Demais, o título releva do interrogativo, é assim um bocado misterioso, muitas pessoas não esperam o conteúdo da BD às vistas do título. Diana: A Maria e o Manuel chegaram a ler a Banda desenhada? O que pensaram? Robin: Sim, chegaram a ler a BD. A Maria não a leu logo, porque foi quando partiu para Portugal. Os filhos receberam-na antes, fizeram fotografias dos netos que estavam a ler a BD para mandarem aos avós. Finalmente, a Maria tinha confiança e a BD fortaleceu as nossas relações. A relação com Portugal e a língua portuguesa é sempre diferente quando se trata de uma pessoa da segunda geração. Podemos ver aqui que o autor reforçou os seus laços com Portugal e a língua portuguesa graças à BD. Esta sessão do seminário “Langue portugaise en cultures” permitiu demonstrar o que os autores têm em comum e as suas especificidades. Por exemplo, a questão do feminino e do masculino. Para alimentar o texto, Olivier Afonso baseou-se na palavra dos homens da sua própria família, enquanto o Robin Walter, baseou-se nas palavras de uma mulher, Maria. Para além disso, as duas bandas desenhadas vão “buscar” elementos que são essenciais de dizer e importantes para essa ideia de “transmissão de memória”. Diana Rodrigues e Márcia Cabrito de Sousa Estudantes em Master Études Romanes, Portugais Universidade Paris – Nanterre [pro_ad_display_adzone id=”46664″]