LusoJornal | António Borga

Em fim de missão: Carlos Oliveira faz balanço do funcionamento do Consulado Geral de Portugal em Paris


O Cônsul-Geral de Portugal em Paris, Carlos Oliveira, cessa funções na capital francesa, e muda-se agora para Praga, onde vai assumir a nova missão de Embaixador de Portugal na República Checa.

Carlos Oliveira já tinha sido, há muitos anos, Cônsul de Portugal em Versailles, quando o posto ainda existia, e chegou a França depois de ter sido Embaixador de Portugal na Argélia.

Antes de cessar funções, deu uma longa entrevista ao LusoJornal para fazer um ponto da situação sobre o funcionamento dos serviços consulares, neste que é o maior Consulado de Portugal no mundo.

.

Quando chegou a Paris estávamos num período complicado de Covid-19 e o Consulado teve de encerrar. O que guarda desse momento inédito?

A surpresa tocou a todos. Chegar aqui e ter 600 pessoas por dia e passarmos a ter apenas a possibilidade de atender, em urgência, apenas algumas é já por si uma coisa complicadíssima. Ainda por cima, na altura a situação evoluiu praticamente de mês para mês. Nós não sabíamos para onde caminhávamos. A primeira preocupação foi de facto essa, e não foi fácil, contei aqui com as pessoas que conheciam bem o terreno, que sabiam o que o posto fazia, mas foi de facto uma situação completamente invulgar e que exigiu uma atuação no momento. Acho que, de um modo geral, e também com a vossa colaboração, da comunicação social, e a de toda a gente, que teve uma compreensão generalizada, porque a situação, à medida que foi tendo os contornos mais definidos, as pessoas perceberam que era mesmo assim, que não havia grande volta a dar. Eu acho que, apesar de tudo isto, se conseguiu gerir mais ou menos bem a situação. As urgências foram, de um modo geral, satisfeitas – as urgências verdadeiramente urgentes, porque para toda a gente, tudo que o têm a fazer é urgente…

Mas esta paragem teve repercussões que se prolongaram no tempo, não é?

Pois, e isso não foi menos complicado de resolver. Como é que nós íamos conseguir compensar todo o atraso que tinha existido? E, sobretudo, como também se lembra bem, com uma perda dos recursos humanos absolutamente inconcebível. Ela já vinha de trás. Quando cheguei aqui, surpreendeu-me como é que tínhamos perdido tantos funcionários, mas depois foi ainda mais intensa nesse período. Portanto, de repente, o nosso corpo de funcionários tinha perdido 20% ou 25% o que é uma coisa inconcebível. Mas, felizmente, nós acabámos por ser ouvidos em Lisboa, a Secretaria de Estado tomou bem conta dessa dificuldade. Este é o maior Posto consular português no mundo e Lisboa fez o necessário, abriu-nos uma primeira vaga de 5 recrutamentos e depois um outro, e pelo meio houve mais uma ou duas situações em que foi possível recuperar funcionários.

E como está atualmente em termos de funcionários?

À data de hoje, nós compensámos as perdas. Também, como saberá, há um mecanismo que resultou do último Executivo, e para cada aposentação há uma abertura imediata de concurso. Esta foi uma mudança fundamental, essencial para a nossa gestão de recursos. As próximas aposentações de dois funcionários estão acauteladas, até porque os concursos permitem ficar com uma lista de pretendentes à qual nós recorremos para novas aberturas de concursos. Depois, as aposentações que vêm a seguir já são num horizonte um bocadinho mais alargado. Eu fico satisfeito de deixar isto à minha sucessora. O posto, do ponto de vista dos recursos humanos, está agora bom. O mérito não é meu, é de Lisboa, mas hoje é um posto que desse ponto de vista está bastante razoável. Estou a referir-me a Paris, porque na verdade nós também temos as nossas antenas no exterior e aí o cenário é menos seguro e menos confortável.

Então foi com estes novos funcionários que conseguiu resolver o problema do tempo de espera no atendimento?

Sim, conseguiu-se, de certa maneira, ir colmatando e dando resposta a uma avalanche de pessoas – todas aquelas que tinham ficado sem marcações durante a Covid – e mais recentemente assiste-se, de facto, a uma quebra na procura do Cartão do Cidadão, que tem a ver com as novas validades do documento…

O facto da validade dos Cartões de Cidadão terem passado de 5 para 10 anos, começa só agora a ser visível nos Consulados?

Já vínhamos sentindo há uns meses, mas agora não há dúvidas sobre isso. Durante algum tempo podia ser um assunto pontual, momentâneo, mas agora concluímos que é uma tendência que se afirmou. Nós já não temos os números de pedidos de Cartão do Cidadão que tínhamos. Chegámos a fazer por ano mais de 4.000 Cartões, e este ano isso já não acontece. É claro que nós tentamos fazer o melhor que podemos, temos a vantagem de dispor de um sistema próprio de marcações, gerimos as marcações, mas evidentemente que esta diminuição dos Cartões do Cidadão, permite obviamente transferir meios humanos para outros serviços que estavam mais sobrecarregados.

Então a situação melhorou…

A capacidade de resposta é boa. Não é de crer que essa situação se inverta, pelo menos nos próximos um ou dois anos. Se for assim, nós estamos em condições para continuar a ter um atendimento razoavelmente bom e que satisfaz de um modo geral quem nos procura. Os prazos de espera são baixos, em alguns casos praticamente inexistentes. Neste momento não há nenhum serviço que esteja muito atrasado.

Numa entrevista ao LusoJornal, o Secretário de Estado das Comunidades, José Cesário, falava em atrasos no serviço de notariado…

Talvez o senhor Secretário de Estado saiba de alguma coisa que me esteja a escapar. Há um tempo de espera que eu diria razoável.

O que é para si um tempo de espera razoável?

Eu diria 15 dias a 3 semanas. Porque repare, mesmo no tempo da Covid, nós continuámos sempre a dar atenção às urgências. Essa sei que é uma preocupação do Senhor Secretário de Estado e eu tive a ocasião de lhe referir, e ele concordou, que aqui é efetivamente o facto que se verifica. Houve sempre e mantém-se, essa ideia de que, se alguém nos aparece aqui numa situação de absoluta urgência, ou se alguém se deslocou de longe e chega aqui, tentamos acolher. Agora, obviamente que nós não podemos acolher quando certas pessoas, até de uma forma mal-intencionada, tentam tirar partido da situação. Porque, senão, estamos a comprometer aqueles que verdadeiramente têm urgência. Eu procuro transmitir aqui dentro que estamos de braços abertos, mas com pés e medida. Mas eu acho que há uma certa aprendizagem e uma certa adaptação às circunstâncias e um bom senso dominante. Por vezes há tipos que chegam aqui e protestam muito. Temos de ter cuidado porque não estamos a tratar de 50 pessoas, estamos a tratar de cerca de 350 pessoas por dia. Resumindo, atualmente conseguimos gerir melhor, mas por outro lado, um dos entraves maiores dos últimos tempos tem a ver com a rede informática e com as dificuldades que temos tido nessa matéria. É muito aborrecido, quer para os utentes, quer para quem está a atender, que o sistema não funciona. A espera de alguns minutos no primeiro utente da manhã pode corresponder a uma hora de espera no último utente da tarde.

Isso acontece regularmente?

Nos últimos 2 ou 3 meses isso tem acontecido com muita frequência, mais do que seria desejável.

E há perspetivas de solução para esse problema?

Lisboa finalmente irá trazer os novos computadores e irá reestruturar a rede. Tenhamos esperança que, até ao fim do ano, conseguiremos ter aqui um sistema integrado, mais operante, que não fique parado a todo o momento, que porventura continue o processo de integração dos vários sistemas, que é legítimo esperar-se e que isso aconteça e se intensifique de maneira a que tudo vá mais depressa. No tempo mais recuado, eu lembro-me das pilhas de papel, com todos os atrasos que daí resultavam. Felizmente esse tempo já lá vai, foi uma mudança enorme e hoje, salvo um problema pontual do sistema, por regra, tudo é de uma rapidez enorme. É ótimo para nós, é ótimo para quem é atendido. Acho que nesse aspeto foi uma evolução brutal. Não foi só nossa, foi geral, mas não deixa de ser bom que nós não tenhamos ficado de fora disso. Agora ainda há coisas a aperfeiçoar, e haverá sempre.

O Secretário de Estado José Cesário, dizia recentemente ao LusoJornal que não está convencido que o Centro do atendimento telefónico em Portugal seja uma solução. Ele acha que a ideia de Paris era uma melhor solução. Qual é a sua opinião?

Eu vou ser muito franco em relação a isso. Eu tinha enormes reservas em relação ao Centro de atendimento consular, mas, do meu ponto de vista, e por aquilo que puder perceber das pessoas, acho que o Centro de atendimento consular cumpriu. Pode ser melhorado? Eventualmente. A nossa colaboração com o Centro de atendimento consular é ótima. Nós assinalámos os problemas, as diferenças de atuação que é necessário introduzir, e imediatamente elas surtem efeito.

Não tem notado anomalias?

Não, não tenho. Acho que o Centro de atendimento consular cumpriu sobretudo num aspeto fundamental, que foi a circunstância de não ser possível garantir o atendimento telefónico aqui no posto, era manifestamente impossível. A partir do momento em que um utente tem alguém do lado de lá do telefone, isso tem um efeito nem que seja só psicológico, tem efeito fundamental na interação, naquilo que a pessoa espera, e desse ponto de vista, particularmente desse, o Centro consular cumpriu. Do ponto de vista da satisfação daquilo que o utente pretende, como é depois reconduzido para cá, eu julgo que acaba por ser satisfeito e a verdade é esta: duas coisas ajudaram a melhorar a imagem do Consulado: o facto de alguém atender as chamadas e o facto de praticamente já não haver atrasos nas marcações. E isso, justiça seja feita a quem nos procura, apareceu evidente nos comentários. Como sabe, houve uma altura em que os comentários nas redes sociais eram extremamente negativos. Não é que eu viva disso, mas não deixa de ser bom que isso tenha acontecido. E o Centro de atendimento consular, desse ponto de vista, foi extremamente útil.

Falamos das antenas Consulares. Em Lille há apenas uma funcionária. Isso cria um problema quando ela vai de férias, não é?

Esse é um problema, evidentemente. O que tem acontecido é que, dada a boa vontade – enorme até – da pessoa que lá está, de acordo com o fluxo que existe, em agosto há sempre menos utentes, a nossa funcionária acaba por conformar-se em fazer férias na altura que menos prejudica o serviço.

O Consulado Geral de Portugal em Paris, tem antenas em Lille, Nantes, Orléans e Tours. Não sei bem se lhe deva chamar Antenas, porque não o são. Em Nantes até é um Vice-Consulado…

O problema das Antenas é que temos de ter uma visão global e integrada da presença consular em França. Só o Consulado de Paris tem uma área que corresponde a mais de metade do território francês. Eu sou muito contrário às posições isoladas, eu acho que é preciso integrar as coisas. O problema da rede não é um funcionário em Lille ou noutro sítio, é uma estrutura que, de facto, devia estar adequada também à evolução da própria Comunidade. É evidente que é muito difícil retirar a quem já tem. Veja, por exemplo, as Presenças consulares. Nós fazemos Presenças consulares em certos sítios que não têm tanto impacto como noutros, mas convencer o Presidente da Associação que já não se vai fazer ali a presença, ele considera que é extraordinariamente importante. É preciso ter, a meu ver, essa noção do conjunto e também, de certa maneira, ter a coragem de introduzir as alterações necessárias. O que temos no terreno, globalmente, deve corresponder àquilo que se pretende. Por isso é primeiro necessário saber o que se pretende e depois ajustar. Deve ter perenidade, deve ter o mínimo de estabilidade…

Isso acontece, não?

No caso de Nantes temos uma situação bastante complicada. Temos um funcionário que se aproxima da aposentação e a outra pessoa também tem algumas dificuldades próprias, ou seja, convém prever o que se pretende que venha a acontecer no futuro. Lisboa tem sempre manifestado que está a estudar essa problemática.

A minha pergunta era de saber se acha necessário ou se se justifica, passar de um funcionário em Lille para dois?

Não acredito que se justifique, também pelas qualidades que eu tenho sublinhado sempre da pessoa que lá está e o espírito de dedicação incrível que hoje em dia não é muito comum. Eu acredito que Lille está a satisfazer razoavelmente bem as pessoas de Lille e daquela região. Toda a gente o diz. Eu também não acho que temos de ter um exército de pessoas, nós temos de ter é as pessoas certas nos lugares certos. Eu não faço nenhuma questão de ter 50 ou 80 funcionários, eu quero é ter os funcionários necessários para as tarefas que temos pela frente. No caso de Nantes, a procura também não é por aí além e por enquanto também funciona bem.

Isto é, não há pessoas de Lille ou de Nantes a terem de vir a Paris por falta de atendimento local…

Não. Num modo geral, não.

Mas Orléans e Tours são situações diferentes, porque alguns serviços do Consulado de Paris são efetuados em ‘back office’ lá. Isso funciona?

Tem funcionado. Quando foi necessário colocar essas pessoas em Tours, elas foram disponíveis para ir para Tours, então terão de continuar em Tours. Esta é a minha opinião e já a transmiti para Lisboa. Então, se em Tours há pessoas a mais para as necessidades de Tours, Tours pode servir de ‘back office’ de Paris. Parece-me ser uma solução e é uma solução que funciona. Uma das coisas que eu digo é que eu não acho que as Antenas – ou como lhe queira chamar – funcionam mal. Longe disso. Nem acho sequer que não respondam às necessidades. O que eu acho é que é preciso, em conformidade com o Regulamento consular, prever para o futuro e eventualmente introduzir algumas alterações que o senhor Secretário de Estado, melhor do que eu saberá quais serão. Porque também como sabe, a Comunidade não é uniforme, não tem estado sempre nos mesmos sítios, desloca-se, modifica-se…

É possível ainda aumentar as Permanências Consulares?

Eu não tenho esse entendimento. As pessoas que se deslocam do Consulado para as Permanências, são menos pessoas que estão aqui a atender. Temos de ter algum bom senso. Não podemos estar permanentemente em Presenças consulares. Eu fiz uma pequenina alteração ao modelo que existia, mas talvez com o tempo seja necessário revisitar isso, tendo em atenção a distância. Por exemplo, por vezes é melhor ir mais tempo, não precisamos de ir muitas vezes, mas quando vamos, então vamos.

Quantas pessoas são atendidas numa Presença consular?

10, 20, 30,… Por 10, não vale a pena lá ir.

E quantas pessoas se deslocam a cada Presença consular?

2 ou 3.

E quantas pessoas atende por dia cada funcionário aqui no Consulado de Paris?

Em regra geral, cada funcionário atende 20 ou 30 pessoas por dia. Quer dizer que a rentabilização daquele funcionário é muito inferior.

Os três funcionários deixam de atender 90 pessoas em Paris para atenderem 30 na Presença consular…

É muito inferior, sim. Eu compreendo que há uma necessidade, mas tem de haver um limiar de razoabilidade. Quando eu começo a constatar que determinado sítio reiteradamente tem menos procura, então considero que essa Presença consular não faz sentido. Há outras que, pelo contrário, têm sempre muita procura e, essas, faz sempre todo o sentido que continuem.

O que vai levar de memórias desde posto consular?

Uma das coisas mais tocante é a dimensão do posto. De facto, este posto toca todos os assuntos e mais alguns, aparecem-nos as coisas mais extraordinárias e isto não deixa de ter um certo impacto.

Não é apenas a dimensão geográfica do Posto, mas também a dimensão da missão…

Claro. Como sabe, temos um serviço social que está bastante presente, temos aqui situações às vezes muito complicadas e isso faz-nos ser parte, é uma coisa que eu acho que é importante e que não acontece necessariamente num posto com 5 pessoas. Um outro aspeto que também me marcou, é o profissionalismo das pessoas que estão aqui, com muita resistência, porque estão sempre muito expostas. Não é fácil atender 300 pessoas todos os dias, também não é fácil a matéria social, porque há situações muito difíceis, portanto o profissionalismo das pessoas que aqui encontrei, a ideia de contribuírem para o Posto, eu também não encontrei assim tantas vezes. Em termos de conjunto, este aspeto também é importante. Eu quando cheguei aqui queria que os serviços funcionassem o melhor possível – e fui tranquilizado pela equipa – e por outro lado, queria estar, tanto quanto possível, presente no terreno – não estive tanto como gostaria – mas também nesse aspeto fiquei tranquilo, porque acho que há uma presença em todas as áreas e há um grande amor por Portugal. É extraordinário ver que essas pessoas que estão aqui há 10, 30, 50 anos, às vezes foram os avós que vieram para cá e eles continuam a ter uma ligação fundamental com Portugal, afetiva fundamentalmente. É uma coisa extraordinária e é bom que Portugal tenha isso bem presente. Esta foi uma coisa que me tocou bastante. Toda a gente continua a ter, de alguma maneira, Portugal no horizonte e isso é uma mais-valia incrível. Claro que é uma mais-valia que toda a gente assinala, mas eu senti-a muito próxima e de forma muito intensa. Esse é um aspeto que eu guardo, porque também não será assim tão frequente. Apesar de isso acontecer um pouco pelo mundo inteiro – tive a mesma experiência noutros sítios – mas não com esta intensidade. Para mim foi muito gratificante.

Quer deixar alguma mensagem especial através do LusoJornal?

Eu acho que é fundamental que se mantenha coesão, que as pessoas percebam que em conjunto funcionam melhor do que isoladamente e que possam procurar valorizar cada um dos membros desse grande grupo de pessoas que falam português, que estão ligadas a Portugal e de certa maneira já é isso que acontece. Isso é, de facto, a mais-valia que tem de ser valorizada, e passa pelos próprios criar os mecanismos nesse sentido, da participação cívica, passar mensagens, articular com quem está aqui, de maneira a que essa presença seja mais visível e continue a afirmar-se.