Exposição da fotógrafa Ana Carvalho na Casa de Portugal André de Gouveia

Nesta quinta-feira, dia 30 de janeiro, às 18h30, será inaugurada a exposição de Ana Carvalho na Maison du Portugal André de Gouveia, na Cité Universitaire de Paris. Esta exposição, uma parceria entre a Casa de Portugal e o Consulado de Portugal em Paris, intitulada “L’Horloge de l’Âme”, inspira-se em citações do “Livro do Desassossego” do poeta Fernando Pessoa. Na verdade, “O Relógio da Alma” é também o título do livro que Ana Carvalho publicou há um par de anos na Holanda, país onde vive. Um livro que navega entre a fotografia e a literatura, tornando-se, pode dizer-se, numa espécie de simbiose perfeita entre estas duas artes.

Ana Carvalho é tradutora literária e fotógrafa. Estudou em Leipzig e em Berlim ainda antes da reunificação da Alemanha, foi tradutora em Bruxelas para a União Europeia e vive hoje em Amesterdão. Já participou em várias exposições individuais e coletivas em diversas cidades da Holanda, Bélgica e Portugal. É a responsável, juntamente com Harrie Lemmens, seu marido e tradutor literário (de Pessoa, Saramago, Lobo Antunes e João Ubaldo Ribeiro entre muitos outros), pela revista “Zuca-Magazine”, a única a divulgar a literatura lusófona na Holanda. E foi desta revista, escrita em neerlandês, que nasceu este seu livro.

Partindo de uma série de fotografias que ao longo de vários números da “Zuca-Magazine” foram acompanhando citações do “Livro do Desassossego” de Fernando Pessoa, Ana Carvalho, através da sua arte, construiu um diálogo sublime com o grande poeta português do século XX. É também esta a premissa que lançará o visitante nesta sua exposição na Casa de Portugal da Cidade Universitária de Paris.

 

Ana, como nasceu esta exposição aqui em Paris?

Inicialmente era para fazer uma exposição no Consulado em Paris, a convite do vice-Cônsul, mas com outro tema, mas chegámos à conclusão de que o espaço disponível não seria o mais apropriado. Foi quando o Dr. João Alvim se lembrou da possibilidade de expor na Casa de Portugal e me deu o contacto da Dra. Ana Paixão. No encontro que tive com ela umas semanas mais tarde, mostrei-lhe o meu livro “O Relógio da Alma” e ela entusiasmou-se logo com a ideia de uma exposição inspirada nas citações do Livro do Desassossego. E é assim que me cabe a honra de inaugurar o novo espaço expositivo criado no auditório da Casa de Portugal.

 

Quantas obras estarão expostas?

O espaço é amplo e, por isso, posso pendurar lá, à vontade, umas 30 fotografias, mas ainda não sei neste momento o número definitivo, só no momento da montagem. Uma exposição é também uma composição.

 

Numa das vezes que conversamos, tu disseste-me que “a fotografia é a tradução, a interpretação e a ficcionalização da realidade”. Podes explicar-nos?

Sim, para mim, uma fotografia traduz uma realidade, ou melhor, a minha realidade que o meu olhar capta num certo momento. Ao enquadrá-la estou, de certa maneira, a interpretá-la, já que faço uma escolha e tomo uma decisão, totalmente intuitiva. E ao retirar do todo um certo detalhe, pretendo sugerir, e mesmo até criar algo que tinha passado desapercebido a outros olhos e parece estar ali à minha espera para tomar forma. Tal como na literatura, em que a ficção transforma uma realidade existente, assim eu procuro arrancar da realidade imagens cujo significado não vislumbro enquanto fotografo, mas que têm sobre mim um poder magnético. Com o tempo, descobri que o elemento decisivo na minha escolha é a composição.

 

Como nasceu este teu projeto de usar o “Livro do Desassossego” do Pessoa como base das tuas fotografias? Ou é ao contrário?

Um projeto muito interessante. Tudo começou com as citações que o Harrie escolheu para eu juntar uma fotografia. A ideia era publicar todas as semanas essa combinação na nossa revisa Zuca-Magazine. Por cada citação eu ia aos meus arquivos (onde criei uma pasta com o título de “Desassossego”) procurar uma imagem, mais ou menos abstrata, que traduzisse a essência da frase, mas partindo de uma realidade ficcionada. Ficção que gera ficção. Nunca foi minha intenção ilustrar a citação, o que em muitos casos seria impossível. O Pessoa tratou disso por mim. A certa altura, pensámos em publicar um livro com esse diálogo entre imagem e palavra e foi assim que, graças ao interesse de uma editora holandesa, nasceu “O relógio da alma”. Aqui ficou para mim claro como uma realidade do Pessoa, muitas vezes insondável, sugeria uma realidade minha que já existia como ficção. Para a exposição escolhi várias fotografias, não todas, do meu livro. Vão ter legendas, o que não é meu hábito para não excluir outras interpretações, mas neste caso faz sentido. Espero que as fotografias valham por si, independentemente da inspiração que recebi das palavras do Pessoa.

 

Quais as maiores dificuldades sentidas por ti ao divulgares as culturas lusófonas na Holanda?

Quem melhor sente essas dificuldades é o Harrie, que não faz outra coisa senão convencer as editoras a publicar traduções da literatura lusófona. É uma luta, mas que já tem dado bons frutos. Ele já conseguiu traduzir, para além do Pessoa, Saramago e Lobo Antunes, João Ubaldo Ribeiro, Luís Fernando Veríssimo, Machado de Assis, Autran Dourado, Raduan Nassar, Cyro dos Anjos, Michel Laub, Daniel Galera, Mia Couto, José Eduardo Agualusa, Pepetela, e muitos outros. Mas não é empresa fácil. Isto é o que acontece com a literatura. Quanto à fotografia e à arte em geral, também é muito difícil um projeto ser aceite. Infelizmente, salvo algumas exceções como o Instituto Camões e DGLAB, não se pode contar com muito apoio institucional. Até à data, já expus num hospital, num restaurante brasileiro, em livrarias, em festivais literários e em galerias de arte. Cada exposição um desafio diferente. Nos últimos tempos, tenho fornecido às editoras fotografias para capas de livros. Isso já aconteceu com o José Eduardo Agualusa, a Dulce Maria Cardoso, o Raduan Nassar, a Maria do Rosário Pedreira e com o Livro do Desassossego, na sua última edição na Holanda. Também tenho feito várias exposições ou projeções em livrarias na apresentação de traduções. A minha função de designer gráfica da revista Zuca-Magazine representa para mim a oportunidade ideal para publicar os meus trabalhos.

 

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