Livro “O Soldado Sabino” vai ser apresentado na Gulbenkian de Paris

A edição francesa do livro “O Soldado Sabino”, uma alegoria sobre “a forma como a guerra canibaliza o ser humano”, do escritor português Nuno Gomes Garcia, vai ser apresentado a 04 de outubro na Gulbenkian de Paris.

“Sabino, ou les tribulations d’un soldat portugais dans la Grande Guerre”, traduzido por Dominique Stoenesco, é o primeiro romance publicado em França do escritor que, em 2014, foi finalista do Prémio Leya com a obra “O Dia em Que o Sol Se Apagou”.

O livro vai ser apresentado pela historiadora Marie-Christine Volovitch-Tavares, especialista da história da emigração portuguesa para França.

Editado em Portugal, em 2012, a obra tem como protagonista o soldado Sabino que narra, na primeira pessoa, a sua passagem pelo norte de Moçambique e pelas trincheiras da Flandres durante a Primeira Guerra Mundial. “O Sabino é uma alegoria sobre a forma como a guerra canibaliza o ser humano. O personagem protagonista do livro é um canibal e a minha ideia era tentar fazer uma metáfora a propósito da guerra, uma espécie de alegoria, porque a guerra é mesmo isso: a guerra é, de certa forma, a canibalização do ser humano”, disse à Lusa Nuno Gomes Garcia.

Através do soldado Sabino – um autodidata dotado de um humor mordaz e de uma lucidez pragmática – o autor descreve os horrores da Primeira Grande Guerra, mostra as trincheiras portuguesas como “as mais repugnantes da Flandres” e não poupa o Corpo Expedicionário Português, nem os que foram consagrados como heróis, nomeadamente o soldado Milhões.

“Os pobres soldados portugueses vêm essencialmente do Norte e das aldeias do interior, muitos deles nunca viram o mar, muitos deles nunca entraram num barco, muitos deles nunca viram uma máquina e, de repente, veem-se na guerra mais industrial que a humanidade alguma vez conheceu”, explicou o escritor, sublinhando que foi “irresistível aproveitar esse contraste”.

O livro nasceu de uma vontade de reagir contra “uma certa heroificação dos participantes da guerra” e contra a expressão “os soldados que lutaram pela liberdade” que foi inclusivamente usada, nas comemorações dos 100 anos da Batalha de La Lys, a 9 de abril deste ano, “tanto pelo Presidente Macron, como pelo Presidente Marcelo Rebelo de Sousa”.

“É uma expressão francamente ridícula. É uma instrumentalização da história porque aqueles soldados não lutaram por liberdade nenhuma porque a Grande Guerra foi, de certa forma, um confronto imperialista entre os grandes impérios. A participação de Portugal na Grande Guerra não serviu, de todo, os interesses do povo português, muito menos o interesse daqueles soldados”, considerou o autor.

Nuno Gomes Garcia acrescentou que a Primeira Guerra Mundial foi o “canto de cisne do antigo regime”, ou seja, resultou “do desespero” das elites aristocráticas dos impérios austro-húngaro, alemão, russo, britânico “que perceberam que o seu tempo estava a chegar ao fim” e “não se preocuparam nada em ter assassinado milhões de soldados de todas e mais diversas nacionalidades”.

A tradução do romance histórico, publicado pelas edições Petra, chegou às livrarias francesas em junho passado, no ano em que se celebra o centenário do fim da Primeira Guerra Mundial e dois meses depois das comemorações oficiais da Batalha de La Lys, nas quais participaram os presidentes português e francês, Marcelo Rebelo de Sousa e Emmanuel Macron, e o Primeiro-Ministro português, António Costa.

Apesar de o livro ser uma ficção, Nuno Gomes Garcia contou que teve críticas de emigrantes portugueses em França que consideraram que ele “faltou ao respeito à memória dos soldados”, algo que interpretou pelo facto de “a Primeira Guerra Mundial estar mais presente na memória dos portugueses de França do que nos que vivem em Portugal”.

“A literatura tem de provocar” e Nuno Gomes Garcia – que mora em França há oito anos – também não poupou a emigração portuguesa no conto “O Sobrinho”, integrado no livro “Homens que sofrem de sonhos”, um conjunto de contos sobre a emigração, publicado em março deste ano. “Eu acho que a literatura tem de ser crua, tremendista e com algum humor. Este conto é um mundo de vegetais que reflete a tragédia da emigração e de grupos da emigração de origens diferentes que se desprezam entre si. Às vezes os portugueses falam como se fossem menos emigrantes que os outros”, concluiu.

Nascido em Matosinhos e licenciado em História e Arqueologia, Nuno Gomes Garcia, de 40 anos, é, ainda, autor de “O Homem Domesticado” (2017), uma distopia num regime totalitário comandado por mulheres e em que os homens são machos domesticados que lavam, cozinham, obedecem e saem à rua cobertos da cabeça aos pés.

 

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LusoJornal