Livros: “L’invention de l’Amazonie” de Euclides da Cunha

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Um dos maiores escritores brasileiros e autor do grande livro sobre a Guerra de Canudos – “Os Sertões”, traduzido e publicado em França como “Hautes Terres” -, Euclides da Cunha (1866-1909) foi também um explorador da Amazónia no início do século XX. E é uma parte do fruto literário da sua expedição amazônica de 1904 que chegou este mês às livrarias francesas graças às Éditions Chandeigne.

“L’invention de l’Amazonie” é um conjunto de três histórias extraídas da coletânea “À Margem da História” (nunca traduzida para francês), onde se nota o ambicioso projeto de epopeia Amazónica que o autor pretendia escrever e à qual chamaria “Um Paraíso Perdido”, mas que ele nunca terminou devido à sua trágica morte: digna de uma boa telenovela brasileira (já lá vamos).

Então, em 1904, Euclides da Cunha liderou uma expedição brasileiro-peruana para definir a fronteira entre os dois países. Imagine-se a dificuldade de penetrar naquela imensidão verde há 116 anos. Partindo do Rio de Janeiro para Manaus e, depois, subindo o rio na direção da fronteira peruana, o escritor empreendeu uma longa e duríssima viagem que quase o levou à loucura.

Se, em “Os Sertões”, Euclides da Cunha põe frente a frente o obscurantismo religioso de António Conselheiro e o positivismo cego da República brasileira recém-instalada, duas visões opostas do mundo que se confrontaram na Guerra de Canudos (interior do Estado da Bahia, 1896/1897); neste seu “ciclo amazónico” do qual fazem parte as três histórias publicadas este mês em “L’invention de l’Amazonie”, o autor brasileiro também denuncia vários atrasos civilizacionais. Seja o estado de semiescravatura dos seringueiros, que alimentam com as próprias vidas uma indústria da borracha em plena explosão devido à massificação do automóvel, seja o lento embora inelutável genocídio dos povos ameríndios, processo que começou com a chegada de Cabral e continua com o regime bolsonarista.

O que mais marca nos textos amazónicos de Euclides da Cunha é a modernidade da sua análise. A violência humana e ecológica que ocorre todos os dias na Amazónia – a exploração diabólica dos seus recursos, o abate de milhões de hectares em nome do agronegócio, os ameríndios sem direitos, os garimpeiros em busca de ouro e os ávidos fazendeiros que vivem num autêntico Estado sem lei, onde imperam a bala, a bíblia e o boi… Tudo isto poderia ter sido descrito pela pena de Euclides da Cunha exatamente da mesma maneira apesar de ter passado mais de um século desde que estes seus textos foram escritos.

Euclides da Cunha, porém, não se limitou a denunciar tragédias. Ele também as criou na sua própria vida… e na sua própria morte. A sua esposa, Anna da Cunha, tinha um amante, 17 anos mais novo, chamado Dilermando de Assis. Quando Euclides descobriu o adultério, em agosto de 1909, foi ao encontro de Dilermando que, em legítima defesa, acabou por matar o escritor. Mais tarde também mataria o filho de Euclides da Cunha. Anna, mesmo assim, tornou-se Anna Assis ao casar com o assassino do marido e do filho. O casamento durou 20 anos até Dilermando a ter trocado por uma nova amante.

Tanto a obra como a vida de Euclides da Cunha levam, portanto, a uma profunda reflexão sobre a condição humana.

 

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LusoJornal